Embrapa
20/11/2019

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Giovana Maciel
Pesquisadora da Embrapa Cerrados

Primeiro o fogo, em seguida a ação do “pisoteio” ou “pastejo” sobre as formações florestais mais ralas, como a caatinga e o cerrado, e assim instalavam-se progressivamente os “campos”. Já o estabelecimento de pastagens nas áreas cobertas por vegetação nativa iniciou-se praticamente no começo do século passado e se intensificou a partir das décadas de 30 e 40. A derrubada da mata visava o preparo da terra, a médio e longo prazos, para ser utilizada com os cultivos anuais – arroz, milho, algodão etc. – e principalmente para a formação de cafezais nas melhores glebas.

Nessa lógica, os bovinos eram considerados os desbravadores nas fases iniciais de substituição das densas florestas por cultivos de consumo e exportação. Na falta de um comércio organizado de venda de sementes, o plantio do capim nas áreas derrubadas e queimadas se fazia por via vegetativa. Mudas eram plantadas sobre as cinzas, em função da disponibilidade nos viveiros da gramínea a ser cultivada. Nas regiões onde a pecuária parecia ser um empreendimento de futuro economicamente promissor, os pecuaristas iniciantes adotavam o plantio de mudas nos menores compassos. 

Esse sistema de formação de pastagens ou invernadas estava de acordo com as condições econômicas da época, em que a mão de obra disponível e barata favorecia o avanço do empreendimento sobre extensas áreas. Com grande frequência, o plantio das mudas de gramíneas mais espaçadas permitia intercalar o cultivo de cereais de subsistência. No segundo ano, as sementes do capim caídas ao solo asseguravam o estabelecimento de nova invernada.

A grande mudança de qualidade no plantio dos pastos de capins ocorreria com a intensificação de um comércio direto de sementes entre as propriedades agropecuárias. As vastas pastagens plantadas por mudas, numa etapa anterior, asseguravam o fornecimento de sementes para a expansão das áreas da própria empresa e ainda excedentes para a comercialização.

Os capins que predominaram com quase absoluta exclusividade até as décadas de 30 e 40 pertenciam às seguintes espécies: Melinis minutiflora, nome científico do capim gordura; Panicum maximum, conhecido como colonião ou guiné; Hyparrhenia rufa, que é o capim Jaraguá; e a Brachiaria mutica, que é chamada de angola ou fino, dependendo da região.

Feita essa retrospectiva, vale lembrar que o manejo de solo, com relação à correção da acidez, da fertilidade e práticas de conservação do solo inexistiam naquela época. O uso de capins rústicos, aliados às condições climáticas favoráveis e à qualidade do solo de áreas recém-desmatadas criaram para os pecuarista uma falsa ilusão de que a pastagem não necessita dos mesmos cuidados que as lavouras de grãos.

Em virtude dessa forma de “tocar” a fazenda, hoje temos no Brasil 60% ou mais de áreas de pastagens degradadas, em maior ou menor escala. A degradação das pastagens é um processo complexo que envolve causas e consequências que levam à gradativa diminuição da capacidade de suporte da pastagem, culminando com a degradação propriamente dita. Dentre as principais causas, destaco a falta de manejo adequado de solo e do pastejo; a escolha errada do capim. E como as piores consequências, temos a perda de vigor e da capacidade produtiva da pastagem; presença de cupins e plantas invasoras; solo descoberto; erosão. Enfim, trazem enormes prejuízos econômicos e ambientais.

Sim, a pastagem é uma lavoura e a produção esperada são quilogramas de carne ou leite por hectare. Se perguntarmos para qualquer agricultor quantos sacos de soja ou de milho ele produziu, a resposta estará na ponta da língua e, ainda mais, saberá responder o custo de um saco de grão produzido. A pecuária caminha a passos lentos nesta direção. 

As tecnologias para melhorar a qualidade do solo, do rebanho e das pastagens estão disponíveis e vagarosamente vêm sendo adotadas. O objetivo da pesquisa é mudar esse modelo “tradicional” da pecuária brasileira para um sistema produtivo moderno, que leva em consideração a adoção das tecnologias e acima de tudo a relação custo e benefício proporcionado por elas.

A produtividade média da pecuária de corte brasileira, ao longo do ano, varia de 2 a 3 arrobas por hectare (ha)/ano, com uma taxa de lotação de 0,5 a 1,0 UA/ha (UA – unidade animal = 450 quilos de peso vivo). No entanto, devido à sua dimensão continental, no Brasil, temos atualmente o maior rebanho do mundo, com cerca de 223 milhões de cabeças de gado e somos o maior exportador de carne bovina.

As áreas de pastagens não tem aumentado, principalmente devido à redução dos desmatamentos, à regeneração de áreas de reserva legal e ao avanço da agricultura. Isso indica que a área de pastagens não é limitante para o crescimento da produção animal. Em trabalhos da Embrapa Cerrados, avaliando desempenho animal em pastos bem manejados, obtivemos produtividades variando de 16 a 18 arrobas por hectare por ano, com taxas de lotação média de 3 UA/ha. 

Antes, sem adoção de tecnologias no pasto, eram necessários dois hectares ou mais para produzir um boi. Hoje, é possível criar até três bois em um único hectare.

Aproximadamente 90% do nosso rebanho nasce, cresce e é terminado a pasto – essa é a forma mais econômica e prática de produzir e oferecer alimentos para os bovinos. As pastagens, portanto, desempenham papel fundamental na pecuária brasileira, garantindo baixos custos de produção e conferindo, em grande parte, sustentabilidade ao setor. A implantação de um pasto que garanta elevadas produtividades deve considerar as seguintes soluções:

– Correção da acidez e manejo da fertilidade do solo de acordo com as exigências das forrageiras e conforme resultados da análise química do solo.

– Escolha adequada da forrageira de acordo com a meta de produção estabelecida. Por exemplo: capins que suportam altas taxas de lotação, mas que não garantem alto ganho de peso podem ser usados para vacas. Ou seja, conforme a meta e ser atingida e categoria animal escolhida, tem-se o capim adequado. 

– Aquisição de sementes de alta qualidade e certificadas e cuidados no estabelecimento como a incorporação da semente na profundidade correta conforme as recomendações e pastejo leve de formação entre 70 e 90 dias após plantio.

A Embrapa lançou recentemente várias opções que atendem diferentes situações. O capim BRS Zuri (Panicum maximum), com tolerância ao fungo Bipolaris maydis, proporciona alto desempenho animal e altas taxas de lotação no período chuvoso, em pastejo rotacionado. 

Para regiões com problemas de cigarrinha das pastagens, a indicação é pela braquiária híbrida BRS Ipyporã que apresenta alta resistência a essa praga, além de garantir ganho elevado de peso por animal e por área (0,675 kg/animal/dia, e ganho de peso vivo por área igual a 1.150 kg/ha/ano) em lotação contínua. 

Pensando em diferimento de pastagens, a opção pode ser a BRS Paiaguás (Brachiaria brizantha), rústica, com boa tolerância ao déficit hídrico, e que permanece mais verde e com melhor valor nutritivo na seca em relação às outras brizanthas.

Pensar na pastagem como lavoura fará o produtor entender que seu uso deverá ser potencializado no período chuvoso e que, com o uso de estratégias já bem conhecidas (conservação de forragem, vedação de pastos e suplementação apropriada), o período seco não será mais um problema, desde que haja um planejamento prévio. A dica é começar a mudança com pequenos ajustes, no ritmo adequado à capacidade operacional do produtor, e contar com um bom assessoramento técnico para que sua lavoura produza mais e mais quilos de carne ou de leite por hectare.

[1] Image by HOerwin56 from Pixabay

Como citar esta notícia de inovação: Embrapa. Sim! Seu pasto é uma lavoura! Texto de Giovana Maciel. Saense. https://saense.com.br/2019/11/sim-seu-pasto-e-uma-lavoura/. Publicado em 20 de novembro (2019).

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