Susana S. Lalic, Anderson V. S. Alves e Francesco d’Errico
31/07/2020

Radioterapia intraoperatória utilizada diretamente em sala de cirurgia [1]

A radioterapia é um dos principais tratamentos de câncer, sendo utilizada sozinha ou em combinação com outros tratamentos, como cirurgia ou quimioterapia. Em radioterapia, várias técnicas são aplicadas com o intuito de destruir células cancerosas. A radioterapia com feixe externo utiliza aceleradores lineares (LINAC) convencionais que geram feixes de raios X de alta energia para conseguir um alto alcance de tratamento no paciente [2,3]. Equipamentos desse tipo fazem uma série de exigências no local de sua instalação e têm um custo relativamente alto. Normalmente os pacientes devem fazer um tratamento prolongado, com doses fracionadas em diversos dias, pois as células cancerosas são mais sensíveis a radiação do que as células normais. Com o fracionamento, as células normais se recuperam mais rápido, enquanto as células tumorais, que se duplicam mais rapidamente, sofrem mais os efeitos da radiação e acabam morrendo. Mesmo assim, as áreas sem lesões irradiadas podem sofrer um efeito tardio e desenvolver tumores secundários. Por isso, um dos maiores desafios em radioterapia é direcionar o feixe apenas para a região tumoral, dando dose suficiente para destruição do tumor, preservando os tecidos saudáveis circunvizinhos.

A radioterapia intraoperatória (IORT) é uma técnica que usa raios X de baixa energia ou elétrons para aplicação de uma dose única bem localizada, precisamente no tumor ou diretamente após a sua ressecção no leito tumoral. Além da vantagem do acesso direto ao local de irradiação, a IORT também permite uma melhor preservação de órgãos vizinhos saudáveis, retirando-os do campo de radiação ou interpondo proteção entre eles e a área alvo [4,5]. No passado, transportava-se o paciente da sala de cirurgia para a sala de radioterapia, onde se encontrava o acelerador convencional. Nos últimos anos, algumas empresas desenvolveram aceleradores dedicados, portáteis e que não exigem blindagem nas salas operatórias, tais como LIAC, Mobetron e NOVAC7 [6-11]. Eles são leves e pequenos, mas capazes de produzir elétrons com energias de até 12 MeV com uma taxa de dose muito alta por pulso [12], o que reduz fortemente o tempo de irradiação necessário para atingir a dose prescrita pelo médico. Esses equipamentos apresentam, em alguns casos, grandes vantagens sobre o uso de aceleradores convencionais. Diminuem a sobrecarga de uso dos LINACs tradicionais, têm um custo sensivelmente menor e podem ser implantados em hospitais sem grande infraestrutura para radioterapia, sem a necessidade de salas com blindagens especiais.

Uma outra modalidade de radioterapia, que atualmente tem tomado pra si os holofotes da pesquisa na oncologia, é a Radioterapia FLASH. Em contraste ao tratamento convencional, que é fracionado em sessões da ordem de minutos, nesta técnica toda a dose do tratamento é administrada numa fração de segundo em uma única sessão, por isso leva o nome FLASH. Contudo, a sua vantagem não se resume a um tempo de tratamento menor. Diversos estudos recentes demonstram que esse flash de radiação também está ligado à redução da toxicidade induzida pela radiação, fenômeno denominado como efeito Flash [13-15]. A causa desse efeito ainda é desconhecida, porém duas fortes hipóteses tentam explicar esse fenômeno. A primeira trata sobre a influência do oxigênio na resposta das células à radiação [16], que levaria as células sadias a serem menos afetadas, e a segunda sobre uma resposta imunológica diferente entre a FLASH e a radioterapia convencional [17], devido a uma menor quantidade de sangue circulante irradiado. O primeiro tratamento com radioterapia FLASH em um humano ocorreu em 2018 [18]. Um paciente, diagnosticado com linfoma cutâneo em 1999, passava por diversos tratamentos com diferentes corticoides desde 2001, como também com a radioterapia convencional desde 2008. Porém, mesmo com a sua redução, o câncer retornava pouco tempo após os tratamentos. Em 2018, devido ao seu histórico, a radioterapia FLASH foi oferecida como forma de tratamento em um dos tumores. Desta vez, o tratamento trouxe resultados rápidos, em 10 dias o tumor apresentou redução de tamanho, com 36 dias já havia desaparecido e em 5 meses de observação não retornou. Este resultado demonstra o potencial da radioterapia FLASH e justifica as continuas investigações na área.

[1] Crédito da imagem: SIT Sordina, https://www.soiort.com/what-s-ioert/.

[2] F d’Errico et al. In-phantom dosimetry and spectrometry of photoneutrons from an 18 MV linear accelerator. Medical Physics 25, 1717 (1998).

[3] A Soriani et al. Radiation protection measurements around a 12 MeV mobile dedicated IORT accelerator. Medical Physics 37, 995 (2010).

[4] G Iaccarino et al. Monte Carlo simulation of electron beams generated by a 12 MeV dedicated mobile IORT accelerator. Physics in Medicine and Biology 56, 4579 (2011).

[5] M Marrale et al. Dosimetry for electron Intra-Operative RadioTherapy: Comparison of output factors obtained through alanine/EPR pellets, ionization chamber and Monte Carlo-GEANT4 simulations for IORT mobile dedicate accelerator. Nuclear Instruments and Methods in Physics Research, Section B: Beam Interactions with Materials and Atoms 358, 52 (2015).

[6] S Righi et al. Dosimetric characteristics of electron beams produced by two mobile accelerators, Novac7 and Liac, for intraoperative radiation therapy through Monte Carlo simulation. J Appl Clin Med Phys 14, 6 (1013).

[7] AS Beddar et al. Intraoperative radiation therapy using mobile electron linear accelerators: report of AAPM Radiation Therapy Committee Task Group No. 72. Med Phys 33, 1476 (2006).

[8] MD Mills et al. Commissioning of a mobile electron accelerator for intraoperative radiotherapy. J Appl Clin Medical Physics 2, 121–30 (2001).

[9] M Ciocca et al. Radiation survey around a LIAC mobile electron linear accelerator for intraoperative radiation therapy. J Appl Clin Med Phys 10, 131 (2009).

[10] M Pimpinella et al. Dosimetric characteristics of electron beams produced by a mobile accelerator for IORT. Physics in Medicine and Biology 52, 6197 (2007).

[11] L Strigari et al. Radiation exposure of personnel during intraoperative radiotherapy (IORT): radiation protection aspects. Journal of experimental & clinical cancer research: CR 23, 489 (2004).

[12] JR Palta et al. Intraoperative electron beam radiation therapy: technique, dosimetry, and dose specification: report of task force 48 of the Radiation Therapy Committee, American Association of Physicists in Medicine. Int J Radiat Oncol Biol Phys 33 725 (2020).

[13] JD Wilson et al. Ultra-High Dose Rate (FLASH) Radiotherapy: Silver Bullet or Fool’s Gold?. Frontiers in oncology, 9, 1563. https://doi.org/10.3389/fonc.2019.01563 (2020).

[14] P Marlen et al. Bringing FLASH to the Clinic: Treatment Planning Considerations for Ultrahigh Dose-Rate Proton Beams. International Journal of Radiation Oncology Biology Physics 106 621 (2020).

[15] J Bourhis et al. Clinical translation of FLASH radiotherapy: why and how? Radiother Oncol 139, 11 (2019).

[16] H Weiss et al. Oxygen depletion in cells irradiated at ultra-high dose-rates and at conventional dose-rates. Int J Radiat Biol Relat Stud Phys Chem Med. 26 17 (1974).

[17] S Yovino et al. The etiology of treatment-related lymphopenia in patients with malignant gliomas: modeling radiation dose to circulating lymphocytes explains clinical observations and suggests methods of modifying the impact of radiation on immune cells. Cancer Investigation 31, 140 (2013).

[18] J Bourhis et al. Treatment of a first patient with FLASH-radiotherapy. Radiotherapy and Oncology 139, 18 (2019).

Como citar este artigo: Susana S. Lalic, Anderson V. S. Alves e Francesco d’Errico. Novas tecnologias que estão revolucionando a radioterapia. Saense. https://saense.com.br/2020/07/novas-tecnologias-que-estao-revolucionando-a-radioterapia/. Publicado em 31 de julho (2020).

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