UFRGS
17/12/2021

Rompimento de Barragem em Mariana MG (2015) [1]

A data é 5 de novembro de 2015. Por volta das 15h30, a barragem do Fundão, de propriedade da Samarco Mineração S/A – empresa da Vale e da anglo-australiana BHP –, localizada no interior de Mariana (MG), se rompe e provoca o maior desastre ambiental do Brasil. Com o rompimento, 45 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério são imediatamente despejados no meio ambiente. Os efeitos: 19 pessoas mortas, centenas de desalojados, 41 cidades e 3 reservas indígenas atingidas.

Sobre os impactos ambientais, mesmo já se sabendo muito, ainda existem muitas perguntas sem resposta. Reunidos na Rede Rio Doce Mar (RRDM), um grupo de mais de 550 pesquisadores de 27 instituições de pesquisa tenta elucidar essas questões – dentre elas, o impacto em aves que vivem na foz do Rio Doce e nas águas marinhas próximas. Em artigo publicado no começo de novembro no periódico Science of The Total Environment, os pesquisadores concluíram que as espécies Phaethon aethereus (Rabo-de-palha-de-bico-vermelho), Sula leucogaster (Atobá-pardo) e Pterodroma arminjoniana (Grazina-de-trindade) seguem se alimentando nos mesmos lugares e dos mesmos recursos alimentares – só que essas presas agora estão contaminadas pelos rejeitos da barragem. A partir da análise de tecidos dessas aves e da comparação com dados de antes do desastre, a pesquisa apontou que os animais estão contaminados por metais pesados, como arsênio e cádmio.

“O que eu ingenuamente esperava, antes de ir a campo após o rompimento da barragem, seria que talvez isso tivesse afetado a disponibilidade de alimento para as aves, e elas teriam buscado novas áreas de alimentação”, conta Guilherme Tavares Nunes, professor do Câmpus Litoral Norte da UFRGS e pesquisador do Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos (Ceclimar) que integra o estudo. A partir da análise de três aspectos – distribuição das aves no mar, dieta e concentração de contaminantes nos tecidos das aves –, os pesquisadores perceberam que a hipótese não procedia, o que revela que essas espécies estão se contaminando pela alimentação.

“Imagina que tu vais sempre te alimentar no mesmo restaurante. Tu te serves basicamente da mesma coisa todo dia, até que chega um momento em que ou o restaurante fecha – e tu vais ter de procurar outro lugar pra comer – ou ele segue aberto e servindo a mesma comida, agora envenenada. Esse veneno é incolor e inodoro, tu não sentes nada ao comer, mas ele vai te trazer uma série de problemas a médio e longo prazos, tanto no âmbito individual como também no populacional”Guilherme Tavares Nunes

Guilherme explica que o estudo utilizou dados de dois períodos: antes do rompimento, que os pesquisadores haviam coletado entre 2007 e 2015, e depois, com informações de 2018 a 2020. Assim, foi possível obter uma comparação entre os dois períodos. “O problema, na verdade, acaba sendo muito pior [do que o esperado], porque a gente viu que essas aves seguem comendo as mesmas coisas e nos mesmos lugares, mas esse alimento agora está contaminado”, afirma. É o que se chama de armadilha ecológica: quando mudanças ambientais ocorrem de forma abrupta e, por conta disso, as espécies preferem viver em habitats de baixa qualidade.

Os dados apontam que o volume de rejeitos que chegou à área de alimentação dessas aves marinhas não foi suficiente para eliminar completamente as presas que essas espécies ingerem. “Só que a região marinha adjacente à foz do Rio Doce, comumente utilizada como área de alimentação por dezenas de espécies de aves marinhas e costeiras, foi totalmente contaminada com esses metais e, obviamente, as presas também acabam ingerindo. Ou as presas das presas, ou as presas das presas das presas. E as aves marinhas comem e se contaminam também”, afirma. Nos tecidos das aves, os pesquisadores encontraram um aumento na concentração de metais potencialmente tóxicos, como arsênio e cádmio, e uma diminuição de elementos essenciais ao metabolismo das aves, como manganês e zinco.

“Em especial no caso do arsênio, se percebe um aumento bastante acentuado entre o antes e o depois [do rompimento]. E mesmo agora, comparando entre os anos [de 2018 a 2021], a gente segue tendo um aumento gradual”Guilherme Tavares Nunes

A contaminação continua

Isso traz à tona outra questão: os ciclos de recontaminação do ecossistema. Os rejeitos da barragem desceram ao longo de três rios, o Gualaxo do Norte, o do Carmo e o Doce, desaguando na costa marinha do Espírito Santo, a 660km do local do desastre. Essa lama se espalhou pelo mar e decantou, ou seja, se depositou no fundo do oceano.

“Toda vez que chove – e naquela região o período chuvoso vai de outubro a março – o rejeito que está na calha do rio é lançado pra dentro do sistema marinho novamente. E toda vez que entra uma ondulação mais forte no mar, ou venta mais forte, aquele rejeito depositado no fundo é suspenso novamente”Guilherme Tavares Nunes

É como uma piscina suja: após colocar o decantador, um produto específico para separar a sujeira, é preciso aspirar lentamente os resíduos depositados no fundo. “Se alguém mexe [a água da piscina] com a mão, o resíduo levanta todo e a água fica turva de novo. É exatamente o mesmo processo de recontaminação que tem ocorrido naquela região”, compara o docente.

Outro ponto é que as aves marinhas atuam como vetores – não só de nutrientes, mas de contaminantes também – entre as áreas de alimentação e de reprodução. A ave vai ao mar para se alimentar e volta a uma ilha para se reproduzir. Nas ilhas, os animais deixam fezes, penas, cascas de ovos, etc., e tudo isso, aponta Guilherme, é nutriente (ou contaminante) que entra naquele ecossistema. Em resumo, contaminantes da barragem do Fundão estão sendo transportados pelas aves para ilhas como o arquipélago de Abrolhos e a ilha da Trindade, locais estudados pelos pesquisadores.

Nesses locais contaminados passam também outras espécies que migram até outras regiões do planeta, como o Alasca, o Canadá ou ilhas subantárticas, como o arquipélago de Tristão da Cunha. “É totalmente incalculável o impacto, em um segundo, terceiro ou quarto plano, do lançamento de rejeitos da barragem”, destaca o cientista. Em termos de impacto a outros grupos animais, por exemplo, Guilherme aponta que a área marinha mais afetada é local de reprodução para espécies como a baleia jubarte, a tartaruga-de-couro e a toninha (essas duas últimas ameaçadas de extinção). “E estou falando basicamente de megafauna marinha, que é a minha área de estudo, mas, quando detectamos efeitos de um evento como esse sobre os representantes da megafauna marinha, que são predadores de topo, é porque todo o restante da teia trófica já foi severamente impactado”.

O pesquisador ressalta que deveria haver um monitoramento permanente das áreas atingidas pelas próximas décadas: “Nós estamos monitorando há três anos e, para uma ave marinha que pode viver dezenas de anos, isso é apenas a fração de uma geração”. O monitoramento feito pela Rede Rio Doce Mar está previsto para ocorrer até março de 2022. Atualmente, os cientistas estão finalizando o relatório do terceiro ano de monitoramento e iniciando as amostragens referentes a esse novo período, e a previsão é de que novos dados sejam disponibilizados até maio do ano que vem. [2]

[1] Foto: Antonio Cruz/ Agencia Brasil.

[2] Texto de Mírian Socal Barradas.

Como citar esta notícia: UFRGS. Seis anos após o rompimento da barragem de Mariana, ecossistema marinho continua sofrendo os impactos do desastre. Texto de Mírian Socal Barradas. Saense. https://saense.com.br/2021/12/seis-anos-apos-o-rompimento-da-barragem-de-mariana-ecossistema-marinho-continua-sofrendo-os-impactos-do-desastre/. Publicado em 17 de dezembro (2021).

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