ESO
13/10/2020

Concepção artística de uma estrela sendo desfeita por forças de maré exercidas por um buraco negro supermassivo (Crédito: ESO/M. Kornmesser)

Com o auxílio de telescópios do ESO e de outras organizações de todo o mundo, os astrônomos observaram uma rara explosão luminosa de uma estrela sendo dilacerada por um buraco negro supermassivo. Este fenômeno, conhecido por evento de ruptura de marés, se trata do mais próximo de nós registrado até hoje, a pouco mais de 215 milhões de anos-luz de distância da Terra, e foi estudado com um detalhe sem precedentes. Esta pesquisa foi publicada hoje na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

A ideia de que um buraco negro “sugando” uma estrela próxima parece saída da ficção científica. Mas é exatamente o que acontece num evento de ruptura de marés,” diz Matt Nicholl, professor e pesquisador da Royal Astronomical Society na Universidade de Birmingham, Reino Unido, e autor principal deste novo estudo. Estes eventos de ruptura de marés, onde a estrela é sujeita ao algo chamado “espaguetificação” quando está sendo sugada por um buraco negro, são raros e nem sempre fáceis de estudar. A equipe de pesquisadores utilizou o Very Large Telescope (VLT) e o New Technology Telescope (NTT), ambos do ESO, para observar um clarão de luz registrado o ano passado perto de um buraco negro supermassivo, para investigar em detalhes o que acontece quando uma estrela é devorada por tal um monstro.

Na teoria, os astrônomos sabem o que deve acontecer. “Quando uma estrela azarada se aproxima demais de um buraco negro supermassivo no centro de uma galáxia, a extrema atração gravitacional exercida pelo buraco negro desfaz a estrela em finas correntes de matéria,” explica Thomas Wevers, autor do estudo e bolsista do ESO em Santiago do Chile, que estava trabalhando no Instituto de Astronomia da Universidade de Cambridge, Reino Unido, quando conduziu este trabalho. Quando alguns destes fios finos de material estelar caem no buraco negro durante este processo de espaguetificação, é libertado um clarão brilhante de energia que pode ser detectado pelos astrônomos.

Apesar de brilhante e forte, até agora os astrônomos tinham tido dificuldade em investigar este clarão de luz, devido ao fato deste se encontrar frequentemente obscurecido por uma “cortina” de poeira e restos de material. Mas agora os astrônomos conseguiram finalmente obter pistas sobre a origem desta cortina.

Descobrimos que, quando um buraco negro devora uma estrela, pode lançar uma quantidade de material para o exterior, que nos obstrui a visão,” explica Samantha Oates, também da Universidade de Birmingham. Isto ocorre porque a energia libertada, quando o buraco negro “devora” o material estelar, faz com que os restos da estrela sejam lançados para o exterior.

Esta descoberta foi possível porque o evento de ruptura de marés que a equipe estudou, AT2019qiz, foi descoberto pouco tempo depois da estrela ter sido desfeita. “Como apanhamos o evento cedo, pudemos ver a cortina de poeira e restos sendo criada à medida que o buraco negro lançava para o exterior uma poderosa corrente de matéria com velocidades de até 10000 km/s,” diz Kate Alexander, bolsista Einstein da NASA na Universidade Northwestern, EUA. “Esta única ‘espiada atrás da cortina’ nos proporcionou a primeira oportunidade de localizar a origem do material ocultante e seguir em tempo real como é que engolfa o buraco negro.

A equipe observou AT2019qiz, situado numa galáxia em espiral na constelação de Eridano, durante um período de 6 meses, vendo o clarão luminoso aumentar de intensidade e depois desvanecer. “Vários levantamentos do céu registraram a energia emitida por este novo evento de ruptura de marés muito cedo após a estrela se ter desfeito,” diz Wevers. “Nós imediatamente apontamos um conjunto de telescópios terrestres e espaciais naquela direção para ver como a luz foi produzida”.

Foram feitas observações múltiplas do evento durante os meses seguintes em instalações que incluiram o X-shooter e o EFOSC2, instrumentos potentes montados no VLT e no NTT, situados no Chile. As rápidas e extensas observações no ultravioleta, óptico, raios-X e ondas rádio revelaram, pela primeira vez, uma ligação direta entre o material que é arrancado da estrela e o clarão brilhante que é emitido quando esta é devorada pelo buraco negro. “As observações mostraram que a estrela tinha aproximadamente a mesma massa que o nosso Sol e que perdeu cerca de metade dessa massa para o buraco negro gigante, o qual apresenta mais de um milhão de vezes a massa da estrela,” diz Nicholl, que é também pesquisador visitante na Universidade de Edinburgh, no Reino Unido.

A pesquisa nos ajuda a entender melhor os buracos negros supermassivos e como a matéria se comporta nos ambientes de extrema gravidade ao seu redor. A equipe diz que AT2019qiz pode até ser uma “pedra da Roseta” para interpretar futuras observações de eventos de ruptura de marés. O Extremely Large Telescope (ELT) do ESO, previsto para começar a observar em meados desta década, permitirá a detecção destes eventos cada vez mais tênues e rápidos, ajudando assim a desvendar mais mistérios da física dos buracos negros. [1], [2]

[1] Esta pesquisa foi apresentada no artigo intitulado “An outflow powers the optical rise of the nearby, fast-evolving tidal disruption event AT2019qiz” publicado na revista da especialidade Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

[2] Esta notícia científica foi traduzida por Margarida Serote (Portugal) e adaptada para o português brasileiro por Eugênio Reis Neto.

Como citar esta notícia: ESO. Morte por espaguetificação: Telescópios registram os últimos momentos de um estrela devorada por um buraco negro. Tradução de Margarida Serote (Portugal) e adaptada para o português brasileiro por Eugênio Reis Neto. Saense. https://saense.com.br/2020/10/morte-por-espaguetificacao-telescopios-registram-os-ultimos-momentos-de-um-estrela-devorada-por-um-buraco-negro/. Publicado em 13 de outubro (2020).

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