Luana Mendonça
20/05/2017

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Não, essa não é uma resenha desse filme super-legal (quem não assistiu pode aproveitar e, assim que terminar a leitura, ir ver!), mas uma história igualmente extraordinária. O nome, o Jogo da Imitação (Spoilers comming!) deriva da tática usada por incríveis matemáticos, entre eles Alan Turing (conhecido como o inventor do primeiro computador – imagem acima) de usar uma máquina que simulava milhões de códigos por minuto para decifrar o ‘Enigma’ (máquina de comunicação do exército nazista). Dizem que esses matemáticos encurtaram a guerra em muitos anos. Enfim, por que eu estou falando de filme em um texto sobre zoologia e ecologia? Bem, porque na natureza, um jogo de imitação também proporciona aqueles que o ‘jogam’ vantagem na ‘guerra da sobrevivência’.

Esse jogo de que eu falarei para vocês é chamado mimetismo, que é a habilidade de um organismo imitar outro visando garantir a sua sobrevivência. Esse mimetismo pode ser morfológico (visual) como é o caso da bem conhecida falsa-coral. Essa serpente tem padrão de cor no corpo e nos anéis que a tornam semelhante à coral-verdadeira.

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Outro exemplo são algumas borboletas que possuem manchas que lembram olhos em suas asas, olhos semelhantes a organismos maiores como corujas.

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O mimetismo também pode ser comportamental, quando um animal imita o comportamento de outro para confundir predadores ou para evitar a competição, alguns exemplos estão em aves que imitam cantos de outras aves e algumas moscas que se comportam como vespas ou abelhas.

Geralmente, o mímico (quem imita) é um organismo inofensivo, enquanto o modelo (quem é imitado) é venenoso ou um animal mais assustador que o mímico, que é conhecido como mimetismo batesiano. Quando os dois organismos, o mímico e o modelo são impalatáveis ou venenosos (o que aumenta muito a eficiência do mimetismo) chama-se mimetismo mulleriano. Outra coisa importante nesse jogo é que ambos, mímico e modelo, devem habitar áreas próximas, pois o predador tem que receber a ‘mensagem’ passada, ou seja, o predador tem que ter provado do modelo venenoso e evitar, tanto ele quanto quem se parece com ele. Imagina só fazer uma piada para quem não entende. Não tem graça! Por todos esses fatores, o mimetismo é considerado um dos exemplos mais incríveis de coevolução (evolução de duas espécies que dependem uma da outra de alguma forma).

Existem muitos casos de mimetismo, geralmente envolvendo duas espécies do mesmo grupo, como duas espécies de sapo, cobras, insetos, etc., mas existem poucos registros de mimetismo envolvendo organismos aquáticos. O que eu trago hoje para vocês é um estudo muito interessante publicado em março desse ano que oferece um dos poucos registros de mimetismo entre uma espécie de mosca-de-água (Trichoptera, Helicopsyche) e caramujos (Gastropoda, Valvata) de água doce [4].

Os pesquisadores encontraram em alguns locais da Europa, casulos das moscas (a) muito semelhantes a conchas de caramujos (b), como mostra a figura abaixo. Como a aparência do casulo é muito similar à forma da concha, os pesquisadores imaginaram que alguma forma muito forte de pressão seletiva está agindo sobre essas espécies.

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Os pesquisadores discutem que uma especialização tão grande no mimetismo como nesse caso deve ser fruto da tentativa de evitar a predação, principalmente por organismos que se orientam visualmente (como é o caso das aves) e, como esses predadores não preferem os caramujos eles vão evitar tudo o que se parece com um. Se para os humanos e seus inúmeros tipos de garfos é difícil comer escargot imagina para uma ave!

É realmente impressionante esse caso de mimetismo, não apenas por envolver espécies de grupos zoológicos tão distintos, como por mostrar um exemplo tão claro de coevolução e de seleção por predação. Um prato cheio para ecólogos!!!

[1] Crédito da imagem: Andgasow (Wikimedia Commons) / Creative Commons (CC BY-SA 4.0). URL:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Bomba_turninga2.jpg.

[2] Crédito da imagem: Dick Culbert (Wikimedia Commons) / Creative Commons (CC BY 2.0). URL: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Erythrolamprus_bizonus,_a_False_Coral_Snake.jpg?uselang=pt-br.

[3] Crédito da imagem: Yoav David (Wikimedia Commons) / Creative Commons (CC BY-SA 3.0). URL:
https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Mimicry#/media/File:Butterfly_mimicry.jpg.

[4] B Wiggering & M Glaubrecht. Two potential players in the evolutionary theatre: Do caddistlies mimic gastropods? Acta Zoologica 10.1111/azo.12192 (2017).

Como citar este artigo: Luana Mendonça. O Jogo da Imitação na natureza: a evolução do mimetismo. Saense. URL: http://www.saense.com.br/2017/05/o-jogo-da-imitacao-na-natureza-a-evolucao-do-mimetismo/. Publicado em 20 de maio (2017).

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