UFRGS
22/06/2020
O ano de 2020 começava, e a rotina seguia normalmente, pelo menos para a maior parte da população brasileira. A diferença estava, ainda, presente apenas nos noticiários: a divulgação de informações sobre uma nova doença que assolava a China e começava a aparecer em alguns outros lugares do mundo, o aviso de que em algum momento o Brasil também seria afetado. Logo, explodiram os números de casos e óbitos espanhóis e italianos. A preocupação e o medo se alastraram pelo mundo, junto aos casos de colapsos em sistemas de saúde e medidas de contenção da pandemia. No Brasil, pouco a pouco, foram surgindo decretos de isolamento, e as vozes que bradavam se tratar de um problema menor acabaram desmentidas ante os fatos, o número de doentes e de mortos.
Diante do cenário, a ciência age rápido e em várias frentes. Enquanto pesquisadores ao redor do globo trabalham incessantemente em busca de vacinas, de tratamento aos contaminados e de formas de impedir o contágio, na área da saúde mental o esforço é para tentar entender e reduzir os danos causados à população pela pandemia e pelo isolamento. Na UFRGS, estudos focados neste tema estão em andamento em parceria com outras instituições e abrangem vários aspectos que podem impactar na saúde emocional das pessoas.
A pesquisa Impacto na saúde mental da pandemia por coronavírus (covid-19) é uma das iniciativas que está em desenvolvimento na UFRGS, com instituições parceiras. O trabalho, coordenado pelo professor Ives Cavalcante Passos, da Faculdade de Medicina da UFRGS, parte da coleta de dados por meio de um formulário on-line e é dividido em três etapas, o que permite a obtenção de dados em diferentes momentos. A primeira fase da pesquisa, encerrada em 6 de junho, dava aos respondentes a oportunidade de cadastrar endereço eletrônico para participar também das etapas seguintes. Interessados em continuar participando do estudo recebem novo questionário 30 dias depois de terem respondido o primeiro. Na terceira etapa, será enviado outro formulário depois de transcorridos seis meses.
Vários fatores que podem influenciar no equilíbrio emocional da população são abordados, e a pesquisa também contempla as diferenças possíveis entre os indivíduos: as primeiras perguntas do questionário on-line tentam estabelecer alguns pontos determinantes sobre quem responde, considerando idade, condição socioeconômica e até mesmo local de moradia. Isso porque, segundo o professor Ives, é normal que existam diferenças conforme a condição social, vulnerabilidade e até localização dos respondentes: “a intenção é medir o impacto da pandemia, do isolamento e da quarentena em sintomas depressivos/ansiosos, e, para isso, consideramos até o que chamamos de geolocalização, ou seja, temos que considerar que há muitos fatores diferentes conforme o lugar em que habita a pessoa que responde a pesquisa, como acesso a serviços de saúde, condições socioeconômicas da região e também medidas tomadas pelos governantes locais”. Outras distinções importantes são entre pessoas que estão em isolamento e aquelas que têm menos alterações na rotina, ou ainda aqueles profissionais de saúde que atuam na linha de frente no combate ao vírus. “Há estudos chineses que apontam uma queda muito maior na qualidade da saúde mental destes profissionais, ligada às condições e à carga de trabalho, ao medo de se contagiar, ao convívio com doentes, etc. Por isso temos etapas para identificar estas pessoas entre os respondentes”, explica o professor.
Redes sociais
Embora a falta de informação e as notícias falsas sejam inimigas no enfrentamento da pandemia, o excesso de informação também pode ter efeito no equilíbrio mental de um indivíduo. Essas questões também são abordadas na pesquisa. “Queremos aferir o impacto do consumo de mídia em sintomas ansiosos e depressivos, pois, numa situação dessas, o medo de pegar ou transmitir o vírus é muito intenso; além disso, a crise econômica consequente da pandemia também pode levar as pessoas a ficarem mais deprimidas”, afirma Ives.
A investigação também é parte da formação acadêmica de Thyago Antonelli, mestrando em Psiquiatria, orientado pelo professor Ives. Thyago participa do trabalho na pesquisa e também na divulgação dos dados nas redes sociais, um ambiente que traz novidades para os cientistas. Nesses meios, há maior exposição a notícias falsas e também maior velocidade e volume de informação, que pode contribuir para o aumento da ansiedade. Ao mesmo tempo, as redes sociais também servem como uma ferramenta para amenizar as sensações de solidão e isolamento. “Claro que a quarentena e o isolamento são medidas necessárias, mas têm suas contrapartidas. Então, nesse momento em que as pessoas não podem se reunir, uma dica importante é tentar manter as relações sociais, seja por videochamada ou outros meios virtuais. Uma rede ampla de boas relações sociais pode ajudar a proteger contra sintomas depressivos e ansiosos. Todos precisam de suporte”, avalia o mestrando.
Do ponto de vista do pesquisador, as redes sociais também podem ser poderosas aliadas na promoção de um contato maior com o público e funcionar como um canal de divulgação da ciência. “Acho muito importante que a pesquisa chegue à população. Infelizmente não há muita educação sobre a importância das pesquisas, e há muito pouco contato com a ciência, com os estudos científicos”, afirma Thyago. Ele acrescenta que conversou com profissionais de marketing do Facebook para fazer a divulgação da pesquisa e que o assunto foi uma surpresa para o grupo. “Para eles foi choque falar sobre divulgação de pesquisa. Aqui no Brasil não é comum, as mídias são voltadas para a parte comercial. Eu quero passar para as pessoas que a pesquisa está sendo feita por universidades respeitadas e trata sobre um tema que impacta a vida delas”, destaca. A pesquisa tem perfil no Instagram e no Facebook.
Nas redes sociais, além do convite para participação no estudo e da divulgação dos dados coletados, estão também oportunidades para os pesquisadores interagirem com o público. “Assim como pensamos em problemas, também há soluções”, afirma o professor Ives, acrescentando algumas das orientações que os pesquisadores postam nas redes: “Dentro do possível deve-se manter as interações sociais e a rotina. Indicamos ter uma lista de afazeres e incluir lazer, home office, cuidar do jardim, organizar o escritório, e outras coisas, como meditação e exercícios, que são importantes e melhoram a qualidade de vida.”
Fatores de estresse
Os impactos na saúde mental causados pelos efeitos da pandemia também são objeto de estudo da professora Adriane Ribeiro Rosa, do Departamento de Farmacologia. Com um grupo multidisciplinar de pesquisadores da UFRGS e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Adriane coordena a pesquisa Covid-19 Saúde mental: usando a tecnologia digital para avaliação das consequências da pandemia, que também está sendo realizada a distância, com uso de formulário on-line e das redes sociais. O objetivo é avaliar, na comunidade em geral, como as pessoas estão, frente à pandemia, do ponto de vista da saúde emocional. Os questionários são voltados para sintomas relacionados ao estresse, à depressão e à ansiedade, incluindo perguntas sobre qualidade de vida e rotina diária. Os participantes respondem ainda se tiveram sintomas da doença, ou diagnóstico confirmado, sobre o quanto sabem a respeito da covid-19 e o quanto estão otimistas ou pessimistas diante do cenário de pandemia.
Segundo a coordenadora, as pesquisas sobre saúde mental também são importantes neste momento, além daquelas que tentam entender o vírus e propor um tratamento. “Já sabemos de situações anteriores, da própria SARS de anos atrás, que as pandemias geram impacto na saúde mental”, afirma a pesquisadora. Preocupações de vários tipos, sensação de medo, isolamento, perda de entes queridos, dificuldades financeiras são causadores de estresse, e, conforme Adriane, a ideia é entender como as pessoas reagem a estes diferentes estressores. Segundo ela, a presença de estresse continuado, que perdura por vários dias, pode levar ao aumento de sintomas de doenças como ansiedade, depressão e transtorno bipolar.
Os resultados, adianta Adriane, poderão ajudar no planejamento das ações de saúde mental a serem implementadas durante e após a pandemia. “Acreditamos que os dados serão principalmente úteis ao sistema público de saúde, mas também servirão para orientar ações dos sistemas privados”, acrescenta. O questionário pode ser acessado no link b.link/comovaisuasaudemental e deve ficar aberto à participação por cerca de dois meses, enquanto os efeitos da covid-19 estiverem presentes na sociedade. Os pesquisadores também usam as redes sociais (Instagram, Facebook e Twitter )para divulgar o estudo, ampliar o número de respondentes e compartilhar dicas para que as pessoas sintam-se melhor emocionalmente durante a pandemia. [1]
[1] Texto de Patrícia Barreto dos Santos Lima e Emerson Trindade.
Como citar esta notícia científica: UFRGS. Saúde mental da população durante a pandemia preocupa pesquisadores. Texto de Patrícia Barreto dos Santos Lima e Emerson Trindade. Saense. https://saense.com.br/2020/06/saude-mental-da-populacao-durante-a-pandemia-preocupa-pesquisadores/. Publicado em 22 de junho (2020).