Jornal UFG
16/09/2021
O que a nova iniciativa dos Estados Unidos e a Organização Internacional da Aviação Civil (ICAO) podem representar para o Brasil? O governo dos Estados Unidos realizou uma reunião com integrantes de toda a cadeia produtiva do setor de combustíveis de aviação para anunciar que irá coordenar seus esforços para a produção de 3 bilhões de galões de Combustível Sustentável para Aviação (Sustainable Aviation Fuel, SAF). [1] A meta da Administração Biden-Harris é reduzir em 20% as emissões até 2030, visando atingir zero emissões de carbono em 2050.
A meta de carbono zero até 2050 havia sido reforçada durante evento promovido pela a Organização Internacional da Aviação Civil (ICAO), agência especializada da Organização das Nações Unidas (ONU), sobre os caminhos jurídicos e tecnológicos disponíveis para a redução da emissão de gases de efeito estufa (GEE) no setor de aviação civil. Na ocasião, participaram vários representantes governamentais, de empresas e de organizações internacionais, como Ban Ki-moon, Secretário-Geral da ONU; Fatih Birol, Diretor Executivo da Agência Internacional de Energia (IEA); Amina Mohammed, Secretária-Geral Adjunta e Chefe do Grupo de Desenvolvimento Sustentável da ONU; Arjan Meijer, Presidente da Embraer Aviação Comercial; e Borge Brendem, Presidente do World Economic Forum. [2]
Um dos aspectos destacados pela ICAO foi a necessidade do aprimoramento da governança global das energias renováveis, para que se possa estabelecer consenso transfronteiriço nos espaços de tomada de decisão. As demandas da indústria da aviação reforçam as medidas para o enfrentamento dos efeitos econômicos da pandemia sobre o setor aéreo. A expectativa do setor é que a demanda por transporte aéreo irá aumentar nas próximas décadas. Consequentemente, as emissões também irão aumentar se não forem adotados mandatos obrigatórios de inclusão de novos combustíveis de aviação sustentável (SAF, na sigla em inglês Sustainable Aviation Fuel) ao combustível fóssil tradicional. Nas palavras de Fatih Birol, “os países precisam pressionar o botão da tecnologia para permitir que as novas invenções façam parte do jogo”.
Nesse sentido, a iniciativa de Biden, dentro da sua agenda Build Back Better (na tradução “Reconstruir Melhor”), prevê a criação de um crédito tarifário para a produção de SAF. O valor destinado a financiamentos de SAF é de até 4,3 bilhões de dólares. Buscam investir em pesquisas que melhorem em 30% a eficiência dos combustíveis das aeronaves. O Departamento de Energia dos Estados Unidos já anunciou mais de 64 milhões de dólares que serão destinados a 22 projetos de pesquisa de biocombustíveis para transportes.[3] Juntos o Departamento de Energia, Transporte e Agricultura assinaram um Memorando de Entendendimento que promove o chamado Sustainable Aviation Fuel Grand Challenge (Grande desafio do Combustível Sustentável de Aviação), no qual os combustíveis renováveis irão emitir 50% das emissões quando comparados aos combustíveis fósseis. A Agência de Meio Ambiente (EPA) deve ainda incorporar os SAF no programa federal de consumo de biocombustíveis (Renewable Fuel Standard) na geração de créditos, chamados de Renewable Identification Numbers (RINs).
A Administração Federal de Aviação também irá conceder 14 prêmios de bolsas de pesquisas a Universidades no valor total de mais de 3,6 milhões de dólares e mais de 100 milhões a empresas de aeronaves, entre outros projetos que visam minimizar os impactos ambientais e climáticos do setor aéreo. O Departamento de Defesa também prevê investimentos nessa iniciativa. É notável que esta ambiciosa proposta do governo Biden atenda ao compromisso multilateral do Esquema de Redução e Compensação de Emissões da Aviação Internacional (CORSIA), ao tempo em que permite parcerias bilaterais e regionais para atingir suas metas. Mesmo as empresas aéreas como Jetblue, Delta, United, American, Alaska, Southwest Airlines e empresas de logística como Amazon, FedEx, UPS, DHL e outras se comprometem com o plano governamental.
No Brasil, o Projeto de Lei 1873/2021 proposto pelo Deputado Ricardo Barros (PP-PR) encontra-se em tramitação na Comissão de Minas e Energia e, em seguida, será analisado em caráter conclusivo pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ). O objetivo do PL é estabelecer um programa federal para incentivar a pesquisa, a produção e o consumo dos biocombustíveis avançados – diesel verde e bioquerosene de aviação – no Brasil. Para tanto, inclui um consumo mandatório gradativo de biocombustíveis avançados ao óleo diesel e ao querosene de aviação de 2027 a 2030, sendo 2% no primeiro ano, acrescidos de 1 ponto percentual até chegar a 5% em 2030.[4] Emendas ao PL propõem que o percentual se mantenha em 1%, dado que o país ainda não produz esses combustíveis avançados. Também há sugestões da incorporação de uma porcentagem de biodiesel, bem como a inclusão de biometano dentro do programa.
O setor também encontra respaldo nas ações do Subcomitê Probioqav do Programa Biocombustível do Futuro – o qual congrega 15 órgãos do governo e é liderado pelo Ministério de Minas e Energia (MME). Este subcomitê visa a incorporação destes combustíveis sustentáveis de aviação na matriz energética brasileira a partir de estudos que congreguem as contribuições da academia, empresas e demais partes interessadas. [5] As reuniões do Probioqav se iniciaram este mês.
Conforme a percepção dos Estados Unidos e recomendações enfatizadas no evento da ICAO, só será possível neutralizar as emissões do setor aéreo com investimento prioritário e maciço em pesquisa e inovação de SAF. Algumas tecnologias sustentáveis do tipo drop in – ou seja, que não exigem alteração mecânica da aeronave por serem semelhantes ao querosene tradicional – já permitem hoje a produção em escala industrial e autorizam uma mistura inicial de 50% ao combustível fóssil, podendo chegar a 100% de substituição. São eles os produzidos com base em óleos vegetais, biomassa, resíduos e mesmo biocombustíveis sintéticos descarbonizados. Arjan Meijer destacou, no evento da ICAO, o compromisso da Embraer de tornar a empresa carbono neutro até 2040, o que significa tornar suas aeronaves mais eficientes e 100% compatíveis com fontes SAF antes de 2030.
A geração tecnológica seguinte incluirá ainda a utilização de hidrogênio líquido e o desenvolvimento de novas aeronaves compatíveis. O Brasil precisa aproveitar a oportunidade econômica que se descortina no mercado mundial, uma vez que possui proeminência nas pesquisas, domínio na produção de biocombustíveis, bem como abundância de matéria-prima e de recursos minerais. A recomendação é de analisar e adotar rotas tecnológicas que permitam a redução de custos operacionais e do consumo de combustível. Outras medidas disruptivas estão relacionadas à aerodinâmica das aeronaves, à eficiência de propulsão e à renovação da frota.
Os caminhos e rotas tecnológicas pelos quais cada país está estruturando seus programas de incentivos aos SAFs podem ser distintos, mas são extremamente necessárias para minimizar o impacto da aviação no meio ambiente e cooperar diretamente em fóruns internacionais sobre questões relacionadas à aviação civil e ao meio ambiente. Assim, é recomendável implementar essas políticas para propiciar uma verdadeira inovação e descarbonização do setor aéreo, alcançando voos altos e sustentáveis. [6]
[4] https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2283464.
[5] https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/despacho-do-presidente-da-republica-320067170.
[6] Texto de Laís Forti Thomaz (Doutora em Relações Internacionais (Unesp). Pesquisadora da Rede Brasileira de Hidrocarbonetos e Bioquerosene Renováveis para Aviação (RBQAV) e Professora (UFG)) e Cacia Pimentel (Doutora em Direito (Mackenzie). Pesquisadora da Rede Brasileira de Hidrocarbonetos e Bioquerosene Renováveis para Aviação (RBQAV) e do Núcleo de Estudos Globais (UFG)).
[7] Imagem de Free-Photos por Pixabay.
Como citar este artigo: Jornal UFG. Voos Altos e Sustentáveis no Futuro. Texto de Laís Forti Thomaz e Cacia Pimentel. Saense. https://saense.com.br/2021/09/voos-altos-e-sustentaveis-no-futuro/. Publicado em 16 de setembro (2021).