Hendrik Macedo
03/05/2019

Foto de uma pizza marguerita. [1]
Recentemente, num rompante de saudosismo de minha infância na década de 80, e cinéfilo que sou, me lembrei de um filme com Rick Moranis (a propósito, nunca mais o vi nas telonas): “A Pequena Loja dos Horrores” (título de distribuição no Brasil). Moranis faz o papel de um empregado de uma floricultura que cuida de uma planta carnívora cujo cardápio é exclusivamente composto de carne e sangue humanos. O rapaz mantém a planta alimentada com cadáveres, mas à medida que ela vai crescendo em tamanho, a situação começa a sair de controle. Lembro que o meu imaginário infantil sempre achou verossímil essa possibilidade e mesmo após descobrir que não, ainda considerava ser possível a manipulação artificial para a produção/criação de plantas assim.

Décadas depois, observamos a biotecnologia desenvolver a Transgênese e aplica-la em diferentes áreas, particularmente na agricultura; nesse caso, trata-se basicamente (perdoem a simplificação da explicação) da manipulação genética de sementes para produzir plantas/folhas/frutos maiores, mais bonitos, mais saborosos e mais resistentes. Há, entretanto, quem torça bastante o nariz contra a técnica. Não sei se os pesquisadores da Open Agriculture Initiative (Media Lab, MIT, EUA) fazem parte dessa força de resistência, mas o fato é que em um artigo científico publicado no início do mês passado [2], eles relatam que conseguiram criar plantas de manjericão mais gostosas do que qualquer outra jamais produzida sem aplicar qualquer modificação genética. Algoritmos computacionais foram desenvolvidos para determinar as condições ideais de crescimento de modo a maximizar a concentração de “compostos voláteis”, termo auferido às moléculas de sabor. Para a surpresa dos pesquisadores, após avaliar milhões de combinações possíveis, o algoritmo gerou o conjunto de condições favoráveis, especialmente a descoberta de que 24 horas de exposição das plantas à luz UV é a grande responsável pelo melhor sabor. Segundo os especialistas, técnicas agrícolas tradicionais jamais chegariam a essa “Eureka!” por uma simples razão: salvo na Antártida, nenhum outro lugar da Terra possui uma janela de 24 horas de luz solar para que se desse chance ao acaso; a única forma seria de fato uma abordagem laboratorial, artificial. Vale observar que a mesma abordagem que permite a melhora do sabor do produto, permite o melhoramento de outros compostos moleculares responsáveis por, entre outras coisas, ajudar a controlar o açúcar no sangue ou proteger a planta contra o ataque de parasitas; esses, inclusive, são dois dos experimentos atuais em realização pela mesma equipe, ao submeter o algoritmo aos efeitos do ajuste de outras variáveis ​​ambientais, como umidade e temperatura.

Até onde tenho conhecimento, nada realmente semelhante ao que eu imaginara (plantas carnívoras gigantes criadas e treinadas para engolir crianças malcriadas) aconteceu (ufa!). Ao contrário, a tecnologia parece nos levar a um bom caminho na agricultura, assustador, mas num sentido completamente diferente. Esse tipo de agricultura praticado pela iniciativa do MIT já tem nomenclatura conhecida: agricultura ambiental controlada, agricultura vertical, agricultura urbana. Se um dos grandes problemas do setor agrícola, “a falta de dados disponíveis publicamente, falta de padrões na coleta de dados e a falta de compartilhamento desses dados” (palavras do próprio diretor da iniciativa), for resolvida, o potencial é incomensurável! Com mais dados coletados, melhor conhecidos e bem rotulados, o “restante” do trabalho será muito bem conduzido pelas técnicas de Inteligência Artificial, particularmente de Aprendizado de Máquina, já bem maturadas. A promessa é que todo o aparato desenvolvido e utilizado nessas pesquisas (hardware, software e dados) esteja disponível gratuitamente para que outros pesquisadores possam contribuir com a evolução da linha. Sem dúvidas, esse caminho, o da Ciência colaborativa, é o mais curto (talvez único) para solução dos diversos problemas do planeta, incluindo-se o de se assar a pizza marguerita perfeita!

[1] Crédito da imagem: schrott, Pixabay License.
https://pixabay.com/pt/photos/pizza-manjeric%C3%A3o-margarita-italiano-455442/.

[2] A Johnson et al. Flavor-Cyber-Agriculture: Optimization of plant metabolites in an open-source control environment through surrogate modeling. PloS one, v. 14, n. 4, p. e0213918, 2019.

Como citar este artigo: Hendrik Macedo. Você come (melhor) o que você planta (melhor)! Saense. https://saense.com.br/2019/05/voce-come-melhor-o-que-voce-planta-melhor/. Publicado em 03 de maio (2019).

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