UFMG
29/06/2020

Vista do Aglomerado da Serra, na região centro-sul de Belo Horizonte (Foto: Arquivo pessoal Rogério Rêgo / Coletivo@serraosemcorona)

O Brasil encontra-se na chamada curva ascendente de Covid-19. Ou seja, o número de casos está aumentando muito em várias cidades do país. Entretanto, o melhor antídoto para essa escalada, o isolamento social, pode ser impossível para as pessoas que vivem nas periferias e aglomerados. A pobreza e a desigualdade condenam uma grande parcela da população a não ter meios de combater uma pandemia dessa magnitude. 

Os números corroboram essa realidade: segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE (2018), quase 60% dos mais pobres não têm coleta de esgoto em seus domicílios. O Instituto afirma, ainda, que o preço dos aluguéis sobrecarrega 6% dos moradores do Sudeste, 12% dos brasileiros vivem em lugares inadequados e quase 15% da população abaixo da linha da pobreza habita cômodos com mais de três pessoas. Ou seja, uma cama para cada um ou um banheiro dentro de casa pode ser um luxo para milhões de brasileiros. Água abundante para lavar as mãos ou tomar banho, também. Álcool 70%, um sonho! 

Por tudo isso, ações solidárias são muito importantes neste momento. Os governos não conseguiram socorrer os brasileiros mais vulneráveis da forma necessária e anunciada. A pandemia acirrou o desemprego e escancarou as dificuldades estruturais enfrentadas pelas comunidades mais pobres. Então, se você pode, doe. Também podemos dar preferência aos negócios menores, “comprar do pequeno”, desde que se observem os cuidados básicos de higiene amplamente recomendados. O frio chegou, e a fome tem pressa! Nem todos podem aproveitar o fato de estar em casa para fazer “aquele” prato especial, simplesmente porque não têm o que comer. Cada cidadão poderia avaliar o que é possível fazer pelo outro ou por uma comunidade.

Em um cenário como esse, a ideia de distanciar as pessoas, de proclamar “fique em casa”, pode parecer conversa de gente mal-intencionada. Não é. Pelo contrário. Ninguém queria ficar em casa dessa forma. Quase ninguém tem dinheiro sobrando ou certeza do que o espera. Entretanto, manter as pessoas distanciadas umas das outras reduz as chances de se encontrar um doente pelas ruas e minimiza drasticamente as perdas de vidas humanas. Quem pode ficar em casa protege quem precisa sair de casa: não só os mais pobres, mas também os profissionais de saúde e de segurança, além de todas as outras pessoas que não podem deixar de trabalhar. 

A economia é feita de pessoas. Morrem as pessoas, e com elas também podem morrer as chances de um negócio, de sustento de uma família, de amparo emocional a todos os membros daquele lar.

Minas Gerais já registra mais de 90% de ocupação dos leitos de UTI. Se a capacidade de atendimento hospitalar alcançar seu limite, não será possível atender aos doentes, pobres ou ricos, como já ocorreu em outros países. Se o volume de mortes se tornar astronômico, o impacto econômico pode ser ainda maior, além do impacto emocional e social nas famílias. Diferentemente do que supõe o senso comum, ficar em casa também reduz as perdas econômicas em longo prazo, como demonstra estudo realizado pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da UFMG, o Cedeplar. A economia é feita de pessoas. Morrem as pessoas, e com elas também podem morrer as chances de um negócio, de sustento de uma família, de amparo emocional a todos os membros daquele lar. Menos pessoas nas ruas, em um momento de maior circulação do vírus e de menor capacidade de atendimento nos hospitais, não é hipocrisia, como questionam alguns. É valorizar a vida! 

A Covid-19 não é inofensiva, como pensam outros. É grande o ceticismo em relação à doença. Indignada, uma moradora do Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte, fez o seguinte relato: “aqui as pessoas circulam sem máscara na rua, os micro-ônibus só andam lotados e sujos, os bares estão sempre cheios, as festas não cessaram, e pessoas que nunca fizeram caminhada agora estão fazendo!” Por quê? “Porque, para a maioria delas, ficar dentro de casa é muito difícil. A rua é o espaço onde elas podem se encontrar com outras pessoas.” O resultado disso, também segundo a moradora, já é visível no surgimento de mais casos, incluindo profissionais do posto de saúde da região.

Máscaras e protetores faciais ajudam na estratégia de dificultar o contágio, desde que usados adequadamente, mas não resolvem o problema. Lavar as mãos ajuda mais. Mas também pode não resolver se a pessoa for surpreendida por um espirro contaminado ou levar a mão sem querer aos olhos ao arrumar a máscara, por exemplo. Por isso tudo, o sentimento de solidariedade e generosidade deve ser reforçado com o pedido que já virou bordão: Cuide-se e se proteja. Se puder, fique em casa! 

Por ora, a parte que cabe a todo brasileiro consiste basicamente em dar mais tempo para que os profissionais do sistema de saúde e da ciência façam a parte deles. No entanto, quando tudo passar, será preciso promover um amplo debate nacional sobre justiça social, saúde pública, proteção dos mais pobres e a existência de regiões sem saneamento, ordem e progresso. Até lá, espero que estejamos todos juntos. [1]

[1] Texto Marcus Vinicius dos Santos / Assessor de Comunicação do ICB, doutor em Ciência.

Como citar esta notícia: UFMG. Quando isolar-se é um ato de solidariedade. Texto de Marcus Vinicius dos Santos. Saense. https://saense.com.br/2020/06/quando-isolar-se-e-um-ato-de-solidariedade/. Publicado em 29 de junho (2020).

Notícias científicas da UFMG     Home