UnB
04/11/2019

Professor José Carmine Dianese mostra como são armazenados os fungos. Foto: Isabela Oliveira/Agência Facto

Pesquisadores do Departamento de Fitopatologia da Universidade de Brasília descreveram uma nova família de fungos do Cerrado em 2018. A descoberta ilustra a capa da revista mais importante do mundo sobre micologia básica, ramo da Biologia dedicado ao estudo dos fungos. Trata-se do fascículo de julho/agosto de 2019 do periódico Mycologiapublicado pela Sociedade Americana de Micologia (MSA). A ilustração é do professor emérito José Carmine Dianese, orientador das pesquisas juntamente com o professor Danilo Pinho. O convite foi feito por um dos editores da publicação, o professor Brian Shaw. O artigo é resultado da tese de doutorado de Débora Cervieri Guterres.

Em 2018, a micologia do Cerrado já havia sido capa do segundo mais importante periódico na área de Fitopatologia, Plant Disease, uma publicação editada pela Sociedade Americana de Fitopatologia (APS). A ilustração refere-se ao trabalho do pós-graduando, hoje doutor, Leandro de Almeida N. N. Agra.  Segundo professor Dianese, as aparições nas capas da Mycologia e da Plant Disease são dois eventos históricos inéditos para a micologia brasileira. 

Os fungos possuem importante papel para a manutenção do equilíbrio da natureza. Eles são responsáveis pela decomposição e reciclagem de nutrientes orgânicos. Os cogumelos são fungos amplamente usados na alimentação humana e alguns como medicamentos. São ainda utilizados em múltiplos processos biotecnológicos, produção de pães, bebidas alcoólicas e antibióticos. Além disso, são responsáveis por mais de 70% das doenças de plantas, sendo que cerca de 4 mil espécies são patógenos de animais e do homem. Substâncias como as estatinas (controladoras do colesterol) e ciclosporina (imunorregulador responsável pelo controle da rejeição em transplante de órgão) são também de origem fúngica.  Por tudo isso, o estudo dos fungos é hoje uma prioridade mundial, e a UnB está inserida nesse esforço. 

HISTÓRICO  Nos anos 60, pesquisas sobre fungos do Cerrado foram interrompidas com a ausência de dois ícones da micologia brasileira: Augusto Chaves Batista (falecido em 1967) e Ahmés Pinto Viégas (aposentado em 1968). Eles contribuíram com a descrição de uma centena de espécies novas de fungos do Cerrado, com base em amostras coletadas por Ezechias Paulo Heringer, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB). Grande parte da coleção de fungos de Heringer, pioneiro da botânica brasileira, foi incorporada ao que é hoje a Coleção Micológica do Herbário UB (CMHUB), localizada no Departamento de Fitopatologia, do Instituto de Ciências Biológicas (IB).

No final da década de 1980, inspirado pela curiosidade científica dos alunos de pós-graduação, José Carmine Dianese decidiu estudar os fungos do Cerrado. O interesse dos estudantes surgiu a partir da disciplina de pós-graduação intitulada Fungos Fitopatogênicos. Um dos exercícios da matéria exigia a identificação de dez fungos de gêneros diferentes. Porém, alguns espécimes eram difíceis de ser identificados e desconhecidos pela ciência.

A coleta sistemática e extensiva, bem como, o estudo dos fungos do Cerrado foi iniciada em 1991, com a colaboração da professora Mariza Sanchez, aposentada pela Universidade Federal de Uberlândia. Ela foi a primeira curadora da CMHUB, função que exerceu por 25 anos, até sua morte em 2015.

Em 1993, a primeira espécie de fungo do Cerrado descrita pela equipe da UnB foi publicada e batizada de Phloeosporella flavio-moralis. Nos anos seguintes até o presente, o professor Dianese, seus alunos e colaboradores inseriram na literatura internacional 150 espécies novas e mais de 20 gêneros de fungos do Cerrado. “A diversidade fúngica do Cerrado é estimada em 70 a 120 mil espécies. Ela necessita ser intensamente explorada, pois até o presente menos de mil espécies são conhecidas”, explica Dianese.

Após 26 anos de pesquisas, existem hoje quase 25 mil espécimes de fungos na Coleção Micológica. Eles estão armazenados em um fungarium moderno com temperatura em torno de 16ºC. São 150 holótipos de novos fungos, além de vouchers referentes a mais de 20 gêneros novos, e um gênero-tipo da primeira família de ascomicetos estabelecida com base em material coletado no bioma. Essas novidades científicas figuram em periódicos vinculados às mais importantes sociedades científicas dedicadas à micologia, como a citada Mycologia (EUA), além da Mycological Research (Reino Unido), Mycological Progress (Alemanha), IMA Fungus (Holanda), Phytotaxa (China) e Mycotaxon (EUA).

A pesquisa também se incorpora à essência do Projeto de Internacionalização do Capes PrInt, em que a ênfase está na inserção internacional de trabalhos publicados em periódicos respeitados mundo afora. “A grande massa dos trabalhos produzidos foram publicados internacionalmente nos melhores periódicos da área de micologia básica”, reforça o professor.

REFERÊNCIA MUNDIAL – O reconhecimento fora do Brasil começou em 1994 com a apresentação dos primeiros trabalhos no Congresso Internacional de Micologia, em Vancouver, no Canadá. A apresentação no evento inspirou a edição de um livro sobre biodiversidade de microfungos tropicais, editado pelo professor Kevin Hyde da Universidade de Hong Kong. No livro, figura um longo capítulo sobre fungos do Cerrado. Depois disso, as pesquisas passaram a ser publicadas em periódicos conceituados da área, e a UnB tornou-se referência em fungos neotropicais. 

Além disso, Dianese assumiu importante papel em comitês vinculados à Associação Internacional de Micologia e Sociedade Americana de Fitopatologia por mais de 12 anos. Ele é o primeiro brasileiro a se tornar membro honorário da Sociedade Americana de Micologia e receber o Emil Mrak International Award da Universidade da Califórnia-Davis, no Estados Unidos, em 2013. No mesmo ano, foi eleito Fellow da APS. Ele é o único membro do Brasil do Comitê Internacional de Taxonomia de Fungos, que decide sobre critérios e ações ligadas à nomenclatura dos fungos. “Tudo isso graças à infraestrutura e recursos que foram providos a mim e a meus alunos, direta ou indiretamente, pela UnB, por mais de 40 anos”, diz Dianese. 

A convite do editor-chefe, o micologista David Leslie Hawksworh, do periódico Biodiversity and Conservation, o professor, ao lado de Guarino Colli, do Departamento de Zoologia, são os editores convidados de um fascículo do periódico dedicado ao Cerrado.

PROTAGONISMO DISCENTE  A estratégia de trabalho da equipe de pesquisadores reflete, para o professor Dianese, “o cumprimeto da missão da UnB de formar pós-graduandos vinculados a projetos de interesse do país, dentro de um padrão internacional de qualidade”. 

Além disso, “a produção de teses e dissertações geradoras de trabalhos originais inseridos na ciência em escala internacional, por meio da publicação em periódicos de reconhecido valor, é fator responsável por tornar a UnB uma referência mundial no que se refere a fungos neotropicais presentes no bioma Cerrado”, afirma Dianese. Ele também se orgulha do fato de que toda essa produção foi protagonizada integralmente por membros do corpo docente, servidores e discentes da UnB, cujo sucesso internacional se baseou em trabalho sério e continuado.

APOIO FINANCEIRO  No início, as pesquisas do Departamento de Fitopatologia não tinham financiamento específico, apenas recursos da UnB e bolsas de pós-graduação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Em 1993, foi firmado convênio inédito entre a UnB e a Fundação Banco do Brasil, no valor estimado de 260 mil dólares na época destinado ao estudo dos fungos do Cerrado.

O recurso foi usado para a montagem da infraestrutura da Coleção Micológica e a realização de expedições exploratórias em todos os parques nacionais do Cerrado. Com isso, assegurou-se a coleta de um material que representasse a micobiota – conjunto de espécies de fungos presentes em uma área – desse importante bioma. “O valor da CMHUB é inestimável, além de ser um importantíssimo e único patrimônio biológico abrigado no Departamento de Fitopatologia da UnB”, afirma o professor, que se aposentou em 2010, ao completar 70 anos, mas continua com seus trabalhos de pesquisa e ensino. [1]

[1] Texto de Isabela Oliveira, da Agência Facto.

Como citar esta notícia científica: UnB. Descoberta de nova família de fungos do Cerrado. Texto de Isabela Oliveira. Saense. https://saense.com.br/2019/11/descoberta-de-nova-familia-de-fungos-do-cerrado/. Publicado em 04 de novembro (2019).

Notícias da UnB Home