UFRGS
22/10/2021

Rochas expostas são o habitat do lagarto-espinhoso [1]

Analisar a extinção local dos lagartos no bioma Pampa não estava nos planos iniciais dos pesquisadores do Laboratório de Herpetologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mas foi a partir da monitoração comportamental de uma população que surgiu a hipótese: uma recente plantação de eucalipto estava diretamente relacionada à diminuição do lagarto-espinhoso (Tropidurus catalanensis) que vivia na área. Intitulado Local Extinction of Tropidurus catalanensis Caused by Plantation Forestry in the Pampas of Brazil, o estudo mostrou que a conversão de pastagens nativas em plantações de árvores exóticas pode resultar em habitats que excluem a maioria dos animais que dependem de ambientes de campo aberto, como é o caso da espécie.

Para a análise, os indivíduos da espécie foram capturados e marcados mensalmente, desde antes do plantio até depois das árvores estarem sombreando completamente os afloramentos rochosos em que a espécie habitava, no interior de Alegrete (RS). Alexis Grote Kellermann, mestre em Biologia Animal pela UFRGS e um dos autores do trabalho, afirma que, com o passar dos anos, o grupo notou que esses animais estavam mudando. “A gente começou a ver que eles passaram a ter menos volume, menos dinâmica. Percebemos que eles estavam diminuindo. A partir daí resolvemos olhar para isso analiticamente e começar a analisar os dados.”

No período de 2008 a 2011, o grupo observou que houve uma diminuição gradual no número de capturas mensais de lagartos adultos, uma tendência à diminuição da massa corporal dos bichos e, ainda, menor probabilidade de sobrevivência. Em 2013 e 2014, novas expedições foram realizadas e nenhum indivíduo foi encontrado.

Hoje os afloramentos estão desertos, então a população que tinha ali não existe mais, e a única coisa que mudou nesse meio tempo foram os eucaliptos. Em outros afloramentos que existem na volta, que não têm eucaliptos, as populações continuam.Alexis Kellermann

Causas para a extinção dos lagartos na região

Com o aumento de sombra proporcionada pela recente floresta, o ambiente deixou de ter cerca de 12 horas de incidência solar por dia e passou a ter apenas 1 hora. O estudo verificou que os répteis dependem do sol para a obtenção de energia para caçar e metabolizar o alimento. Quando a espécie não teve acesso abundante à luz, esses animais passaram a sobreviver menos.

Alexis acredita que existem outros fatores relacionados à presença da floresta que podem ter influenciado a extinção dos indivíduos que viviam lá. Uma possibilidade é que a plantação de eucaliptos pode ter alterado a comunidade de insetos dos quais os lagartos se alimentam. Outro fator que pode ser levado em consideração, mas que não foi analisado pelo estudo, é o envenenamento dos répteis causado pelos agrotóxicos utilizados no início do plantio dos eucaliptos. O grupo também apontou a hipótese de que as aves rapinantes, como os gaviões, que são predadores do Tropidurus, podem ter se multiplicado como consequência do aumento de poleiros nas árvores. “Talvez seja uma junção complexa desses fatores, mas o primordial é a baixa iluminação solar”, ressalta Alexis.

Impactos além da fauna

Segundo o Sistema Nacional de Informações Florestais, em 2013, no Brasil, as florestas de eucalipto ocupavam 8.297.535 hectares, enquanto em 2019 esse número aumentou para 9.983.95 hectares. Conforme o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Pampa é o segundo bioma menos protegido do país, com apenas 2,2% de sua área em Unidades de Conservação, o que torna a expansão da monocultura das madeiras ainda mais alarmante. As mudanças no meio ambiente geram consequências que interferem no solo, nos ciclos da água e na vida animal presente no espaço, e essas alterações acabam influenciando na riqueza, composição e estrutura da fauna e da flora desses ecossistemas.

O eucalipto é uma espécie que tem grande potencial invasor, visto que ele consome uma grande quantidade de água e causa acidificação do solo, então é natural que ela compita com a flora original do espaço em que está plantada, promovendo alterações naquele ambiente. Conforme salienta Alexis, nas proximidades da área analisada, havia dois açudes que secaram com o passar do tempo. Dessa forma, plantas menores, mais frágeis e que necessitam de água acabam tendo mais dificuldade em se manter. Ou seja, mesmo não estando na sombra das árvores de eucalipto, essas espécies sofrem a consequência da plantação só por estarem próximas a ela.

Apesar disso, o biólogo reforça que é importante não demonizar a espécie. “O eucalipto em si é uma árvore, ele está vivendo. Uma floresta de eucalipto não é de todo mal, o problema é a monocultura em larga escala em áreas que deveriam ser preservadas, daí a gente pensa, em termos do nosso bioma, o Pampa, que temos menos de 50% da cobertura original”, ressalta Alexis. O perigo em si não está nas árvores exóticas, mas sim no uso que se faz delas, na alteração que elas provocam no ecossistema.

Durante o estudo, o mais impactante para o pesquisador foi presenciar a mudança drástica na quantidade de lagartos em um dos primeiros campos que ele analisou ainda como estudante: “Foi um dos primeiros [campos] que eu vi e pensei ‘tem muito bicho aqui, tem muita vida aqui dentro’. E o impactante, pra mim, foi ver isso diminuindo num nível que eu não conseguia explicar, porque no inverno a presença da população diminuía, então o que eu via no verão era bem diferente do que eu via no inverno, mas eu conseguia acompanhar esse ciclo sazonal. Chegou um momento em que eu pensei: ‘agora parece que sempre é inverno, cadê os bichos?’. Eu demorei pra ter o click do que mudou. O que mudou é que eu estou na sombra agora.”

A pesquisa demonstra que a preservação do Pampa é de extrema importância e que a alteração dos habitats e a inserção de plantas exóticas precisam passar por análises maiores para que seja observado o impacto ambiental que a ação vai gerar naquele espaço, conforme conta Alexis. “Pensa quantas outras populações e plantas não foram afetadas porque não se olha pra isso, não se pensa nisso, não é exigido pelos órgãos de fiscalização.” Para priorizar a biodiversidade, se faz necessário compreender o quanto a ação vai alterar irreversivelmente a composição da fauna e flora, e pesquisas como essa colaboram para que essa questão permaneça em pauta. [2]

[1] Foto: Márcio Martins/Laboratório de Herpetologia.

[2] Texto de Geovana Benites.

Como citar esta notícia: UFRGS. Pesquisa investiga a extinção local de lagartos causada por plantação de eucalipto nos Pampas do Brasil. Texto de Geovana Benites. Saense. https://saense.com.br/2021/10/pesquisa-investiga-a-extincao-local-de-lagartos-causada-por-plantacao-de-eucalipto-nos-pampas-do-brasil/. Publicado em 22 de outubro (2021).

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