UnB
27/12/2019

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Aldo Paviani

Para sobreviver, mais pessoas estão no mercado informal, fazendo bicos, vendendo objetos nos semáforos ou, simplesmente, aumentando o número de pedintes e moradores em situação de rua.


Em tese, as sociedades humanas se organizam para que haja equidade social e bem-estar coletivo. Na prática, essa teoria de justiça social vai depender do grau de solidariedade que algumas coletividades assumem, com maior ou menor empenho e teor humanitário. Seria desejável que em todos os recantos do planeta a atuação dos governantes tivesse como meta a melhor distribuição de recursos para a mobilidade plena dos cidadãos em todos os setores da vida cotidiana. Assim procedem as economias mais evoluídas porque o produtor será também o consumidor do que foi produzido coletivamente. Essa atitude aquece a economia e pode reduzir o desemprego.


A realidade, em muitos casos, inclusive no nosso contexto, é bem diversa: o produtor de um bem acaba por não ter acesso a ele quando colocado no mercado. Ele é considerado produtor não consumidor. Isso afeta a economia do país. É perceptível que os trabalhadores, ao construir habitações, podem não ter recursos para adquirir o imóvel que eles construíram. Por esse inacesso, os que não possuem recursos acabam por morar em assentamentos não legalizados ou em habitações não condizentes com a dignidade humana. Isso ocorre com comunidades inteiras, sob a forma de habitações provisórias ou favelas como as existentes nas grandes cidades brasileiras de sul a norte.


A mídia tem mostrado que há aumento do número de pessoas que vivem com muito menos do que um salário mínimo (SM). Aliás, de um ano para outro, o SM foi reajustado sem cobrir a inflação real do período. Deste ano para 2020, o SM foi estabelecido em R$ 1.040, que serve de parâmetro para outros reajustes. Por isso, a “atualização” foi de apenas R$ 42, valor que em pouco tempo será absorvido pela inflação.


A Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) no DF traz informações de agosto (a última pesquisa de 2019). Os números captados são os seguintes: leve aumento do contingente de desempregados, 313 mil no DF ou 18,3% da PEA (população economicamente ativa). Em julho de 2019, eram 308 mil desempregados ou 18,1% da PEA. De um mês para outro, 5 mil pessoas perderam o emprego e estão fora do mercado de trabalho (temporária ou sazonalmente).

Significa isso que, para sobreviver, mais pessoas estarão no mercado informal, fazendo bicos ou tarefas esporádicas, vendendo objetos nos semáforos ou, simplesmente, aumentando o número de pedintes e moradores em situação de rua. Muitos, ainda, aguardam que as oportunidades de trabalho voltem a ser criadas, mesmo que seja sem carteira assinada. Em agosto, o setor privado aumentou o assalariamento sem carteira (7 mil pessoas ou 6,5% da PEA). Igualmente, no mês, houve crescimento do número de autônomos (8 mil), o que faz pensar em trabalho precário, que nem sempre colabora com o sustento da família.

Paradoxalmente, mesmo com o aumento do desemprego e do trabalho precário, houve aumento dos rendimentos segundo as categorias selecionadas pela PED. Em julho de 2018, o setor privado apresentou remuneração da ordem de R$ 3.811, e, em julho de 2019, o salário teve acréscimo de 2,6 % no período, em média, R$ 3.910. Em julho de 2018, o setor público tinha como remuneração média, R$ 8.330. Em julho de 2019, teve acréscimo de 3%, chegando R$ 8.580, ou mais do que o dobro da remuneração média do setor privado. Isso explica a grande procura pelo emprego público em concursos ou em indicações “de confiança” por parte de políticos e administradores públicos.


Nos resultados da PEA de agosto, a questão da raça/cor e de gênero apresenta dados para reflexão. Os não negros possuem 14% de taxa de desemprego abaixo da média (18,3%), enquanto os negros possuem taxa acima da média, ou 20,2%. Por seu lado, o desemprego é menor entre os homens (15,7%), enquanto as mulheres chegam à taxa de 20,9% no mês de agosto, portanto, superior à média e à média dos homens.

A PEA é rica em dados, que servem para orientar o setor público e as empresas no sentido de administrar os recursos humanos, na admissão e demissão de pessoal e respectiva remuneração. Se há excesso de demissões, haverá menor número de compradores no comércio e pode gerar o que já se nota — lojas e empresas fechando as portas.

Há ainda rebatimento em outros setores: redução do consumo, instabilidade na ascensão social, precariedade na segurança pública, aumento dos moradores em situação de rua. Finalmente, são visíveis os desafios a enfrentar na redução da taxa de desemprego geral e aumento da taxa de ocupação das mulheres e dos negros, objetivando a democratização das oportunidades e redução das desigualdades socioespaciais em nosso contexto. [2]

[1] Imagem de 1820796 por Pixabay.

[2] Aldo Paviani é professor emérito da Universidade de Brasília e pesquisador associado do Departamento de Geografia e do Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais (NEUR/CEAM/UnB). Graduado em Geografia e História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e livre docente/doutor pela Universidade Federal de Minas Gerais. Tem experiência em Geografia Urbana, atuando principalmente nos temas: urbanizaçaão em Brasília, gestão do território, planejamento urbano, exclusão socioespacial e emprego/desemprego em áreas metropolitanas.

Como citar este artigo: UnB. Trabalho, renda e desigualdades sociais. Texto de Aldo Paviani. Saense. https://saense.com.br/2019/12/trabalho-renda-e-desigualdades-sociais/. Publicado em 27 de dezembro (2019).

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