Embrapa
04/07/2019

Processo mais barato pode tornar produção do material mais acessível (foto: André Luís Sousa Pereira)

Um trabalho desenvolvido pela Embrapa pode reduzir consideravelmente o custo de produção da celulose bacteriana, um polímero natural considerado nobre mas ainda subexplorado industrialmente. Os cientistas substituíram o insumo mais caro, o meio de cultura sintético, por um de fermentação à base de melaço de soja, obtendo ótimo rendimento em laboratório.

Os resultados animaram os pesquisadores pela possibilidade de se ampliar a utilização da celulose bacteriana em ramos industriais que atualmente não poderiam incorporar um insumo de custo tão elevado. A expectativa é uma redução de até 70% no custo. Mas isso ainda será avaliado em um novo estudo com produção em larga escala.

A celulose bacteriana é produzida por microrganismos a partir de um meio de cultura rico em carboidratos. Quando comparada à celulose vegetal, apresenta inúmeras vantagens: é mecânica e fisicamente mais resistente, é pura (livre de lignina e hemicelulose), pode ser moldada durante o cultivo em estruturas tridimensionais, apresenta alta porosidade, excelente poder de absorção, elevado grau de cristalinidade e biocompatibilidade. Essas características fazem do material um insumo interessante para aplicação nas áreas de medicina, farmácia, cosmética e nas indústrias alimentícia, têxtil e de eletrônicos (veja quadro ao lado).

“É um material único, muito versátil, mas o custo de produção limita o aproveitamento a áreas com alto valor agregado, como a biomédica”, explica a pesquisadora Morsyleide Rosa, membro da equipe da Embrapa Agroindústria Tropical (CE) que desenvolveu o estudo.

Há anos os pesquisadores buscam meios de cultura de baixo custo para aumentar a competitividade do material. Uma das apostas foi o aproveitamento de fontes agroindustriais. Assim, seria possível promover um destino mais nobre a subprodutos da agroindústria, além de reduzir impactos ambientais.

Com o melaço de soja, o rendimento obtido em laboratório foi similar ao de meios de cultura sintéticos: uma produção ao redor de sete gramas por litro após dez dias de cultivo. Esse rendimento foi obtido com um meio de fermentação em que os carboidratos originais do melaço de soja foram quebrados em moléculas menores (hidrolisados) e suplementados com etanol. Segundo a pesquisadora Fátima Borges, parte dos carboidratos presentes não são metabolizáveis pelas bactérias produtoras do biopolímero, por isso foi necessário proceder a hidrólise para aumentar a disponibilidade de açúcares facilmente fermentáveis.

“Essa formulação mostrou rendimento similar aos meios sintéticos a custos consideravelmente menores, o que faz do melaço de soja uma fonte muito favorável para o processo fermentativo de produção em larga escala de celulose bacteriana”, diz a pesquisadora.

A pesquisadora da Embrapa Morsyleide Rosa lembra que a cadeia de soja é organizada e que o material estabilizado permite transporte e armazenamento sem problemas. “O melaço de soja é um meio de cultura barato, estável e abundante”, acrescenta. Subproduto da indústria de proteína de soja, o melaço é aproveitado na produção de rações. Na opinião dos pesquisadores, a produção de celulose bacteriana seria uma destinação mais nobre.

O estudo contou com a colaboração da Universidade Estadual de Londrina (UEL), que atuou, principalmente, na seleção de microrganismos.

Celulose bacteriana X celulose vegetal

A celulose é o polímero natural mais abundante no mundo e de grande importância econômica. A maior fonte desse material é a parede celular das plantas, mas ele também é produzido por fungos, protozoários e procariontes. Grande parte dos derivados da celulose, como papel, têxteis e materiais de construção, é retirada do algodão e da madeira. Mas questões de sustentabilidade e preservação do meio ambiente têm levado à busca por materiais alternativos não convencionais, como a celulose bacteriana.

Para muitas aplicações industriais, a celulose vegetal é inconveniente, por conta de sua associação a outros biopolímeros como hemicelulose e lignina. A separação desses materiais requer a utilização de produtos químicos responsáveis por maiores custos e mais tempo de processamento. Já a celulose bacteriana é livre de outros biopolímeros e pode ser purificada por processos simples.

Outra vantagem da celulose bacteriana é a possibilidade de síntese em pouco tempo, independente de longos e extensivos cultivos agroflorestais, por diversos gêneros de microrganismos. O gênero Komagataeibacter é o mais estudado, mas a espécie K. xylinus destaca-se pela alta capacidade de produção a partir de diferentes fontes de carbono (glicose, frutose, melaço, glicerol ou outros substratos orgânicos) e nitrogênio. Esse é um importante diferencial do microrganismo na aplicação industrial.

Propriedades superiores

A celulose bacteriana é formada por fibras muito pequenas, em escala nanométrica. Isso confere ao material propriedades superiores comparado à celulose vegetal. As microfibras, em forma de fita, dotam a celulose bacteriana de propriedades mecânicas peculiares, como alta resistência à tração, elasticidade, durabilidade e elevada capacidade de retenção de água. O polímero é capaz de absorver quase 100 vezes sua própria massa em água.

Para a medicina

O material é biocompatível, inerte, atóxico, e não alergênico. O uso como curativos resulta em melhor cicatrização. Proporciona ambiente úmido para feridas, apresenta estrutura e resistência adequadas, além de ser seletivamente permeável. É promissor também para a incorporação de agentes antimicrobianos e pode ser utilizado em vários campos das ciências da saúde, como estrutura para regeneração de ossos, sistemas de liberação de medicamentos, novos enxertos vasculares, ou suportes para engenharia de tecidos.

Grau alimentar

Um dos primeiros usos da celulose bacteriana de que se tem notícia foi como alimento. A nata de coco, original das Filipinas, tornou-se um dos primeiros produtos alimentares comercialmente disponíveis de celulose microbiana, ganhando notável popularidade em outros países asiáticos, incluindo a Indonésia, Japão e Taiwan. Esse produto é tradicionalmente obtido pela fermentação estática de água de coco. De textura gelificante, o polímero não é digerido no trato humano, propriedade que apresenta aplicações na indústria alimentícia, como, por exemplo, a fabricação de produtos com conteúdo calórico reduzido.

Eletrônica

No campo da eletrônica foram desenvolvidas membranas com alta condutividade elétrica e dispositivos emissores de luz através da incorporação de metais na estrutura da celulose. Algumas das membranas foram modificadas com paládio e platina para serem utilizadas em células de combustível e de reatores catalíticos. [1]

[1] Esta notícia científica foi escrita por Verônica Freire.

Como citar esta notícia de inovação: Embrapa. Estudo é capaz de baratear produção da celulose bacteriana. Texto de Verônica Freire. Saense. https://saense.com.br/2019/07/estudo-e-capaz-de-baratear-producao-da-celulose-bacteriana/. Publicado em 04 de julho (2019).

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