UFPR
22/10/2020

(Imagem de Susann Mielke por Pixabay)

A transformação do direito da infância em um direito de família paralelo que contribui, no Brasil, para o controle social e para a economia da subjetividade das famílias de negros e pobres é o tema discutido no trabalho de Rafael de Sampaio Cavichioli, vencedor do Prêmio Capes de Tese 2020 na área de Direito. O resultado foi divulgado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) no dia 1º de outubro.

Intitulada “Duas Famílias, Duas Leis”, a tese defendida no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR) identificou que as práticas institucionais do direito da infância se assentam sobre um temor de a criança pobre se tornar um adulto criminoso. Assim, o estudo analisa tratamentos jurídicos diferenciados: um dispensado às famílias amparadas pelo Código Civil e outro, destinado às famílias que estão inseridas em um universo de medidas protetivas e de intervenção familiar, previstas pelo direito da infância e da juventude.

Cavichioli explica que o direito da infância nasceu entre o final do século XIX e início do século XX como um mecanismo de controle social das famílias desviantes atingido, no Brasil, especialmente negros e pobres. Com a justificativa do interesse da criança, as práticas jurídicas munem-se das medidas de proteção para aplicar diligências de caráter punitivo, como perda ou suspensão do poder parental e restrições de liberdade ao menor.

“No fim do século XX, é elaborada a Doutrina da Proteção Integral, que, pautada por discurso humanista, visava a introduzir um direito da infância democrático e apartado de práticas institucionais discriminatórias. Ao se confrontar a crítica ao sistema de responsabilização penal de adolescentes brasileiros com a domesticação constitucional desse sistema pretendida pela Suprema Corte dos Estados Unidos na década de 1960, concluiu-se que o direito da infância e suas práticas institucionais são voltadas, prioritariamente, contra pobres e negros, colocando sob questionamento o objetivo da Doutrina da Proteção Integral”, revela a pesquisa.

O autor demonstra que o direito da infância assumiu, perante as práticas jurídicas, uma missão salvadora das crianças e dos adolescentes em face de suas próprias famílias, coincidindo com um interesse social maior de prevenção à criminalidade. Esse interesse da criança, de ser salva de uma família com questões criminais, foi a porta de entrada encontrada para a ingerência na privacidade da família e a licença para intervenção social e estatal.

Após examinar a genealogia (estudo da origem, evolução e dispersão das famílias e respectivos sobrenomes ou apelidos) da afetividade, a tese estabelece uma crítica à construção humanista e personalista que orienta o princípio do interesse da criança, ressaltando que ele pode ser responsável por legitimar um fundamento de defesa social e de controle social dos pobres. “Mesmo com os avanços democráticos manifestados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, as práticas discursivas e institucionais fundadas nas características históricas que construíram o direito da infância e da juventude demonstram a função de controle e de correção de famílias negras e pobres”, aponta a tese.

A tese central, portanto, trata de um recorte legal que não é puramente jurídico, mas também discorre sobre questões sociais, raciais e de classe a partir da análise de um tema do direito civil clássico aliado a uma leitura interdisciplinar. [1]

[1] Texto de Jéssica Tokarski.

Como citar esta notícia: UFPR. O direito da infância como forma de controle social de pobres e negros. Texto de Jéssica Tokarski. Saense. https://saense.com.br/2020/10/o-direito-da-infancia-como-forma-de-controle-social-de-pobres-e-negros/. Publicado em 22 de outubro (2020).

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