Jornal UFG
20/02/2020

Imagem de Mostafa Elturkey por Pixabay

Tatiana Duque Martins*

Conflitos de interesses geralmente ocorrem quando há interesses monetários envolvidos nas relações entre cientistas, agências de fomento, universidades e empresas. Muitas vezes, o que está em jogo não é dinheiro, mas posições sociais, destaque pessoal ou a possibilidade de um emprego. Qualquer aspecto que seja importante ao indivíduo pode levá-lo a sucumbir às tentações. Não há dúvidas de que todos estamos sujeitos a isso.

O que dizer, por exemplo, sobre as tentações a que está sujeito um renomado cientista com atuação nas principais universidades do mundo como Harvard University, Stanford University ou California Institute of Technology? Imagine uma pessoa cuja carreira já havia decolado, tendo sido agraciado com prêmios diversos por suas realizações na profissão, inclusive sendo considerado o principal químico do mundo na década de 2000 a 2010 pela Thomson Reuters. O que falta a essa pessoa? Segurança no emprego? Colegas? Colaboradores? Financiamento para suas pesquisas? Alunos para orientar? O que falta? Sempre falta… e faltou.

Foi o que vimos em 28 de janeiro último, quando a comunidade científica ficou abalada com a notícia da prisão do renomado diretor do Departamento de Química e Biologia Química da Harvard University, professor Charles Lieber. De acordo com as investigações, o professor fez “declarações falsas, fictícias e fraudulentas” (tradução livre) ao Departamento de Defesa dos EUA sobre seus laços com um programa do governo chinês para recrutar cientistas e pesquisadores estrangeiros, o “The Thousand Talents Plan” (saiba mais: http://www.1000plan.org.cn/en/plan.html).

Com fiança estabelecida em U$1milhão, as acusações contra ele envolvem o recebimento de pagamentos para estabelecer um laboratório de pesquisas na Wuhan University of Technology (WUT), na China, durante o período entre 2012 e 2017, sem o conhecimento de Harvard. Durante esse período, ele recebeu mais de U$15 milhões de agências americanas como o departamento de defesa e o National Institutes of Health (NIH), sem informar que era financiado pelo programa chinês. Ele alega inocência, mas há testemunhos juramentados que contam o contrário. Se for verdade, quais as razões que o levaram a isso?

Certamente, nem o professor Lieber sabe a resposta. Mas nos deixa um aprendizado: o de que a busca por fama, sucesso profissional, ganhos financeiros, em algum momento exigem de nós que nos coloquemos em prova: o caráter frente às vantagens.

Quanto vale a integridade do cientista?

Infelizmente, todos nós concordamos que todos temos um preço. O cientista não deve se esquecer, em momento algum, que seu trabalho não deve ser para a sua autopromoção. Seu trabalho é para um bem maior: o futuro da ciência e da sociedade. Tenha em mente que a sua contribuição estará à disposição eternamente e deve prezar pela lisura para efetivamente melhorar a vida das pessoas. Defenda-a!

Para mais:

https://www.npr.org/2020/01/28/800442646/acclaimed-harvard-scientist-is-arrested-accused-of-lying-about-ties-to-china

https://www.nature.com/articles/d41586-020-00291-2

*Tatiana Duque Martins é professora associada do Instituto de Química da UFG e Coordenadora do Comitê de Integridade Acadêmica – CIA/UFG

Como citar este artigo: Jornal UFG. Integridade acadêmica.  Texto de Tatiana Duque Martins. Saense. https://saense.com.br/2020/02/integridade-academica/. Publicado em 20 de fevereiro (2020).

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