UFMG
27/01/2021

Doença pode provocar danos sérios às mãos, por exemplo (Foto: Gabriela Ribeiro | UFMG)

Pesquisas realizadas na Escola de Enfermagem da UFMG têm chamado a atenção para a importância do geoprocessamento no planejamento das ações do programa de controle da hanseníase, com alcance regional, subregional e até nacional em matéria de vigilância e monitoramento. Com o objetivo de ampliar o escopo das ações de vigilância epidemiológica, as pesquisadoras Gabriela de Cássia Ribeiro e Rayssa Nogueira Rodrigues, que cursaram o doutorado na Universidade e integram o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Hanseníase (Nephans), empreenderam, recentemente, análise espacial para estimar a ocorrência da doença em Diamantina (MG) e no Brasil, por meio do geoprocessamento.

Utilizada desde 2008 no Nephans, a ferramenta tem subsidiado diversas pesquisas sobre a hanseníase. O geoprocessamento, disciplina que utiliza tecnologias de tratamento e manipulação de dados geográficos com suporte de programas computacionais, possibilita mapear as ocorrências. Os resultados contribuem com o monitoramento da extensão da cobertura do tratamento poliquimioterápico da hanseníase, viabilizam análise gráfica dos indicadores epidemiológicos e mostram a distribuição espacial da doença, identificando as áreas de alta endemicidade e aquelas que exigem alocação de recursos extras.

Apesar de pouco se falar sobre a hanseníase no Brasil, o país é hoje o segundo em número de casos da doença, que é popularmente conhecida como lepra –, ficando atrás apenas da Índia, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). A hanseníase é uma das doenças mais antigas conhecidas – há registro de casos na China, na Índia e no Egito há mais de 4 mil anos.

A doença crônica e infectocontagiosa é causada pela bactéria Mycobacterium leprae, ou bacilo de Hansen, e atinge principalmente a pele e os nervos periféricos. A doença tem cura, por meio de tratamento que exige persistência e disciplina, mas, se não tratada, pode deixar sequelas. O tratamento é oferecido gratuitamente em todo o mundo – o objetivo é que a hanseníase deixe de ser um problema de saúde pública.

Três grupos
A pesquisa realizada por Gabriela Ribeiro no município de Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, uniu testes sorológicos e o georreferenciamento dos endereços para subsidiar a vigilância epidemiológica da hanseníase em um município de média endemicidade. O estudo, transversal, contemplou três grupos populacionais: casos notificados entre 2001 a 2014 e contatos; escolares de 7 a 14 anos matriculados em escolas estaduais do município de Diamantina; familiares e vizinhos de escolares soropositivos e vizinhos de casos de hanseníase, que residiam em um raio de 100 metros.

Os casos de hanseníase soropositivos (pessoas que já tiveram contato com a bactéria e podem desenvolver e transmitir a doença) foram registrados na zona rural, onde mais pessoas residem em um só domicílio e onde dois ou mais moradores dormem em um mesmo cômodo. Os contatos de hanseníase soropositivos eram, em sua maioria, idosos, e 75%, cônjuges.

Entre os escolares soropositivos, houve relevância estatística para o sexo: 75% eram meninas. No que concerne à convivência, 69,4% residiam com mais de quatro pessoas no domicílio, e 80,6% dividiam o quarto com pelo menos mais uma pessoa.

Quanto ao grupo de vizinhos e familiares de escolares soropositivos e vizinhos de casos de hanseníase, a sorologia positiva foi de 28,2%, valor alto em relação a outros estudos. Houve mais chance de sorologia positiva entre os mais jovens e entre aqueles que residem em domicílios com menos cômodos e de renda familiar em torno de um salário mínimo.

A concentração de casos e escolares soropositivos ocorreu em áreas geográficas distintas no município, mas todas de renda familiar per capita mais baixa. Encontrou-se sorologia positiva em todas as áreas do município onde a pesquisa foi realizada e maior concentração fora da área de notificação de casos mais alta.

De acordo com Gabriela Ribeiro, que é professora da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, os testes sorológicos foram capazes de indicar a cadeia de transmissão ativa, e a análise espacial, o padrão de distribuição da endemia no município, o que contribui para o planejamento das ações de prevenção. “O trabalho sugere novas investigações longitudinais em todo o município, a fim de acompanhar os participantes soropositivos e monitorar a prevalência oculta da hanseníase”, afirma a autora da tese Prevalência e distribuição da infecção pela Mycobacterium leprae por meio de marcadores sorológicos e geoprocessamento em Diamantina, Minas Gerais.

Concentração na Amazônia Legal
Rayssa Rodrigues, autora do trabalho Áreas de alto risco de hanseníase no Brasil, período 2001-2015, fez estudo epidemiológico de análise espacial, segundo dados dos municípios brasileiros, utilizando o método estatístico scan espacial. Ela identificou agrupamentos espaciais e mediu o risco relativo com base na taxa de detecção anual de casos novos da doença.

O método detectou 26 clusters (áreas que concentram maior número de casos da doença) onde a taxa de detecção foi de 59,19 casos por 100 mil habitantes, contra 11,76 no país em geral. Grande parte dos clusters está situada na Amazônia Legal. Esses grupos incluíram apenas 21,34% da população total, mas 60,40% dos novos casos da doença no período.

O Rio Grande do Norte foi o estado que apresentou a maior razão de taxas (6,43), seguido pelos estados da Bahia (4,96) e Minas Gerais (4,88), o que significa que os clusters nesses estados são os de maior risco no país. Nos estados de Rondônia, Mato Grosso e Acre, os percentuais de população incluídos em clusters foram os maiores do Brasil.

A pesquisadora relata que as variações geográficas são característica marcante da hanseníase. “Mesmo em nível nacional, a ocorrência é mais comum em certos locais do que em outros. Há evidências de que a distribuição heterogênea pode estar associada à baixa renda ou a fatores diretamente relacionados ao hospedeiro, como determinantes imunológicos e genéticos”, diz Rayssa Rodrigues, que é professora da Universidade Federal de Viçosa. A conclusão do estudo é de que a hanseníase permanece concentrada em algumas áreas, o que reforça a necessidade de os programas de controle intensificarem ações em determinados municípios.

As pesquisadoras enfatizam que, no primeiro estudo, o geoprocessamento identificou infecção pela Mycobacterium leprae nas áreas que devem merecer prioridade em ações de controle e, no segundo, contribui, sobretudo, na organização do serviço e desempenho dos profissionais de saúde.

Janeiro Roxo: conscientização

A campanha Janeiro Roxo, criada pelo Ministério da Saúde em 2016, informa a população e mobiliza profissionais de saúde sobre os sintomas, prevenção, diagnóstico e tratamento da hanseníase. O último domingo do mês (dia 31, neste ano) é marcado como o Dia Mundial de Luta Contra a Hanseníase.

A bactéria da hanseníase é transmitida pelas vias respiratórias por meio do convívio prolongado com um doente que não está em tratamento, por contato com gotículas de saliva ou secreções do nariz. A hanseníase manifesta-se por meio de manchas brancas, vermelhas ou marrons em qualquer parte do corpo; elas são pouco visíveis e têm limites imprecisos. As manchas têm sensibilidade alterada à dor, ao tato e à temperatura e são caracterizadas também pela perda de pelos e pela ausência de transpiração.

Segundo o Ministério da Saúde, foram registrados globalmente 208.619 casos em 2018, sendo 30.957 na região das Américas, 92,6% dos quais foram notificados no Brasil. Do total de casos novos diagnosticados no país, 1.705 (5,9%) acometeram menores de 15 anos. Em 2019, de acordo com o DataSUS, foram notificados, em Minas Gerais, 1.495 casos da doença, 157 dos quais em Belo Horizonte.

Núcleo
O Núcleo de Estudos e Pesquisas em Hanseníase reúne pesquisadores que investigam a doença em seus diversos aspectos, de forma transdisciplinar e com ênfase em epidemiologia, determinantes sociais, análise espacial, imunologia/biologia molecular, comunicação, educação em saúde e avaliação de serviços de saúde. A perspectiva é de produzir evidências para subsidiar o desenvolvimento e a aplicação de novas tecnologias e estratégias para o controle da hanseníase nos planos individual e coletivo. O Nesphan é liderado pelo professor da Escola de Enfermagem da UFMG Francisco Carlos Félix Lana.

Rayssa Rodrigues identificou áreas de concentração da hanseníase no Brasil (Imagem: Acervo da pesquisa)

(Assessorias de Comunicação da UFMG e da Escola de Enfermagem)

Como citar este texto: UFMG. Pesquisas utilizam geoprocessamento na vigilância epidemiológica da hanseníase. Saense. https://saense.com.br/2021/01/pesquisas-utilizam-geoprocessamento-na-vigilancia-epidemiologica-da-hanseniase/. Publicado em 27 de janeiro (2021).

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