UFRGS
23/12/2019
Grupo estuda novo tratamento para a Mucopolissacaridose tipo I, enfermidade que provoca o acúmulo de açúcares complexos e atinge uma em cada cem mil pessoas
Um grupo de professores da Faculdade de Farmácia da UFRGS está pesquisando uma nova possibilidade de terapia para a Mucopolissacaridose tipo I em parceria com o Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), que possui um centro especializado no diagnóstico dessa doença. Após estudar a condição por mais de 20 anos, os pesquisadores propõem um procedimento baseado na terapia gênica, que consiste em transportar um DNA para dentro da célula com o intuito de modificar alguma função defeituosa do DNA celular original. O resultado do estudo foi publicado na revista científica internacional Journal of controlled release.
A Mucopolissacaridose tipo I (MPS1) é uma doença genética causada por problemas na produção da enzima alpha-L-iduronidase, responsável pela degradação dos açúcares complexos presentes em nossos ossos e articulações, os glicosaminoglicanos (GAG). Ela se apresenta em três formas – atenuada, média e grave –, e em todas o resultado é a expansão das células, dos tecidos e, consequentemente, dos órgãos. Outros sintomas também observados nos pacientes são a rigidez das juntas dos ossos, problemas cognitivos, respiratórios, motores e de fala, cegueira, mãos em forma de garra e corpo arqueado. Os portadores da doença podem apresentar complicações cardíacas devido ao aumento do tamanho da artéria aorta.
Atualmente, existem dois tratamentos disponíveis para a enfermidade: a terapia de reposição enzimática e o transplante de células-tronco hematopoiéticas. No primeiro, o paciente recebe semanalmente por infusão intravenosa um suplemento da enzima; no entanto, estudos comprovaram sua ineficácia em alcançar alguns tecidos. Já no segundo tratamento, é feito um transplante de medula óssea para que as células transplantadas induzam as danificadas a produzir a enzima. Essa terapia, porém, funciona para a preservação das funções neurológicas somente quando realizada em pacientes com até dois anos de idade.
A proposta dos professores para tratar a Mucopolissacaridose tipo I é utilizar o Sistema CRISPR-Cas9, uma ferramenta de terapia gênica que funciona como uma tesoura, cortando o genoma no local indicado. “Antes, a gente pegava, mandava o DNA e esperava para ver o que acontecia. Agora, existe um sistema chamado CRISPR-Cas9 que corta o DNA exatamente onde eu quero e assim eu consigo consertar aquele problema”, explica a professora da Faculdade de Farmácia da UFRGS Roselena Schuh, uma das integrantes do grupo de pesquisa. Essa técnica de edição genética facilita o envio de uma sequência correta de informações genômicas para restaurar a produção da alpha-L-iduronidase. Mesmo que somente algumas poucas células comecem a produzir a enzima, ela seria capaz de se espalhar por outras células, induzindo à degradação dos açúcares encontrados ali.
Uma etapa fundamental da pesquisa foi a criação dos lipossomos, formulações que facilitariam a entrada desse novo DNA na célula devido à semelhança entre eles. É necessário passar os lipossomos pelo microfluidizador – equipamento que produz uma alta pressão capaz de diminuir o tamanho da formulação – até eles ficarem nanométricos, na escala de dezenas de milhares de vezes menor do que um fio de cabelo. Camundongos com a doença e células retiradas de pacientes com MPS1 durante biópsia foram utilizados para verificar o potencial e os efeitos da terapia. A pesquisadora ressalta que, nos testes experimentais com animais, foi possível observar a diminuição do tamanho da aorta, a normalização dos movimentos de sístole e diástole realizados pelo coração, a redução da quantidade de GAG nos tecidos, exceto no cérebro, além de melhoras na função respiratória, nos ossos e até mesmo na aparência dos camundongos.
A nova terapia gênica prevê menos administrações que a reposição enzimática e, ao contrário do transplante de medula óssea, é destinada a pacientes de qualquer faixa etária. O próximo passo do grupo de pesquisa é a busca por outras “vias de chegar ao cérebro, que é o mais difícil pelo fato de o órgão ter uma barreira natural que, assim como impede que cheguem toxinas, inibe a entrada dos tratamentos”, comenta Roselena. Os professores também pretendem procurar outras formas de administração do tratamento de modo a conseguir ultrapassar as barreiras naturais de outras partes do corpo, como os olhos e as articulações.
Ainda serão realizados testes pré-clínicos em camundongos antes que os ensaios clínicos em seres humanos possam ser iniciados. Recentemente, porém, o procedimento foi patenteado e comprado por uma ONG, que pretende levar o experimento para ensaio clínico dentro de três anos. Serão feitos testes em pacientes para verificar os resultados da terapia, e só então ela poderá ser disponibilizada para uso pelos profissionais da saúde.
Artigo científico
SCHUH, Roselena S. et al. In vivo genome editing of mucopolysaccharidosis I mice using the CRISPR/Cas9 system. Journal of controlled release, v. 288, p. 23-33, Oct. 2018. [1]
[1] Texto de Thauane Silva.
Como citar esta notícia científica: UFRGS. Técnica de edição de DNA pode reverter efeitos de doença rara. Texto de Thauane Silva. Saense. https://saense.com.br/2019/12/tecnica-de-edicao-de-dna-pode-reverter-efeitos-de-doenca-rara/. Publicado em 23 de dezembro (2019).