Claudio Macedo
25/01/2018
Ao longo do tempo milhares de mulheres têm sido acusadas de bruxaria, inclusive grande parte delas sendo condenada à morte e executada de maneira extremamente cruel. Este fato tem despertado profundo interesse científico devido ao enigma da acusação de bruxaria ser essencialmente dirigida a mulheres. A questão é, por que mulheres são acusadas de serem bruxas?
Como ainda existe esse tipo de acusação em algumas regiões do mundo, é possível investigar nesses lugares como se origina a acusação de bruxaria e contextualizar o ambiente comunitário em que vivem as acusadas. Foi isso que fizeram pesquisadores da Inglaterra e da China. Eles estudaram a questão numa comunidade agrícola da China, onde ainda persiste a crença na feitiçaria [2].
A pesquisa não encontrou qualquer evidência de que o “rótulo” de “bruxa” aplicado a qualquer moradora da comunidade estudada tivesse relação com qualidades ou atitudes da pessoa “rotulada”. A conclusão dos autores é que o estigma surge inicialmente como um mecanismo para prejudicar a mulher que é concorrente em algum assunto de grande interesse de quem acusa. Uma vez estabelecido o “rótulo” de “bruxa” em uma mulher, a “caracterização” pode ser transmitida para uma filha e, assim, persistir a crença que a família possui “bruxas” em sua composição. Também, pelo menos na região da pesquisa, pode se aplicar muito bem a explicação de que existe uma dimensão patriarcal para as acusações de feitiçaria serem essencialmente dirigidas às mulheres. O fundamento dessa explicação é que as origens das denúncias de feitiçaria são comuns quando as instituições patriarcais estão tentando estabelecer o domínio sobre as matriarcais. No caso da comunidade chinesa estudada, o budismo, a religião mais comum na área, é dominado pelos homens, enquanto a estrutura social tradicional na região é “matrilinear” (a ascendência materna é que é levada em conta para a transmissão do nome, dos benefícios da condição de pertencer a um clã ou a uma classe).
O trabalho foi baseado em 800 famílias de cinco aldeias no sudoeste da China. Ele consistiu em coleta de dados, para identificar as redes sociais estabelecidas, e uso de um tipo de jogo econômico, que contribuiu para identificar o grau de cooperação entre as pessoas; além disso, foi pedido a informantes das aldeias para identificar quais famílias as pessoas consideravam que possuíam alguma “bruxa” em sua composição e qual era a “bruxa”. As famílias “etiquetadas” como possuindo “bruxa” compreenderam 13,7% de todos os agregados familiares da região. Finalmente, com o apoio do jogo econômico, foram examinados os comportamentos sociais daquelas que foram rotuladas com uma etiqueta de “bruxa” e comparados com aquelas que não eram. O mesmo tipo de comparação também sendo feito entre os agregados familiares que possuíam alguma “bruxa” e aqueles que não possuíam.
O encontrado, no final, é que o comportamento social de todos os moradores da região estudada é muito semelhante, independente de ter o rótulo de “bruxa” ou não; apenas aqueles em domicílios “rotulados” que possuíam “bruxa” eram menos propensos a dar ou receber presentes ou ajuda para ou de famílias que não possuíam o “rótulo”; nem tinham parcerias amorosas ou filhos com aqueles em famílias não “rotuladas”. No entanto, aqueles em domicílios “rotulados”, preferencialmente, ajudavam e se relacionavam em termos amoroso um com o outro.
No fundo, a “rotulagem” de “bruxa” é semelhante ao moderno bullying, só que ainda mais devastador, pois, além da prejudicada direta, a “bruxa”, descendentes dela podem herdar o cruel “rótulo”.
[1] Crédito da imagem: aalmeidah (Pixabay) / Creative Commons CC0. https://pixabay.com/en/halloween-witch-spell-bats-2033906/.
[2] R Mace et al. Population structured by witchcraft beliefs. Nature Human Behaviour 10.1038/s41562-017-0271-6 (2018).
Como citar este artigo: Claudio Macedo. Entendendo a origem das bruxas. Saense. http://www.saense.com.br/2018/01/entendendo-a-origem-das-bruxas/. Publicado em 25 de janeiro (2018).