Jornal da USP
20/08/2020
Por Maria Helena da Nóbrega, professora da FFLCH/ USP, e Adriana Maria Procópio de Araujo, professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto
A pandemia da covid-19 trouxe mudanças para atividades corriqueiras. Sair de casa passou a requerer extensa concentração antes, durante e depois. Máscara, higiene e limpeza viraram obsessão. Intensificaram-se os serviços realizados sob mediação tecnológica, e o comércio digital ampliou as vendas enormemente. As atividades de lazer também migraram para lives. A saúde passou a ocupar o centro das atenções, incluindo o equilíbrio mental, imprescindível sobretudo na situação de isolamento social. Em suma, a curva ascendente da infecção impôs rápidas alterações sociais, econômicas, políticas e culturais.
As escolas naturalmente não puderam manter-se incólumes a esses impactos. Para a proteção individual e coletiva, os encontros presenciais foram interrompidos e as atividades passaram a ser oferecidas de forma remota. As práticas laborais dos professores foram afetadas irreversivelmente pela pandemia, e eles tiveram que adaptar o planejamento pedagógico para um contexto pouco familiar ou quase impraticável pela maioria: o ambiente digital. Essa dificuldade fez surgirem grupos para facilitar a troca entre os mais experientes e os novatos em tecnologia. O trabalho intenso adentrou as férias e ainda se mantém.
Passadas as dificuldades iniciais, previsíveis em qualquer novo aprendizado, muitos professores deram-se conta de que a tal tecnologia digital não mete medo. Os programas, os recursos digitais, os aplicativos, as extensões, as preferências, os navegadores da internet são desenhados de forma que o usuário se familiarize com eles conforme os utiliza, ou seja: os iniciantes vivenciaram a interface intuitiva dos sistemas digitais. Como disse um colega: “Agora eu sei que onde tem pontinhos juntos, eu clico e aparecem várias opções”. Bingo!!!
Com os cliques e a constatação de que, se bem utilizada, a tecnologia pode ajudar, a questão que se impõe é de ordem estrutural, mais substancial e consoante a vida contemporânea. Trata-se de o ensino formal sintonizar com as transformações do século XXI. Afinal, a maneira como a escola vai incorporar as novas formas de pensar e viver será decisiva para a própria sobrevivência da instituição, pois os conteúdos não estão mais restritos aos muros dos estabelecimentos oficiais.
Acertar o passo com as alterações atuais implica combater a dissociação das disciplinas, que pouco dialogam entre si. O enfoque interdisciplinar ainda não se concretiza na maioria dos cursos. A adoção de um modelo interdisciplinar ou transdisciplinar, buscada desde final do século XIX, ainda perde para a fragmentação do saber.
Na urgência da sala de aula, ainda impera a hegemonia das aulas expositivas. Esse modelo, se transplantado para aulas on-line síncronas ou assíncronas, resulta em uso restrito da tecnologia, que oferece recursos de interação para a participação efetiva do aluno.
Nós, professores, podemos mudar essa realidade. O aluno precisa figurar no centro do processo, para que o cerne seja a aprendizagem. O protagonista deve ser o aluno. Uma maneira de favorecer esse protagonismo é criar atividades de pesquisa, estimulando também a autonomia. Atividades relacionadas à comunidade permitem a participação ativa em situações reais conectadas aos interesses do aprendiz. Essas práticas desenvolvem competências por meio de interação e aprendizagem significativa.
O papel do professor mudou e não foi somente por conta da pandemia. Essa mudança intensificou-se com o acesso livre e irrestrito à informação. Então, o que é ser professor hoje? Ser professor é agir como facilitador da aprendizagem, é assumir o papel de mentor, de orientador do processo, e incentivar o aluno a desenvolver sua própria capacidade de aprendizagem, de acordo com seus interesses e projetos pessoais.
No espectro do tradicionalismo, o critério de avaliação caiu por terra. Como avaliar um aluno por meio de uma prova escrita neste cenário digital? É possível sim, mas em muitos casos é impraticável. Uma avaliação por projetos desenvolvidos, por exemplo, dá condições para o aluno se expressar e demonstrar as competências e habilidades desenvolvidas, indo além do conteúdo adquirido. O caminho é sem dúvida a diversidade no processo avaliativo, e não mais a limitação da prova tradicional, que normalmente explora a memorização de conceitos.
Até a duração dos encontros alunos-professor merece ser repensada. Por que diferentes conteúdos têm o mesmo tempo de aula? A dinâmica no mundo digital é diferente das atividades presenciais e isso impõe adequações para o tópico ministrado, a forma e o tempo que a abordagem requer.
O desafio é educadores e gestores educacionais não perderem a oportunidade de fazer mudanças significativas na educação, algumas das quais deveriam ter sido feitas no século XX (ou até no XIX): interligar as disciplinas entre si e conectá-las às mudanças permanentes do século XXI, renovar os conteúdos, priorizar metodologias ativas, aperfeiçoar competências e habilidades dos educandos.
A busca por novos conhecimentos, comprovada na demanda crescente por cursos on-line, é extremamente favorável aos profissionais da educação, mas é preciso reinventar e ter coragem de enfrentar as incertezas da transformação abrupta da experiência humana. Mudar somente a forma, de presencial para digital, é relativamente fácil. O que necessitamos é a mudança de postura, de paradigma. Temos a oportunidade de avanços, de facilitar o processo de ensino e aprendizagem e de evoluirmos. Que saibamos aproveitar essa oportunidade!
[1] Imagem de StartupStockPhotos por Pixabay.
Como citar este artigo: Jornal da USP. Aprendizagem remota digital: desafio ou oportunidade? Texto de Maria Helena da Nóbrega e Adriana Maria Procópio de Araujo. Saense. https://saense.com.br/2020/08/aprendizagem-remota-digital-desafio-ou-oportunidade/. Publicado em 20 de agosto (2020).