UnB
30/03/2020

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Marcelo Bizerril

A China sofreu as consequências de ser o primeiro país a lidar com o Covid-19. No entanto, logo que entendeu o que se passava, o governo chinês isolou a região do surto e decretou a quarentena. A decisão tem se mostrado acertada, e a epidemia começa a dar sinais de ter sido controlada em um país que teve 81 mil casos em uma população de cerca de 1,4 bilhão de pessoas.

Coreia do Sul e Japão iniciaram a quarentena logo nos primeiros casos e a isso se atribui os bons resultados na contenção da epidemia, reduzindo o número de casos confirmados e, principalmente, o de mortos.

Itália e Espanha demoraram muito para decretar a quarentena e a isso se atribui o drama atualmente vivido, que inclui o colapso do sistema de saúde e o número crescente e desesperador de mortos. Estados Unidos e França também tardaram a tomar essa medida e amargam a imprevisibilidade do crescente aumento de casos. Apenas muito recentemente o Reino Unido tomou essa medida, mas teme-se que seja demasiado tarde.

Portugal e algumas regiões do Brasil, como o Distrito Federal, anteciparam-se em iniciar o isolamento social logo nos primeiros casos, e, aparentemente, a curva epidêmica está mais controlada do que nas demais regiões citadas.

Além do acompanhamento em tempo real da expansão da pandemia pelo mundo e de suas consequências, desde janeiro assistimos à inúmeras entrevistas de cientistas e profissionais da saúde, que não se cansam de reafirmar o ineditismo da situação, a gravidade da doença, os seus impactos sobre os sistemas de saúde, o consequente caos advindo dessa situação, e os comportamentos e atitudes responsáveis que governantes e cidadãos devem tomar para reduzir os estragos. Definitivamente não se pode reclamar de falta de informação. Tem sido uma grande oportunidade de aprendizado sobre epidemiologia, viroses, sistemas de saúde, funcionamento hospitalar, importância do SUS, consequências da desigualdade social e tanto mais.

Curiosamente, em meio a tudo isso, tem gente que acha que não é bem assim. Na mesma linha de raciocínio de Donald Trump, empresários como Roberto Justus e o ‘Dono do Madero’, além do próprio presidente da república, e muito mais gente conhecida sua e minha, manifestaram em redes sociais suas “impressões” sobre a epidemia. Em geral, acham que a solução poderia ser “menos traumática”, e que as coisas não são “bem assim como a imprensa diz”, sempre embasados no bordão de que “muito pior que o vírus serão os estragos na economia”.

Com base em quê afirmam isso, mesmo diante de tantas evidências diariamente apresentadas e a experiência dos demais países? Uma das razões é que, com o advento das redes sociais, tornou-se praxe que todos devam externar publicamente suas impressões a respeito de tudo, mesmo que com base em nada. Jair Bolsonaro é detentor dos maiores exemplos recentes de generalizações absolutamente enviesadas, sem qualquer respaldo em evidências, como na estapafúrdia afirmação “o grupo de risco é o das pessoas acima de 60 anos, então por que fechar escolas?”. Seria apenas mais uma fala rasa e inconsequente entre inúmeras que ouvimos e lemos diariamente, mas sendo proferida em rede nacional pelo presidente da república de um país de mais de 200 milhões de pessoas, ultrapassa qualquer limite possível para a irresponsabilidade.

Seria ótimo viver numa sociedade em que se discutisse abertamente todos os temas, sobretudo os políticos e sociais, e todos pudessem e devessem opinar, mas isso precisa ocorrer de modo crítico. Ao contrário do que o senso comum possa indicar como significado de pensamento crítico, limitando-o a uma rasa ideia de fazer uma crítica a algo, essa forma de reflexão e argumentação demanda a busca pela verdade, e isso se faz a partir de informações consistentes, observação atenta e capacidade de análise complexa da realidade e de cenários possíveis. Acontece que esses são os elementos básicos que compõem o pensamento científico, esse mesmo que tanto vem sendo menosprezado por parte da sociedade, tanto no Brasil, quanto globalmente. E por quê? Possivelmente estamos diante de uma parte da sociedade que rejeita a ciência por não ter condições de sustentar um argumento, seja por incompetência intelectual, seja por não ter interesse na verdade.

Uma sociedade reflexiva somente será forjada com o fortalecimento da educação, da ciência e do jornalismo responsável. Por hora, na contramão dos empresários e do presidente, eu diria que pior do que o vírus poderão ser os estragos da irracionalidade. [2]

[1] Imagem de John Hain por Pixabay.

[2] Marcelo Ximenes Aguiar Bizerril é professor e diretor da Faculdade UnB Planaltina. Possui Graduação em Ciências Biológicas, Mestrado e Doutorado em Ecologia, todos pela Universidade de Brasília. Tem experiência na área de Ecologia, com ênfase em Ecologia e Conservação do Cerrado. Atua principalmente nos seguintes temas: educação ambiental, ensino de ciências e biologia e comunicação comunitária.

Como citar este artigo: UnB. É, mas eu acho que não. Texto de Marcelo Ximenes Aguiar Bizerril. Saense. https://saense.com.br/2020/03/e-mas-eu-acho-que-nao/. Publicado em 30 de março (2020).

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