Jornal da USP
28/01/2020
Como salvar da falência uma empresa que criava suínos e produzia ovos, com faturamento de R$ 6 milhões por ano, mas estava cheia de dívidas e sem crédito no mercado? O desafio foi aceito pelo pesquisador Rubens Corrêa Júnior, que analisou a situação financeira e de gestão da empresa e apresentou um projeto de reestruturação. Baseado em uma planilha de controle do fluxo de caixa, o plano incluiu a renegociação das dívidas e a venda da operação com suínos, para gerar recursos e aproveitar o potencial de ganhos com a produção de ovos. Em seis meses, a administração foi descentralizada, as vendas cresceram, o número de aves aumentou, o crédito voltou e a empresa passou a ter dinheiro em caixa. A proposta do pesquisador e os resultados do projeto são descritos em uma dissertação de mestrado apresentada na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, no campus de Pirassununga.
O estudo foi realizado junto a um produtor rural de médio porte que produzia ovos de galinha (vendidos para supermercados) e suínos, no interior de São Paulo. “Desde 2015 a empresa enfrentava fortes dificuldades financeiras e não possuía capital de giro por falta de gestão e controle de fluxo de caixa”, relata Corrêa Junior. “O projeto de pesquisa começou em 2016, num momento que a empresa estava à margem da falência e com restrição de crédito por razão do endividamento, mesmo com faturamento em torno de R$ 6 milhões por ano. Faltava até ração para alimentar os animais.”
As duas unidades de negócios da empresa (produção de ovos e de suínos) foram analisadas financeiramente e os resultados mostraram que as duas operações eram deficitárias. “O estudo usou a ferramenta de análise SWOT, que é uma metodologia capaz de identificar as forças e fraquezas na gestão interna e as oportunidades e ameaças no ambiente externo”, descreve o pesquisador. “Foi proposto aos diretores da empresa encerrar a operação com suínos, pois se verificou que a operação de produção de ovos possuía mais força e oportunidades para se reestruturar em pouco tempo.”
Reestruturação e estabilização
O processo de reestruturação teve início com a implantação de uma ferramenta baseada no modelo FAS95 da Financial Accounting Standards Board, um modelo internacional de demonstrativo de fluxo de caixa, utilizado normalmente por grandes empresas. “Com ela, o gestor pode avaliar o negócio por meio de três indicadores financeiros: atividades operacionais, investimentos e financiamentos”, afirma Corrêa Júnior. “A ferramenta foi adaptada para utilização em uma planilha de computador, onde o usuário precisa apenas inserir os dados das contas a pagar e a receber. A partir das informações inseridas, os indicadores de fluxo de caixa são calculados automaticamente.”
O pesquisador observa que a ferramenta consegue apontar se a empresa ficará deficitária a partir da próxima semana, mês e ano, além de ajudar o usuário a verificar se a atividade principal do negócio está viável financeiramente. “A operação de suínos foi encerrada e a receita obtida com a venda dos animais usados como matrizes foi aplicada como capital de giro na produção de ovos”, conta. “Um planejamento de reestruturação das dívidas foi feito e negociado com os credores, que acreditaram no projeto e voltaram a conceder crédito ao produtor.”
Com as finanças controladas diariamente por meio da ferramenta e as negociações de compras alinhadas com o planejamento, em três meses a operação começou a dar sinal de estabilização. “As aves que não estavam produzindo devido à falta de ração passaram a produzir com melhor qualidade e eficiência”, destaca Corrêa Junior. “Após seis meses, foi possível dedicar-se à reestruturação financeira e dos departamentos comerciais e de produção.”
Graças às mudanças, a empresa conseguiu reverter os resultados financeiros e aumentou sua disponibilidade de dinheiro em caixa em 951%. “Os indicadores financeiros demonstraram a viabilidade do negócio e a estrutura organizacional da empresa, que até então era centralizada no proprietário-gestor, passou a ser descentralizada”, observa o pesquisador. “Novas redes de supermercados foram conquistadas com a reestruturação comercial e o número de aves existentes na empresa passou de 60 mil para 90 mil.”
Envolvimento e disciplina
Dois anos depois do início do projeto, a pesquisa verificou que a empresa agiu de forma totalmente diferente do plano proposto para os cinco anos seguintes. “Dessa forma, as dificuldades financeiras voltaram, mas como foi determinado um saldo de caixa mínimo para o período, este amorteceu os prejuízos”, aponta Corrêa Junior. “A pesquisa concluiu que o envolvimento do proprietário-gestor em relação à disciplina na gestão e controle de fluxo de caixa é essencial para não ‘quebrar’ o negócio.”
Segundo o pesquisador, a ferramenta de fluxo de caixa proposta no trabalho pode ser replicada para qualquer tipo de empresa, orientando o gestor a tomar as decisões. “Em um processo de reestruturação, cada negócio apresenta variáveis diferentes e não há um procedimento padrão para obter resultados, como em uma receita de bolo”, destaca o pesquisador. “O produto produzido pode ser o mesmo, mas o comportamento do proprietário-gestor não é. Isso possui uma influência fundamental durante o processo.”
A pesquisa foi orientada pelo professor Augusto Hauber Gameiro, da FMVZ. O trabalho foi realizado durante o mestrado profissional do Programa de Pós-Graduação em Gestão e Inovação na Indústria Animal (GIIA) da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da USP, em Pirassununga.
Mais informações: e-mail junior@caury.com.br, com Rubens Corrêa Junior. [1]
[1] Texto de Júlio Bernardes.
Como citar esta notícia: Jornal da USP. Planilha para controlar fluxo de caixa ajuda a salvar produtor rural da falência. Texto de Júlio Bernardes. Saense. https://saense.com.br/2020/01/planilha-para-controlar-fluxo-de-caixa-ajuda-a-salvar-produtor-rural-da-falencia/. Publicado em 28 de janeiro (2020).