UnB
10/09/2019
Agrobiodiversidade, segundo definição da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), é a parte agrícola da biodiversidade, formada pelas plantas que são utilizadas para alguma finalidade (alimentação, ornamentação, tecelagem etc). É a domesticação de plantas e da agricultura.
“Fala-se muito em diversidade, mas deixa-se de lado a agrobiodiversidade. As pessoas não sabem o perigo que representa não conservá-la”, conta Daniela Messias, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural da Faculdade de Planaltina, lembrando que a perda de espécies pode ser um caminho sem volta. A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês), estima que, já em 1999, cerca de 75% da agrobiodiversidade do mundo já estivesse perdida.
Sob orientação da professora Mônica Nogueira, a pesquisadora desenvolve dissertação sobre a conservação (mas também sobre as perdas) da agrobiodiversidade das plantações e da alimentação do povo indígena yawalapíti, que vive no Parque do Xingu, uma das maiores e mais importantes reservas indígenas brasileiras, situada no norte do Mato Grosso. O estudo foi feito durante quatro viagens, ao longo de dois anos, quando ela buscou identificar variedades de plantas, como milho e tubérculos que ainda existem graças aos chamados guardiões da semente.
Geralmente os guardiões da semente são pessoas idosas que têm o trabalho de plantar e guardar, a cada colheita, as sementes que serão utilizadas no próximo plantio. O costume era intergeracional, mas tem se perdido com o passar dos anos, seja pela falta de interesse dos mais jovens em continuar a atividade, seja pela morte dos antigos guardiões.
A pesquisa destaca que a diversidade de povos indígenas e povos tradicionais são os principais responsáveis pela guarda in situ de sementes. Hoje, uma forma de conservar sementes fora de seu lugar de origem é feita por meio de grandes bancos criogênicos ao redor do mundo, que usam temperaturas muito baixas para preservar os materiais.
Lúcio Flávio Figueiredo, professor de botânica e um dos orientadores do trabalho, conta que a pesquisa de Daniela ajuda na tentativa de impedir que mais espécies se percam. “A base da alimentação está cada dia mais pobre com a perda de importantes variedades agrícolas que se tornam raras”, enfatiza. “Isso acarreta na mudança da alimentação de populações inteiras, aumentando a incidência de diabetes, hipertensão e ataques cardíacos”, complementa a orientanda.
“Hoje são grandes empresas que concentram as sementes”, revela Daniela. Porém, de acordo com ela, os indígenas consideram que elas “estão mortas”, pois, muitas vezes, não nascem ao serem cultivadas. “Se plantar, não dá”, pondera um dos entrevistados do trabalho.
Outro aspecto que a pesquisadora aborda é o impacto do uso de agrotóxicos nas plantações dos indígenas do parque. “O veneno chega a eles por meio da água, matando os peixes, e do ar, contaminando as espécies lá cultivadas”, diz, lembrando que estamos em um momento-chave em que a discussão sobre o uso de agrotóxicos nunca esteve tão em voga.
Ela explica que já foi comprovado que os agrotóxicos em utilização nos dias atuais, aqueles que consumimos diariamente, têm os mesmos componentes tóxicos utilizados em armas de guerras, ou seja, extremamente nocivos para o ser humano.
RESGATE – Durante as idas a campo, Daniela Messias trabalhou com cinco das 14 famílias dos yawalapíti que vivem no Parque do Xingu. Tunuly Yawalapíti, o raizeiro da comunidade, aquele que detém conhecimentos sobre plantas e seus usos, explica que a alimentação era mais rica antigamente. “Havia mais inhame, tipos de batata e milho, yacon [conhecida como a batata do diabético] e abóbora. Hoje estão perdidos”, conta. Ele revela ainda que, quando era criança, comia muita batata doce “azul, amarela, vermelha, laranja…Hoje não tem mais”. Tunuly trabalha para resgatar todas essas variedades.
Várias pessoas com quem a pesquisadora conversou indicaram a necessidade do resgate do matí, um milho vermelho, que foi perdido em um incêndio há cerca de dez anos. Também lembram com saudosismo do kumalá (feijão antigo).
Daniela acrescenta que o método de plantio indígena é mais saudável para a terra: são dez anos de descanso após o plantio por meio da alternância entre seis espaços. “Infelizmente o agricultor indígena é obrigado, por conta da pressão do mercado, a substituir os cultivos tradicionais pelos modernos e simplificar seus sistemas de cultivos complexos e diversos”, explica. [1]
[1] Esta notícia científica foi escrita por Thaíse Torres.
Como citar esta notícia científica: UnB. Guardiões da vida. Texto de Thaíse Torres. Saense. https://saense.com.br/2019/09/guardioes-da-vida/. Publicado em 10 de setembro (2019).