UnB
23/11/2020
Amanda Flávio de Oliveira
Foi a inovação histórica ininterrupta a responsável pelo aumento substancial da expectativa de vida das pessoas, pela melhoria dos padrões de vida e de acesso a produtos e serviços, mesmo daqueles que se encontram entre os menos favorecidos da sociedade, pelo grande milagre da comunicação fácil, acessível e barata, que hoje une pessoas de todos os cantos do globo e as interconecta em tempo real, pela produção de alimentos para uma população em crescimento extraordinário, pela minimização da dor e da suscetibilidade às doenças, entre tantas circunstâncias que tornam a vida humana mais digna, mais longa e mais confortável.
Mas inovar representa necessariamente romper, desestruturar, sacudir estados de coisas estáticos, e, por consequência, afeta as pessoas a eles diretamente relacionadas. Pode-se dizer, por isso, que a inovação é um movimento desestabilizador e, assim sendo, é natural que encontre alguma resistência.
É compreensível que haja oposição à inovação por parte daquele, por exemplo, que perderá seu emprego em razão da descoberta de um novo método ou da invenção de uma nova máquina. Um dia, a tipografia substituiu o trabalho dos copistas, a energia elétrica desempregou acendedores de lampião. No preciso instante em que a transição ocorria, o trauma pessoal foi inevitável para alguns. Mas ninguém, em sã consciência, avaliando esses acontecimentos em perspectiva, nos dias atuais, deixaria de reconhecer a enorme importância da ruptura incorrida, com consequências inabdicáveis para a melhoria de vida das pessoas de todo o mundo a partir de então e por meio delas.
Nesse sentido, a relutância ao progresso se torna de alguma forma compreensível desde o ponto de vista individual. O desemprego em um dado setor – transitório, eis que novas formas de trabalho surgem em decorrência da “invenção”- pode ser apto a mobilizar protestos e essa é uma realidade recorrentemente encontrada na História, assim como nos mais variados países.
Basta relembrar, a propósito, o movimento ocorrido entre os anos 1811 e 1812, na Inglaterra, como uma das consequências da revolução industrial. Àquela época, a substituição do trabalho humano por máquinas reduziu a demanda por mão-de-obra e o salário oferecido, o que levou manifestantes a quebrarem equipamentos das fábricas e a exigirem o fim de seu uso, em um movimento que ficou conhecido como “Ludita”, em referência a um suposto operário manifestantes, de nome Ned Ludd.
Essa resistência, personalizada, à inovação, é de alguma maneira esperada e tende a se repetir em todos os novos movimentos disruptivos, em todas as partes do mundo, qualquer que seja o grau de desenvolvimento do país, e não necessariamente possui uma conotação ideológica subjacente. Trata-se da defesa pessoal de um interesse igualmente pessoal.
Mas acrescente-se a essa situação um país que ainda flerta com o patrimonialismo, em que o capitalismo ainda não se revelou verdadeiramente alinhado a uma economia de mercado, e obcecado pela regulação. Somados, todos esses fatores formam um poderoso caldo de hostilidade à inovação. Só que essa resistência, que vem do Estado e de seus vícios, possui a potente desvirtude de refrear o progresso. [1], [2]
[1] Amanda Flávio de Oliveira é professora associada da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB). Doutora, mestre e especialista em Direito Econômico pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
[2] Publicado originalmente no Estadão Online -SP em 16/11/2020.
Como citar este artigo: UnB. O Brasil e o pavor do progresso. Texto de Amanda Flávio de Oliveira. Saense. https://saense.com.br/2020/11/o-brasil-e-o-pavor-do-progresso/. Publicado em 23 de novembro (2020).