Embrapa
23/10/2020
Pesquisadores latino-americanos utilizaram tecnologias de big data (análise de grande quantidade de dados, veja quadro) para compreender melhor os efeitos dos eventos climáticos conhecidos como El Niño e La Niña na variabilidade da distribuição das chuvas e a consequente interferência no cultivo de grãos no Brasil. O estudo analisou e cruzou dados de 50 municípios nos estados de Rondônia, Mato Grosso, Goiás e Tocantins, responsáveis por 39% da produção de grãos no País, e resultou em um calendário de cultivo para diminuir riscos de estresses hídricos associados à perda de produção nessas localidades.
Um dos coordenadores do trabalho, o pesquisador Alexandre Heinemann, da Embrapa Arroz e Feijão (GO), explica que foram levantados dados do Instituto Brasileiro de Meteorologia (Inmet) sobre precipitação diária (de 1980 a 2013) de 50 estações meteorológicas nesses estados. Essas informações foram associadas a outras oriundas da Agência Nacional de Águas do Brasil (ANA) e da Agência de Administração Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (Noaa).
“Um dos objetivos desse estudo foi aprimorar os calendários de cultivo já existentes e desenvolver opções estratégicas de gestão do período de semeadura para diminuir riscos de estresses hídricos que acarretem perdas na produção”, pontua Heinemann. Com esse volume de informações e seu cruzamento, foi possível propor um novo calendário de cultivo com a determinação do período inicial, ótimo e final de semeadura para cada um dos municípios.
Isso porque a pesquisa estabeleceu a dinâmica da estação chuvosa no verão para as estações meteorológicas, considerando anos com El Niño, La Niña e neutro, quando não ocorre nenhum dos dois eventos. Isso foi realizado a partir da definição de datas de início e fim das chuvas, quantidade total de precipitação pluviométrica, duração da estação chuvosa e número de dias secos e úmidos dentro desse período.
A partir dessas determinações, foi possível estimar também a disponibilidade de água presente no solo para a realização da semeadura nas localidades estudadas e relacioná-la às necessidades hídricas de cultivos ao longo de todo o ciclo produtivo. Nessa etapa, o trabalho foi feito por computadores com modelos que simulam as necessidades de crescimento, desenvolvimento e produção de lavouras.
“Usamos os melhores dados disponíveis para avaliar o impacto do El Niño e da La Niña sobre a dinâmica da estação chuvosa para os cultivos de grãos, soja, milho e arroz, em Rondônia, Mato Grosso, Goiás e Tocantins”, afirma o pesquisador.
Riscos da dupla safra
Outro resultado desse estudo, apresentado por Heinemann, é que o El Niño e a La Niña têm impacto significativo, acarretando perdas de produção em todos os estados pesquisados, principalmente na safrinha, que é cultivada após a safra principal, ou seja, semeada a partir de fevereiro.
“A dupla safra, especialmente as rotações soja-milho, comuns em Mato Grosso, Rondônia e regiões de Goiás, trazem risco de perda por falta de água durante a fase de enchimento de grãos. Nesses casos, uma opção é plantar na safrinha culturas menos suscetíveis a deficits hídricos, como o sorgo em vez do milho, ou escolher variedades precoces de ciclo mais curto”, constata o pesquisador.
Ciência a serviço da agricultura
O estudo realizado é útil para melhorar a tomada de decisão de agricultores, governos, seguradoras, indústrias de insumos e outros segmentos envolvidos na produção agrícola. Esse trabalho concentrado em Rondônia, Mato Grosso, Goiás e Tocantins também pode ser expandido a outros estados brasileiros e regiões de cultivo, segundo Heinemann. Ele avalia que, futuramente, essa pesquisa deverá estar conectada a sistemas de assistência técnica rural que auxiliam os produtores a diminuir potenciais riscos às lavouras.
Heinemann ressalta ainda a importância desse estudo do ponto de vista do avanço do conhecimento. De acordo com ele, já existem muitos trabalhos sobre o impacto dos fenômenos El Niño e La Niña em relação ao clima e à produtividade de culturas agrícolas. Mas são poucos os que avaliam as alterações provocadas por esses eventos climáticos sobre a variabilidade das chuvas e sua repercussão para culturas como soja, milho e arroz durante a safra e a safrinha de verão.
Além da Embrapa, essa pesquisa teve a participação do Centro Internacional de Agricultura Tropical (Ciat-Colômbia), Grupo Consultivo de Pesquisa Agrícola Internacional (Cgiar-Colômbia) e Universidade Federal de Goiás (UFG). O trabalho contou com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) e Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid).
Esse estudo está publicado na íntegra no jornal científico International Journal of Climatology, editado pela Sociedade Meteorológica do Reino Unido.
Big data: explorando montanhas de informação
Big data é a capacidade de reunir e analisar grandes volumes de informações com o uso de ferramentas tecnológicas estatísticas e computacionais com rapidez e qualidade. O diferencial do big data está atrelado à oportunidade de cruzar dados sobre determinado tema para gerar algo novo, um conhecimento que não existiria se esses dados permanecessem separados, isolados em seus repositórios de informação originais.
El Niño e La Niña
De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), El Niño e La Niña são partes de um mesmo fenômeno atmosférico e oceânico que ocorre no Oceano Pacífico Equatorial, denominado El Niño Oscilação Sul (Enos). O Enos refere-se às situações nas quais o Oceano Pacífico Equatorial está mais quente (El Niño) ou mais frio (La Niña) do que a média normal histórica. A mudança na temperatura do Oceano Pacífico Equatorial acarreta efeitos globais na temperatura e na precipitação.
Segundo o Centro de Previsão Climática (CPC) da agência de Administração Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (Noaa), há estimativa de formação de La Niña no verão de 2020. [1]
[1] Texto de Rodrigo Peixoto.
Como citar esta notícia: Embrapa. Ciência usa big data para reduzir riscos climáticos na produção de grãos no Brasil. Texto de Rodrigo Peixoto. Saense. https://saense.com.br/2020/10/ciencia-usa-big-data-para-reduzir-riscos-climaticos-na-producao-de-graos-no-brasil/. Publicado em 23 de outubro (2020).