Luana Mendonça
18/07/2018

[1]
Quê? Foi a primeira coisa que veio na minha cabeça quando li o título do artigo sobre o qual falaremos aqui: “Aves marinhas aumentam a produtividade e o funcionamento de recifes de corais na ausência de ratos invasores”. Porém, depois de ler o artigo fiquei bem impressionada, não apenas com o trabalho em si (coleta de dados), mas com os resultados, e, por isso o escolhi para o texto desse mês.

Todos sabemos que matéria orgânica circula entre todos os seres vivos e o ambiente e que é ela que mantém a produtividade, composição e funcionamento dos ecossistemas, mas não se sabe muito bem a magnitude da dinâmica dos compostos orgânicos nos diversos ambientes, principalmente nos ambientes modificados pelo homem. Um grupo conhecidamente importante nessa dinâmica é composto pelas aves marinhas, que são direcionadores globais na ciclagem de compostos orgânicos, transferindo nutrientes para as várias cadeias dentro das suas áreas de alimentação, descanso e reprodução (as vezes essas áreas são milhares de quilômetros). Os nutrientes transferidos por essas aves, o guano (acúmulo de fezes), pode modificar a composição das espécies de plantas e aumentar a biomassa delas em alguns locais, também aumentando a abundância de vários outros organismos. Esses nutrientes também são levados para os ecossistemas marinhos próximos e podem influenciar a densidade do plâncton e o comportamento alimentar de arraias manta!

Bom, mesmo sabendo de todo o ‘poder’ do cocô de aves marinhas, o seu efeito nos vários aspectos que envolvem um ecossistema em específico, os recifes de corais, não são conhecidos (não eram!). Além disso, saber como ocorre a conectividade de nutrientes em ambientes naturais é crucial para compararmos com o que ocorre em ambientes modificados pelo homem, a exemplo da introdução de ratos e raposas em algumas ilhas tropicais e subtropicais que levaram ao declínio de 90% de populações de aves marinhas.

Para buscar respostas, os pesquisadores realizaram um raro experimento natural (todo mundo deseja fazer experimentos na natureza, mas quase nunca é possível) em larga escala em algumas ilhas do Arquipélago de Chagos, localizado no Oceano Indico. Essas ilhas foram desabitadas (por humanos) nos últimos 40 anos, são protegidos da pesca e constituem um dos ambientes marinhos mais ‘puros’ do mundo. Porém, infelizmente, a ocupação humana nas ilhas deixou para trás espécies exóticas, uma delas foi o rato negro (Rattus rattus), mas como a ocupação das ilhas foi irregular, algumas tiveram o rato introduzido e outras não.

Os pesquisadores escolheram seis ilhas infestadas por ratos e seis ilhas sem ratos, também utilizando a área, localização e o ambiente que formava cada ilha para compor a escolha (as mais similares foram escolhidas). A primeira observação realizada constatou que as ilhas sem ratos tinham densidade de aves marinhas 760 vezes maior que as ilhas infestadas.

Depois os autores buscaram a partir dos dados de cada espécie de ave (abundância, tamanho do corpo, taxa de defecação, etc.) estimar a média de nitrogênio (composto orgânico) introduzido pelas aves marinhas, e, verificaram que o nitrogênio introduzido pelas aves por hectare das ilhas foi 251 vezes maior nos locais sem ratos.

O próximo teste realizado foi com os isótopos estáveis do nitrogênio, visando identificar quais os componentes do ambiente (organismos) estavam assimilando o nitrogênio vindo das aves. Os testes mostraram que o solo e as plantas das ilhas sem ratos tinham quantidades muito maiores do nitrogênio derivado do guano. Também foram encontrados valores muito mais altos desse nitrogênio em macroalgas, esponjas filtradoras, peixes e nos recifes de coral das áreas adjacentes às ilhas sem ratos. Outro resultado interessante encontrado foi que os peixes dos recifes próximos às ilhas sem ratos cresceram mais rápido e tinham maior biomassa comparado com os das ilhas infestadas.

Todos esses resultados mostram não apenas a importância de um componente considerado simples, como o guano, dentro de um ecossistema também de grande importância, recifes de coral, mas também como a introdução de espécies exóticas em alguns ambientes pode ser altamente prejudicial.

[1] Crédito da imagem: Aussiegall (Wikimedia Commons), CC-BY-2.0. URL: https://en.m.wikipedia.org/wiki/File:Domino_Cascade.JPG.

[2] NAJ Graham et al. Seabirds enhance coral reef productivity and functioning in the absence of invasive rats. Nature 559, 250 (2018).

Como citar este artigo: Luana Mendonça. O efeito dominó inimaginável: ratos diminuem a comunidade de aves marinhas, que diminui o volume de excremento de ave produzido e gera uma diminuição de recifes de corais!. Saense. http://saense.com.br/2018/07/o-efeito-domino-inimaginavel-ratos-diminuem-a-comunidade-de-aves-marinhas-que-diminui-o-volume-de-excremento-de-ave-produzido-e-gera-uma-diminuicao-de-recifes-de-corais/. Publicado em 18 de julho (2018).

Artigos de Luana Mendonça     Home