CCS/CAPES
01/10/2020

Evlyn Rodrigues Oliveira (Foto: Arquivo pessoal)

A educação superior voltada ao voluntariado. Assim pode ser definida a formação de Evlyn Rodrigues Oliveira, pesquisadora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Graduada em Psicologia e mestre em Psicologia Social pela mesma instituição, a carioca recebe bolsa de doutorado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) para dar prosseguimento à sua pesquisa.

Fale um pouco sobre seu trabalho.
O objetivo da minha tese de doutorado é identificar quais são os fatores que interferem na permanência, ou desistência, de um trabalho voluntário. Estão sendo investigadas tanto as variáveis disposicionais, centradas em aspectos pessoais do voluntário, como traços de personalidade e habilidades, como organizacionais – pautadas na relação organização-voluntários – como comprometimento organizacional, relações interpessoais e a gestão de atividades.

Para isso, dois estudos estão em desenvolvimento: um quantitativo, com aplicação de questionários científicos, e outro qualitativo, no qual realizo entrevistas. Ambos incluem voluntários e ex-voluntários. A demanda por essa pesquisa surgiu a partir do relato frequente de dirigentes e voluntários de diferentes instituições que lidavam com a mesma dificuldade: a elevada taxa de abandono do voluntariado, o que compromete a execução de atividades com relevância social. Conhecer o que contribui positiva ou negativamente para a permanência como um voluntário é o primeiro passo para futuras intervenções.

Como surgiu o interesse pelo tema?
Vem da minha vida pessoal, desde a infância. Minha família sempre participou de campanhas de doações de agasalhos, alimentos e brinquedos. Esse interesse          começou a ganhar rigor científico quando comecei a graduação de Psicologia e ingressei no grupo de pesquisa sobre empatia coordenado pela doutora Eliane Falcone. Ela é uma especialista que estuda o tema há anos e é uma grande referência. Tornou-se minha orientadora. Nos diferentes estudos desenvolvidos, os resultados revelavam os positivos efeitos pessoais e interpessoais da habilidade empática.

Começou a pesquisar sobre voluntariado na graduação?
Sempre gostei de ler sobre os aspectos humanos que nos fazem ter esperança por dias melhores e uma sociedade mais altruísta. Com todo o apoio da minha orientadora, pude transformar esse interesse pessoal em pesquisas sobre o voluntariado. A primeira foi na minha monografia (leia aqui), quando comparei os níveis de empatia e bem-estar em dois grupos: quem realizava trabalho voluntário e quem nunca realizou.

Os voluntários apresentaram níveis significativamente maiores de empatia e bem-estar. Por se tratar de um estudo correlacional, não era possível atribuir causalidade e afirmar se a prática de um trabalho voluntário aumentava os níveis de empatia e bem-estar, se pessoas mais empáticas e que experimentam mais bem-estar tendem a ser voluntárias, ou se ambas as hipóteses são verdadeiras. Esse ponto foi crucial para o desenvolvimento do estudo seguinte.

O mestrado foi, então, um passo além.
Exato. O estudo do mestrado permitiu avaliar o impacto do voluntariado para os próprios voluntários. Sessenta e seis participantes tinham em comum o desejo de ingressar em um trabalho voluntário. Eles foram separados em dois grupos com 33 participantes cada: experimental (iriam se tornar voluntários) e controle (durante o período da pesquisa não realizariam nenhum trabalho voluntário). Ambos preencheram questionários sobre empatia, autoestima e bem-estar. Os voluntários atuaram, por três meses, na Casa Ronald McDonald, que auxilia crianças e adolescentes com câncer que possuem dificuldades para arcar com todos os custos e necessidades ao longo tratamento, ou na organização não-governamental Sonhar Acordado, na qual buscam levar alegria e apoio a crianças e adolescentes enfermos ou em um cenário de vulnerabilidades social.

Após três meses, os participantes do grupo experimental e controle responderam novamente os três questionários. As análises estatísticas revelaram que não ocorreu diferença significativa nos níveis de empatia, autoestima e bem-estar no pré e pós-teste entre os participantes que não realizaram um trabalho voluntário. No entanto, aqueles que realizaram o voluntariado apresentaram aumento significativo nos níveis de empatia, autoestima e bem-estar. Esses resultados (leia a dissertação aqui) apresentaram evidências empíricas de que ao auxiliar outras pessoas é possível haurir efeitos positivos para si, confirmando cientificamente o ditado popular de que “fazer o bem, faz bem”. Cabe ressaltar que 100% dos participantes responderam que continuariam no voluntariado ao término da pesquisa.

E o doutorado, portanto, quer ver o que faria as pessoas permanecerem, já que há essa vontade?
Sim. Apesar desse resultado bastante positivo, diversas instituições citam problemas de desistência. O objetivo é investigar o que leva as pessoas a  continuar ou desistir para que esse conhecimento possa ser usado para auxiliar na manutenção de voluntários e nos efeitos positivos, tanto para quem recebe a ajuda como para quem fornece.  Para esse trabalho, comecei a receber bolsa da CAPES em abril, fonte de renda que me permite dedicação máxima à atuação acadêmica.

Qual o impacto que vê para o Brasil? E vê potencial lá para fora?
O voluntariado ganhou maior notoriedade neste ano. Muitas pessoas conseguiram alimentos e recursos durante a pandemia por meio do trabalho voluntário. Em um período de fechamento de comércio e isolamento social, as doações foram muito importantes.  Estamos elaborando o artigo da pesquisa do mestrado em inglês. Estudos brasileiros e o tema do voluntariado podem ter impacto internacional e somar com pesquisas de outros países. O tema ainda engatinha no Brasil. Esperamos poder incentivar pessoas a se aproximarem do tema e da prática.
Em paralelo à pesquisa, toca outros projetos?

Participo de quatro. Dois grupos de pesquisa, um sobre empatia e outro sobre ansiedade, que são coordenados pela doutora Eliana Falcone e a Liga Acadêmica de Terapia Cognitivo-Comportamental (LATCC), coordenado pela doutora Angela Oliva, na qual colocamos a produção acadêmica com uma linguagem acessível para levar conhecimentos à população. Na pandemia, temos feito cartilhas digitais sobre saúde mental. Por fim, dou supervisão em terapia cognitivo-comportamental a estagiários em Psicologia, que realizam atendimentos clínicos no serviço de Psicologia aplicada (SPA-UERJ). Todas essas experiências me ajudam a crescer pessoal e profissionalmente e espero que todo esse trabalho ajude no desenvolvimento desse olhar para o outro, ainda mais importante no contexto atual.

Como citar esta notícia: CCS/CAPES. Empatia e bem-estar podem ser fruto de voluntariado. Saense. https://saense.com.br/2020/10/empatia-e-bem-estar-podem-ser-fruto-de-voluntariado/. Publicado em 01 de outubro (2020).

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