UnB
28/08/2020

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Isaac Roitman

O termo vacina surgiu em 1798 quando o cientista inglês Edward Jenner observou que trabalhadores de zona rural não pegavam a varíola, pois haviam tido a varíola bovina, de menor impacto para os humanos. A palavra vacina deriva justamente de Variolae vaccinae, nome científico dado à varíola bovina. Em 1881, o cientista francês Louis Pasteur começou a desenvolver a segunda geração de vacinas, voltadas a combater a cólera aviária e o carbúnculo.

A partir de então, as vacinas passaram a ser produzidas em massa e tornaram-se um dos principais elementos para o combate a doenças no mundo. Ao longo da história, elas ajudaram a reduzir expressivamente a incidência de poliomielite, sarampo e tétano, entre várias outras doenças. Hoje, são consideradas o procedimento com melhor custo-benefício em saúde pública.

Em 1903, o médico Oswaldo Cruz, ao assumir a Diretoria-geral de Saúde Pública, promoveu a campanha de saneamento básico da cidade do Rio de Janeiro e tomou a decisão de erradicar as doenças como a febre amarela, a peste bubônica e a varíola. Em junho de 1904, o governo tornou a vacinação da população obrigatória e, apesar da campanha contrária, foi aprovada em 31 de outubro.

Essa lei acabou causando um motim e provocando debates exaltados entre o povo e os legisladores. Entre 10 e 16 de novembro de 1904, o povo, insatisfeito, protestou contra a vacina obrigatória em episódio conhecido como “A revolta da vacina”, que provocou manifestações com conflitos generalizados.

Apesar dos dados recentes da Organização Mundial da Saúde de que a vacinação evita de 2 a 3 milhões de mortes por ano, e outro 1,5 milhão poderia ser evitado se a cobertura vacinal fosse melhorada no mundo, os movimentos contra as vacinas vêm crescendo no planeta, inclusive no Brasil. Segundo dados do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde (PNI/MS), nos últimos dois anos, a meta de ter 95% da população-alvo vacinada não foi alcançada. É a volta ao obscurantismo.

Nos dias de hoje, com a alarmante crise sanitária e suas consequências nas áreas da saúde e da economia, a grande esperança será o desenvolvimento de vacinas que possam proteger contra a covid-19. Mais de 100 grupos de cientistas de todo o planeta tentam chegar a uma vacina eficiente para conter a pandemia e, em muitos casos, substituindo a competição pela colaboração. Que maravilha!

Sugestões começam a emergir no sentido de que as descobertas sejam consideradas patrimônio da humanidade e não visem os lucros, que sempre foram os objetivos das indústrias farmacêuticas. Quem sabe possamos estender esse conceito para todos os medicamentos e procedimentos em prol da saúde humana. As patentes perderiam o valor material. Em vez disso, teriam valor imaterial como instrumento em prol do bem-estar coletivo.

Vivemos em um planeta que se empobrece de recursos naturais, as mudanças climáticas nos alertam com desastres cada dia mais frequentes, o ar e a água cada vez mais poluídos, a vergonhosa desigualdade social provocando sofrimento e fome, a violência, a corrupção e a falta de ética são sintomas de uma sociedade doente.

A humanidade padece ainda mais com a falta de paz. O ser humano esconde-se em uma fachada de modernidade e de tecnologia, mas continua com os instintos primitivos de busca pelo poder que corrompe as pessoas. Para prevenir as futuras gerações de pandemias que tenham como base as dimensões sociais, econômicas e éticas, temos a possibilidade de desenvolvermos um leque de vacinas.

Destacaria como vacinas, para termos um Brasil e um mundo melhor, a educação, a solidariedade, a compaixão, a serenidade, a humildade, a responsabilidade social, a caridade e a ética. Essas vacinas para paz devem ser introduzidas nos primeiros anos de vida, quando ocorre a construção da personalidade.

Seus efeitos serão mantidos por toda a vida. É pertinente lembrar pensamentos de singular inspiração. Platão: “A paz do coração é o paraíso dos homens”. Albert Einstein: “A paz é a única forma de nos sentirmos humanos”. Jimi Hendrix: “Quando o poder do amor superar o amor pelo poder, o mundo conhecerá a paz”. [2]

[1] Imagem de Jeyaratnam Caniceus por Pixabay.

[2] Isaac Roitman é doutor em Microbiologia, professor emérito da Universidade de Brasília, coordenador do Núcleo de Estudos do Futuro (n.Futuros/CEAM/UnB), membro tiular de Academia Brasileira de Ciências. Ex-decano de Pesquisa e Pós-Graduação da UnB, ex-diretor de Avaliação da CAPES, ex-coordenador do Grupo de Trabalho de Educação, da SBPC, ex-sub-secretário de Políticas para Crianças do GDF. Autor, em parceria com Mozart Neves Ramos, do livro A urgência da Educação.

Como citar este artigo: UnB. Vacinas para a paz. Texto de Isaac Roitman. Saense. https://saense.com.br/2020/08/vacinas-para-a-paz/. Publicado em 28 de agosto (2020).

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