UFMG
29/01/2020
A importância do conceito de autonomia universitária fica mais clara quando se faz uma viagem ao passado, mais precisamente à Idade Média, quando surgiram as primeiras universidades. Paris, na França, e Bolonha, na Itália, adotavam modelos bem diferentes entre si, mas havia um princípio em comum: o conhecimento fundava-se na livre circulação de ideias, um contraponto fundamental ao poder que na época estava concentrado nas mãos do Estado e da Igreja.
Segundo o professor do programa de pós-graduação em Ciência da Religião da PUC São Paulo (PUC-SP) João Décio Passos, a universidade nasce como uma corporação de mestres e discípulos com o objetivo de ser uma organização autônoma que se dedica a investigações, à divulgação dos saberes e ao ensino. “Evidentemente, era uma construção política tensa em que havia diversos interesses envolvidos: das autoridades eclesiásticas locais, de reis e príncipes, além das tendências políticas e teóricas das próprias universidades”.
Era preciso, pois, encontrar mecanismos para que o conhecimento pudesse ser produzido com independência em relação a esses dois poderes. “Quando a universidade nasceu, dentro da Igreja Católica na Europa, ela já lutava pela autonomia. Ora buscava a aliança com o rei para se livrar do bispo, ora tinha de se aliar ao bispo para se livrar do papa, ou ainda se aliar aos dois para se livrar do controle do rei”, conta o professor da UFRJ Luiz Antônio Cunha.
O cenário nesse início das universidades era bastante complexo. Para manter o monopólio sobre o saber, autoridades eclesiásticas tentavam controlar de todas as formas o tipo de conteúdo que poderia ser trabalhado nas universidades. As obras do filósofo grego Aristóteles, por exemplo, eram vistas com desconfiança já que se chocavam com aspectos da tradição cristã católica. Mas as tentativas de proibir a circulação desses textos foram infrutíferas, e o pensamento aristotélico foi-se espalhando pouco a pouco nas universidades.
Massacre em Paris
Nessa luta pelo controle, professores e alunos eram, não raro, perseguidos. Um dos casos mais emblemáticos ocorreu em 1229 quando o rei ordenou um massacre de estudantes e o fechamento da Universidade de Paris. Foi só com o passar dos anos – à medida que conseguiram se legitimar como instituições de relevância para a sociedade – que as universidades conquistaram mais garantias para atuar de forma independente. “O conhecimento nessa época era uma patrimônio da Igreja, só os clérigos tinham acesso a ele. Com a criação das universidades, esse conhecimento vai, aos poucos, se tornando universal”, afirma a professora da USP Nina Ranieri.
Paradoxalmente, é a própria Igreja que contribuirá para a construção dessa autonomia do ponto de vista formal, mais especificamente na figura do Papa. Foi a Igreja que, por fim, garantiu que as universidades tivessem independência para escolher dirigentes, conceder ou não títulos e elaborar seu próprio estatuto. Um dos documentos fundadores dessa autonomia é a Bula de Gregório IX, editada em 1231. Embora ainda estabelecesse uma série de restrições à atuação dessas instituições – como a já citada limitação aos textos de Aristóteles –, o documento reconhece a autonomia das universidades para construir suas próprias regras pedagógicas.
Para João Décio Passos, essa herança histórica das primeiras universidades não pode ser esquecida. “Não se trata de repetir modelos medievais, mas de aprender com as nossas próprias origens. Aprender que a autonomia é fundamental para a produção e divulgação do saber, mas também aprender que autonomia é luta. Será sempre tensa, haverá sempre interesses envolvidos, haverá sempre medo da autonomia”, sentencia João Décio. [1]
[1] Texto de Paula Alkmin.
Como citar esta notícia: UFMG. A ideia de autonomia universitária remonta à Idade Média. Texto de Paula Alkmin. Saense. https://saense.com.br/2020/01/a-ideia-de-autonomia-universitaria-remonta-a-idade-media/. Publicado em 29 de janeiro (2020).