UFRGS
23/04/2021
No primeiro semestre de 2020, quando começávamos a sentir os efeitos da pandemia de covid-19 no Brasil, um grupo de pesquisadores da área de Engenharia submeteu um projeto à chamada emergencial da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs) pensando em como viabilizar a continuidade dos trabalhos na construção civil de forma segura. Denominado “Planejamento baseado em localização para gerenciar restrições de distanciamento social em canteiros de obras”, o projeto foi um dos nove propostos por pesquisadores da UFRGS contemplados pela Fapergs. O coordenador Carlos Torres Formoso, professor do Departamento de Engenharia Civil e pesquisador do Núcleo Orientado para a Inovação da Edificação (Norie), explica que a principal motivação do grupo, diante da paralisação das atividades em vários setores da economia naquele momento, foi buscar soluções para que a construção civil tivesse continuidade durante a pandemia com segurança. Afinal, é um setor que emprega muitas pessoas, responsável por obras fundamentais que não podem parar – como a construção e ampliação de hospitais, por exemplo – e desempenha um papel importante na retomada da economia e no conjunto de medidas para evitar uma recessão.
A primeira fase da pesquisa, iniciada em junho, foi concluída em dezembro e consiste num diagnóstico de medidas de controle de propagação da covid-19 adotadas em uma amostra de canteiros de obras no Rio Grande do Sul. Com base nesse diagnóstico, os pesquisadores da UFRGS, em conjunto com colegas do IMED, da UFBA e da UFC, elaboraram um e-book, denominado Controle da propagação da covid-19 em canteiros de obras, para disseminar as boas práticas identificadas e orientações/sugestões para implementação de medidas de controle contra a propagação do vírus entre os trabalhadores nas obras. Formoso afirma que o resultado dessa etapa mostrou uma grande homogeneidade entre as empresas na adoção dos protocolos sanitários. Segundo ele, foi possível identificar várias boas práticas, que podem ser disseminadas e mantidas até mesmo depois da pandemia, com destaque para a melhora das condições de higiene e limpeza nas obras, tornando os locais de trabalho mais agradáveis e também seguros para a redução da ocorrência de outras doenças, além da covid-19.
Como foi realizado o diagnóstico
A fase de diagnóstico teve início com um levantamento dos protocolos exigidos e recomendados para o trabalho em canteiro de obras durante a pandemia. Os pesquisadores identificaram e hierarquizaram 52 práticas (agrupadas no quadro abaixo) a partir da análise de documentos oficiais de prefeituras e do Governo do Estado e do Sindicato das Indústrias da Construção Civil do Rio Grande do Sul (Sinduscon-RS); de conversas com lideranças setoriais, diretores e especialistas em segurança e saúde no trabalho; de entrevistas com especialistas em epidemiologia; de visitas a obras de diferentes portes, finalidades, sistemas construtivos e empresas nos municípios de Porto Alegre, Canoas, Passo Fundo, Santa Maria e Caxias; e também de reuniões com engenheiros de obras e técnicos de segurança das empresas cujas obras foram visitadas.
Os dados coletados mostram que 40% das medidas de prevenção de transmissão no novo coronavírus identificadas foram totalmente implementadas. Estão nesse grupo: medição de temperatura dos trabalhadores; fornecimento de máscaras de proteção e exigência do seu uso, demarcações na calçada da entrada da obra apontando distanciamento necessário; afastamento de colaboradores com sintomas ou com confirmação de covid-19; minimização da entrada e circulação de pessoas que não trabalham no canteiro; substituição do buffet nos refeitórios por porções individuais; proibição de compartilhamento de bebida ou alimento; escalonamento de horários de entrada e saída do canteiro, de uso dos vestiários e dos refeitórios; instalação de maior número de lavatórios e de dispensadores de álcool gel; reforço na limpeza dos ambientes, entre outras.
Os pesquisadores constataram também que 50% dos protocolos foram implantados parcialmente nas obras da amostra, 8% não foram implantados e 2% não se aplicavam. Entre as práticas parcialmente adotadas, está a exigência de afastamento mínimo entre os trabalhadores para distanciamento social. Conforme Formoso, esse é um exemplo de protocolo de difícil implementação em alguns tipos de atividades da construção civil que exigem esforço físico de mais de uma pessoa em um espaço confinado. Para entender as razões da implantação parcial ou não implantação de alguns protocolos, os pesquisadores categorizam as principais dificuldades em cinco grupos: organização e limpeza do canteiro; distanciamento social; conscientização dos trabalhadores; gestão da segurança e da informação; e produção. A categoria organização e limpeza do canteiro reúne o maior número de medidas não implantadas ou parcialmente implantadas, principalmente referentes às dificuldades em proporcionar ambientes e equipamentos frequentemente higienizados, assim como áreas de uso comum bem ventiladas. O coordenador da pesquisa avalia que os pontos críticos observados no diagnóstico não estão muito relacionados à produção, e sim aos espaços de convivência, como vestiários, refeitórios e entrada na obra. Segundo ele, o setor sabe o que tem que ser feito, mas é preciso disseminar melhor essas boas práticas. Formoso faz uma analogia com o “trabalho de uma formiguinha”, que exige esforço continuado. “No canteiro de obras, temos necessidade de reforçar protocolos da mesma forma que na sociedade como um todo”, diz.
O compromisso com a divulgação e com o reforço das medidas de prevenção levou os pesquisadores a programarem atividades de apresentação dos resultados parciais do projeto antes de dar seguimento à próxima fase da pesquisa. Além do lançamento e disponibilização do guia digital de boas práticas para evitar a transmissão da covid-19 no ambiente de trabalho, também aconteceram eventos virtuais em que foram debatidos os achados e as propostas sugeridas. Parceria da UFRGS com o Instituto de Medicina, Estudos e Desenvolvimento (IMED), o Sinduscon RS e o Sinduscon de Passo Fundo viabilizou a realização de uma webconferência, em dezembro passado, para apresentar o diagnóstico, cuja gravação está disponível no canal do Sindicato no YouTube. No evento, também foram expostas perspectivas para modernização do setor da construção civil em relação ao uso de tecnologias digitais, que é o foco da segunda fase da pesquisa.
Segurança e controle baseados em localização
A etapa da pesquisa que se iniciou em janeiro de 2021 consiste no desenvolvimento de implementação de modelos gerenciais para planejamento de controle da produção baseado em localização. O objetivo é melhorar a eficiência das obras e facilitar o afastamento entre os trabalhadores no canteiro. A partir dessa fase, os pesquisadores buscarão identificar soluções digitais e tecnologias de localização para, em adoção junto com os modelos gerenciais, controlar a propagação de covid-19 nas obras. Conforme Formoso, “esta é uma etapa mais de desenvolvimento; nós vamos tentar melhorar a gestão das obras para que elas possam acontecer com eficiência, mais próximo do normal possível, com menos risco na pandemia”.
A doutoranda do Núcleo Orientado para a Inovação da Edificação Mirela Tonetto, integrante do grupo de pesquisa, informa que nesta fase são realizados estudos de caso em três empresas, sendo uma em Porto Alegre e duas em Canoas. Também a Universidade Federal da Bahia e a Universidade Federal do Ceará estão desenvolvendo estudos de caso com o mesmo propósito, e, depois, será possível fazer uma análise cruzada dos resultados nos três estados. Formoso explica como está sendo feito o trabalho: “Estamos adotando duas estratégias: o planejamento baseado em localização, em que se divide a obra em zonas e distribui as pessoas nessas zonas para evitar aglomeração, fazendo um controle de uso do espaço; e o uso de ferramentas digitais”. Ele afirma que o planejamento baseado em localização já vinha sendo usado em obras antes da pandemia, mas com outras finalidades e de uma forma ainda incipiente e dá um exemplo: “Com o uso de tecnologias digitais, pode-se conseguir usar essa técnica de forma mais profunda, como o caso do BIM (Building Information Modeling) , que permite enxergar no computador um modelo virtual da obra, e, com as técnicas de localização, pode-se fazer uma gestão melhor desses espaços”. O pesquisador adianta ainda outras tecnologias que podem se mostrar adequadas: “Podemos fazer mapa de calor, gráfico apontando se há concentração de pessoas em determinado local da obra, sistema de alarme alertando se as pessoas estão muito próximas umas das outras usando sistema de sensores ou o próprio celular apontando a proximidade excessiva. Pretendemos usar uma combinação dessas tecnologias para ajudar nesse controle”. Mirela Tonetto acrescenta ainda outro exemplo de tecnologia com potencial para uso nas obras visando evitar a presença de muitas pessoas no local: “Vimos que as câmeras 360o instaladas nos capacetes, que fazem imagens de toda a obra, têm potencial para serem usadas e auxiliarem as reuniões de planejamento.”
Formoso demonstra grande entusiasmo com as oportunidades para a melhoria da gestão na construção civil: “O mais interessante é que tudo isso que a gente vai desenvolver não é só para esse período, mas também para o período pós-pandemia. Vai ajudar as empresas a se organizarem melhor e pode melhorar o setor da construção civil como um todo”. [2]
[1] Foto: imagem criada por Fabricio Vargas a partir de foto realizada com drone pela equipe de pesquisadores da UFBA.
[2] Texto de Patrícia Barreto dos Santos Lima.
Como citar esta notícia: UFRGS. Prevenção contra a covid-19 nos canteiros de obras. Texto de Patrícia Barreto dos Santos Lima. Saense. https://saense.com.br/2021/04/prevencao-contra-a-covid-19-nos-canteiros-de-obras/. Publicado em 23 de abril (2021).