Matheus Macedo-Lima
26/09/2018
Imagine um almoço com os colegas do trabalho. A conversa está interessante, mas de repente você percebe que o seu amigo lá do outro lado da mesa mastiga aquelas cenouras um tanto alto. Agora ficou difícil né? A partir daí não dá mais prestar atenção na conversa e parece que o seu nível de irritação vai para o espaço! “Será que ele não escuta?” você pensa consigo milhões de vezes. Este artigo te trará a resposta e uma possível forma de mandar uma “indireta” para alguém!
Essa ideia de que o cérebro faz um ótimo trabalho de cancelar os sons que nosso corpo faz já era suposta há bastante tempo. Porém, esse fenômeno nunca tinha sido explicado em detalhe até cientistas da New York University publicarem na revista Nature uma possível razão [2].
Eles descobriram que células na parte do cérebro que inicia movimentos (córtex motor) em camundongos se comunica com células inibitórias no córtex auditivo. O resultado é que o movimento inibe a detecção de sons!
O jeito como eles demonstraram isso foi bem inteligente. Eles treinaram camundongos a andar em uma esteira. Um computador detectando o movimento da esteira tocava bips de som de acordo com a velocidade com que o animal corria. Então, eles deram um jeito de observar a atividade dos neurônios no córtex auditivo enquanto os animais treinavam. Eles encontraram que nos primeiros dias os neurônios respondiam aos bips, mas nos dias seguintes a maioria das células paravam de responder aos sons… como se houvessem aprendido a ignorá-los!
Porém, um outro grupo de células “aprendeu” a aumentar a sua atividade quando os animais corriam. E essas eram as células recebiam sinais das células do córtex motor. Qual a função delas? Inibir as outras células ao seu redor liberando um neurotransmissor chamado GABA (ácido gama-aminobutírico)! Bastante engenhoso, não é?
Os autores sugerem que esse mecanismo é importante para manter o nosso cérebro sensível a sons não produzidos por nós. Pense que isso pode ser importante quando você caminha à noite sozinha e precisa estar superatenta a qualquer ruído (como passos de estranhos) ao seu redor. O seu cérebro está ativamente cancelando os sons dos seus próprios passos.
O mecanismo que faz com que o seu colega não perceba que tomar sopa daquele jeito te enlouquece é o mesmo que pode salvar sua vida numa rua deserta. Talvez lembrar disso te ajude no primeiro caso!
Ah e quanto à “indireta”, basta mandar esse artigo para um certo alguém!
[1] Crédito da imagem: matýsek (Flickr), CC BY 2.0. https://www.flickr.com/photos/mdclxvi/33699321.
[2] DM Schneider et al. A cortical filter that learns to suppress the acoustic consequences of movement. Nature 561, 391 (2018).
Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. Será que ele não se escuta mastigando? A ciência acha que não!. Saense. http://saense.com.br/2018/09/sera-que-ele-nao-se-escuta-mastigando-a-ciencia-acha-que-nao/. Publicado em 26 de setembro (2018).