Susana de Souza Lalic
24/07/2020

In The Blue Room by Jackson Boyle [1]

Pode a luz UV matar o coronavírus? Muitas pessoas desconfiam que uma simples lâmpada tenha o potencial para eliminar o novo inimigo mortal da humanidade. Mas sim, é verdade que a luz ultravioleta (UV) germicida é capaz de eliminar vírus, bactérias, esporos, mofos e algas. A desinfecção com luz UV é uma solução testada e comprovada há mais de um século [2]. Ela é predominante em hospitais, centros médicos ou odontológicos, laboratórios, processamento de alimentos, instalações tratamento de água, gerenciamento de sistemas ar condicionado e muito mais. Até pouco tempo desconhecida, essa forma de desinfecção entrou na moda durante a pandemia e levou a população à uma corrida em busca lâmpadas UV. Mesmo assim, a maior parte da população ainda desconhece o poder dessa luz para eliminar os vírus, bem como o dano que pode causar às pessoas e animais se usada incorretamente.

Como uma simples luz pode ser tão poderosa? As luzes fazem parte do nosso dia-a-dia e são capazes de realizar coisas incríveis ao nosso redor. Lembre-se que a luz do Sol interage com os seres vivos e cede energia para eles. Sem a luz do Sol, as plantas não fariam a fotossíntese e morreriam [3]. Nós mesmos precisamos de 15 min diários de luz UV para sintetizar a vitamina D, fundamental em nossa imunidade, incluindo maior resistência contra doenças do trato respiratório como influenza e COVID-19 [4]. Mas há uma linha tênue entre o benefício e o malefício dessas luzes. Essa mesma luz do Sol em exagero pode causar envelhecimento precoce e câncer de pele. O Sol emite luz que também contém raios UV. Mas aqueles que atingem a superfície da Terra (UV-A e UV-B) são menos energéticos do que a luz UV que realmente pode desativar de forma confiável os vírus e bactérias (UV-C). 

O consumidor encontra hoje, disponíveis no mercado, dezenas de anúncios oferecendo dispositivos com lâmpadas UV “germicidas”. Entretanto, muitos deles não dizem claramente se é UV-C que realmente emitem, bem como não indicam como se deve usar corretamente esses equipamentos. Mas como podemos saber se é a lâmpada germicida que se deseja? É importante frisar que não somos capazes de enxergar a luz UV. Normalmente lâmpadas emissoras de UV-C também emitem luzes visíveis e, assim, podemos verificar se estão acesas. Mas não temos como saber só de olhar se emitem realmente UV-C. Assim, um fabricante confiável deve indicar no manual de seu dispositivo que ele contém lâmpadas emissoras de UV-C. Deve indicar também o tempo que o dispositivo necessita ficar ligado no ambiente e a qual distância de fato podemos usá-lo, pois são fatores fundamentais para que a dose de luz germicida inative os microrganismos do ambiente [5]. Do contrário, apenas um especialista com um equipamento chamado radiômetro UV-C pode determinar o tempo e a distância corretas para utilizar seu dispositivo germicida. Tudo isso ainda pode mudar se a lâmpada queimar e for trocada por uma de potência diferente. Quanto menor a potência, maior será o tempo necessário de exposição na mesma distância. Dependendo desses fatores, o tempo necessário para a ação germicida pode ser tão curto quanto alguns segundos ou longo como horas. As partes sombreadas são também um grande desafio, pois poderão não receber luz UV suficiente para a desinfecção.  Assim, variar a posição das lâmpadas para impedir que certas áreas fiquem permanentemente sombreadas é uma ótima solução. É possível ainda que em superfícies irregulares, como nos tecidos, fendas microscópicas inibam a desinfecção, exigindo doses bem mais altas do que as dadas em superfícies lisas.

A luz UV-C desativa os germes porque é absorvida pelas moléculas de seu DNA (ou RNA), impedindo sua replicação. Devido a esse poder germicida, algumas pessoas acreditam que é possível utilizar a luz UV em uma sala cheia de pessoas para desinfetar o ambiente, passar sobre as mãos ou nos profissionais de saúde no fim de seus turnos, ou ainda tratar pacientes com COVID-19 incidindo diretamente a luz sobre seus pulmões. Mas infelizmente não podemos nos expor diretamente a esse tipo de luz, pois ela é extremamente perigosa. Da mesma forma que danifica o DNA dos germes, também causa danos ao nosso DNA dos olhos e pele. Dependendo da sua intensidade, pode induzir reações graves, com inflamação dolorosa das áreas expostas, chegando a gerar catarata ou câncer [6].  Como os efeitos não são imediatos durante a exposição, sendo sentidos apenas algumas horas depois, muitos acidentes acontecem pela exposição exagerada às luzes. Portanto, jamais se exponha diretamente à luz UV-C, mesmo por poucos segundos. 

Um outro problema de segurança comum é que alguns dispositivos também produzem ozônio, que é um gás tóxico. Assim, deve-se escolher lâmpadas do tipo ozônio free e manter os ambientes ventilados durante a desinfecção por luz UV. Calor e degradação de materiais também devem ser levados em conta no uso de lâmpadas germicidas, pois podem deteriorar objetos do ambiente mais rapidamente. Ao adquirir um equipamento de desinfecção, leve em consideração todos esses fatores, que devem ser abordados no manual do equipamento.

Como a pandemia por COVID-19 levou a uma escassez significativa dos respiradores para profissionais de saúde, a desinfecção de máscaras com luz UV foi recomendada. Isso ocorreu, pois a desinfecção com luz UV-C reduz significativamente a quantidade de germes na superfície, mas não diminui a eficiência de filtração das máscaras [7].  Atualmente, o foco do uso da luz UV-C se voltou para desinfecção de superfícies e do próprio ar, principalmente em ambientes fechados. Os sistemas de climatização AVAC (Aquecimento, Ventilação e Ar Condicionado) podem ser desinfetados com UV-C. A luz desinfeta o ar e as superfícies dentro de dutos e serpentinas do condensador (dependendo do modelo selecionado). Novos dispositivos de desinfecção que limpam ativamente o ar têm surgido, como sugadores de ar que forçam sua passagem em tubos com luz UV-C e podem ser usados com segurança mesmo nos ambientes ocupados por pessoas e animais. Já para ambientes vazios, as luminárias e carrinhos manipulados por um operador protegido por podem ser a solução.

Mas o que até então era somente uma suposição, ou seja, que a luz UV-C poderia matar os vírus da COVID-19, foi confirmado em dois recentes trabalhos [8-9]. Os potenciais efeitos virucidas da irradiação com UV-C sobre o SARS-CoV-2 foram investigados sob diferentes doses de iluminação e concentrações de vírus. A radiação UV-C realmente inibiu o SARS-CoV-2, porém essa inativação depende tanto da dose de UV-C quanto da concentração de vírus. Para concentrações baixas (similares de um quarto de hospital), uma dose muito pequena menor que 4 mJ/cm2 foi o suficiente para alcançar inativação total do vírus; mas, mesmo em concentrações virais mais altas (como em catarro de um paciente), a replicação foi totalmente inativada em uma dose de 16,9 mJ/cm2 usando um sistema de lâmpadas de mercúrio de baixa pressão, com intensidade média de 1,082 mW/cm2 [8]. Em outro trabalho, um diodo emissor de luz ultravioleta profundo (DUV-LED), com fluência de 3,75 mW/cm2, inativou efetivamente o SARS-CoV-2 em 87,4% em apenas 1 s e mais de 99,99% em 20 s de exposição a 20 mm de distância [9]. Esses resultados são animadores e permitem o desenvolvimento de métodos eficientes de desinfecção com luz UV-C para conter a infecção SARS-CoV-2. Assim, como o atual sonho de consumo da população é um simples ambiente com ar puro, limpo de germes, a luz UV-C pode ser nossa maior arma na luta contra a COVID-19. Finalmente, ela ainda tem o poder de combater todos os demais germes em que foi testada e poderá ser também letal para algum novo vírus que possamos vir a enfrentar no futuro.

[1] Crédito da imagem: In The Blue Room by Jackson Boyle / Creative Commons CC0. URL: https://search.creativecommons.org/.

[2] International Ultraviolet Association. IUVA Fact Sheet on UV Disinfection for COVID-19 (2020). URL: https://www.iuva.org/IUVA-Fact-Sheet-on-UV-Disinfection-for-COVID-19 (2020). Acesso: 20 de julho (2020).

[3] MB Dias Filho. A fotossíntese e o aquecimento global. EMBRAPA (2006). URL: https://www.embrapa.br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/387686/a-fotossintese-e-o-aquecimento-global. Acesso: 20 de julho (2020).

[4] H. Ribeiro et al. Does Vitamin D play a role in the management of Covid-19 in Brazil? Rev. Saúde Pública 54 (2020). URL: https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2020054002545. Acesso: 20 de julho (2020).

[5] AH Malayeri et al. Fluence (UV Dose) Required to Achieve Incremental Log Inactivation of Bacteria, Protozoa, Viruses and Algae. URL: https://www.iuvanews.com/stories/pdf/archives/180301_UVSensitivityReview_full.pdf. Acesso: 20 de julho (2020).

[6] DM Lopes, SB McMahon. Ultraviolet Radiation on the Skin: A Painful Experience?. CNS Neurosci Ther. 22 118 (2016). doi:10.1111/cns.12444.

[7] CDC – Center of Disease Control and Prevention, Decontamination and Reuse of Filtering Facepiece Respirators (2020). URL: https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/hcp/ppe-strategy/decontamination-reuse-respirators.html. Acesso: 20 de julho (2020).

[8] A Bianco et al. UV-C irradiation is highly effective in inactivating and inhibiting SARS-CoV-2 replication. medRxiv preprint (2020). URL: https://doi.org/10.1101/2020.06.05.20123463 (unreviewed preprint). Acesso: 22 de julho (2020).

[9] H Inagaki et al. Rapid inactivation of SARS-CoV-2 with Deep-UV LED irradiation. bioRxiv preprint (2020). URL: https://doi.org/10.1101/2020.06.06.138149. (unreviewed preprint). Acesso: 22 de julho (2020).

Como citar este artigo: Susana de Souza Lalic. Uma luz no fim do túnel contra coronavírus. Saense. https://saense.com.br/2020/07/uma-luz-no-fim-do-tunel-contra-coronavirus/. Publicado em 24 de julho (2020).

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