Matheus Macedo-Lima
30/10/2019
O advento da fertilização assistida na medicina tem realizado o sonho de muitos indivíduos de terem filhos quando seus corpos têm dificuldade. Desde o primeiro “bebê de proveta” em 1978, a eficácia e a frequência desses métodos vêm crescendo ano a ano no mundo inteiro. Nos Estados Unidos, esses métodos possibilitaram cerca de 69 mil partos e 78 mil bebês em 2017. Isso mesmo: bem mais bebês do que partos! Isso se deve ao fato de que a fertilização assistida pode gerar gêmeos em taxas muito mais elevadas que a não-assistida.
Uma coisa que acontece quando gêmeos se desenvolvem no útero é a “comunicação” entre os corpos dos bebês por conta da proximidade e do compartilhamento da corrente sanguínea da mãe. Coisas como anticorpos e hormônios gerados por um feto podem chegar ao outro. No caso dos hormônios, fetos masculinos passam a produzir testosterona em níveis mais elevados do que a mãe, e isso pode afetar o desenvolvimento do corpo e do cérebro de um feto feminino.
Em estudos em animais, descobriu-se que a proximidade de um feto feminino a um masculino pode masculinizar seus corpos e comportamentos devido à testosterona. Em humanos, não se tinha certeza se algo do tipo também acontecia. Motivados pelo aumento da quantidade de gêmeos na população, um time de cientistas resolveu investigar se o compartilhamento do útero por fetos de sexos diferentes afetaria seus desenvolvimentos [2].
Os cientistas analisaram dados do sistema de saúde norueguês entre 1967 e 1978 para identificar casos de gêmeos e buscaram dados sobre a vida adulta de todos esses 728.842 bebês (muita gente!).
Os resultados foram claros. Ter compartilhado um útero com um feto masculino causou um impacto no sucesso socioeconômico e reprodutivo das mulheres. Em mais detalhes, quando comparadas com todos os outros nascimentos, houve aumento de 15% na chance de mulheres não completarem o ensino médio, redução de 4% na chance de completarem a universidade e redução de 9% no poder aquisitivo. Além disso, houve redução de 12% na chance de casamento e de 6% na chance de terem filhos.
Para ter mais certeza de que esse efeito não era devido ao impacto social de crescer com um gêmeo masculino, os cientistas analisaram dados de mulheres cujos irmãos gêmeos morreram antes de 1 ano de idade. Os efeitos foram idênticos.
Detalhe importante: nenhum efeito foi detectado nos homens. Os pesquisadores concluem que há grande possibilidade de que esses efeitos foram devidos à exposição a altos níveis de testosterona no útero. Os dados sugerem que os efeitos podem ser cognitivos, sociais e reprodutivos. No entanto, apesar de significativos, esses efeitos são pequenos e não são motivo de alarme. De qualquer maneira, com o aumento significativo do número de gêmeos no mundo, esses resultados podem ser importantes do ponto de vista de saúde pública, na medida em que podem encorajar medidas paliativas para prevenir a interferência de testosterona sobre fetos femininos.
[1] Créditos da imagem: Internet Archive Book Images. [Online]. Available: https://www.flickr.com/photos/internetarchivebookimages/14784217635/.
[2] A. Bütikofer, D. N. Figlio, K. Karbownik, C. W. Kuzawa, and K. G. Salvanes, “Evidence that prenatal testosterone transfer from male twins reduces the fertility and socioeconomic success of their female co-twins,” Proc. Natl. Acad. Sci. U. S. A., vol. 116, no. 14, pp. 6749–6753, 2019.
Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. Compartilhar um útero com um gêmeo masculino pode afetar o sucesso social, econômico e financeiro de mulheres. Saense. https://saense.com.br/2019/10/compartilhar-um-utero-com-um-gemeo-masculino-pode-afetar-o-sucesso-social-economico-e-financeiro-de-mulheres/. Publicado em 30 de outubro (2019).