Jornal da USP
16/05/2022
Por Célio Bermann, professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP
Quando se pensa em fontes de energia e o que o oceano nos oferece, a primeira referência que nos vem à mente é o petróleo e o gás natural que podem ser explorados em águas profundas, como na bacia de Campos, ou em águas ultraprofundas, como o pré-sal na bacia de Santos. A essa produção nos vem também à mente os acidentes nas plataformas marítimas, acompanhados por despejos de grandes volumes de óleo, muitas vezes acompanhados por incêndios e perdas de vidas humanas, além da poluição resultante que atinge toda a biota e os ecossistemas marinhos.
Muitas vezes acidentes dessa natureza ocorrem no transporte do petróleo cru, ou dos derivados de refino, devido à desastres nas embarcações ou lançamento das cargas por motivos diversos e dificilmente apurados, como foi o caso das recentes manchas de petróleo que atingiram a costa brasileira entre agosto de 2019 e março de 2020, se estendendo por mais de 3.000 km, em 1.009 localidades de onze estados. No entanto, os mares podem também nos oferecer diversas oportunidades para que alcancemos a desejável transição energética, reduzindo a extrema dependência dos combustíveis fósseis e, consequentemente, as emissões de Gases de Efeito Estufa. Uma delas é a energia dos ventos, em que torres eólicas podem ser instaladas em regiões rasas de forma a permitir a fixação no assoalho marinho e, com isso, que elas sejam seguras e baratas. É o que se vê em grande escala no mar do Norte, em países como Alemanha, Holanda, Inglaterra e Dinamarca.
Há 36 projetos de parques eólicos marinhos (offshore) em desenvolvimento em seis estados brasileiros, Piauí (2); Ceará (7); Rio Grande do Norte (7); Espírito Santo (3); Rio de Janeiro (7) e Rio Grande do Sul (7) – com previsão de 80.000 MW (megawatts) de potência, o que corresponde a quase quatro vezes a atual capacidade eólica instalada em terra (21.000 MW, conforme dados para janeiro de 2022). Outra oportunidade é a energia maremotriz, que aproveita a alternância da altura das marés gerada pela força gravitacional que a Lua exerce sobre o nível delas. Em locais onde o desnível entre as marés altas e baixas pode alcançar de cinco a dez metros, constrói-se uma barragem que aproveita a vazão da água que passa por turbinas do lado mais alto para o lado mais baixo, aproveitando a altura da queda e produzindo energia elétrica – a exemplo das usinas hidrelétricas.
A maior usina maremotriz é a de La Rance, na costa da Bretanha, França. Ela está em operação desde 1967 com potência de 240 MW.
No litoral da Escócia está sendo construída a usina de MeyGen, com capacidade de 400 MW. No Brasil, ainda nos anos 1970, um projeto maremotriz foi planejado no estuário do Rio Bacanga, em São Luís (MA), para o aproveitamento da oscilação de sete metros existente naquele local da bacia de São Marcos – mas não foi finalizado. A energia que vem das ondas, provocada por efeitos combinados de movimentos do mar e dos ventos que se atritam com a superfície do oceano, é mais uma alternativa. É possível instalar equipamentos que aproveitam o movimento das ondas para utilizar a energia mecânica e movimentar estruturas que geram energia elétrica. O parque de ondas Aguçadoura, localizado em Póvoa de Varzim, no norte de Portugal, utiliza três estruturas cilíndricas articuladas semi-submersas, com potência de 750 kW (quilowatts).
Outro exemplo de estrutura para aproveitar a energia das ondas é a usina Wave Dragon, na Dinamarca. O protótipo em fase de ensaio possui uma capacidade de 4-7 MW cada unidade. Esta construção é composta por dois braços de 126 metros em forma de “V” que direcionam a força das ondas até o corpo central, onde a água recolhida faz girar as turbinas que geram a eletricidade. A direção e a força das ondas de cada região definem a localização da planta, seu tamanho e sua capacidade.
No Brasil, a usina piloto do Porto de Pecém, Fortaleza, Ceará, desenvolvida pela COPPE/UFRJ, utiliza a energia das ondas de uma forma diferenciada. Ela possui dois braços mecânicos com 22 metros de comprimento com duas boias de 10 metros de diâmetro nas pontas. As boias, ao serem movimentados pelas ondas, provocam a subida e a descida dos braços que acionam uma bomba para pressurizar água doce e armazená-la num acumulador conectado a uma câmara hiperbárica. A pressão na câmara equivale à das colunas d’água das usinas hidrelétricas. A água altamente pressurizada forma um jato responsável pela movimentação da turbina, que, por sua vez, aciona o gerador de energia elétrica. Essa planta tem capacidade para produzir 50 kW de eletricidade.
Além das tecnologias descritas acima, há três alternativas de aproveitamento energético no mar emergindo: a energia das correntes de marés; a energia térmica do oceano e a energia dos gradientes de salinidade ou osmótica. Enquanto a tecnologia de contenção de água das marés na energia maremotriz utiliza a subida e descida do nível das águas do mar e a energia potencial das alturas de água num reservatório, a tecnologia das correntes de marés utiliza a energia cinética (energia do movimento) das correntes que entram e saem de estuários ou baías. Engrenagens de posicionamento orientam as lâminas das turbinas na direção da corrente marítima e um gerador acoplado ao eixo da turbina fornece a energia elétrica. A primeira turbina de marés com ligação à rede elétrica foi instalada em setembro de 2003 em Kvalsundet, ao largo de Hammerfest, na Noruega, a uma profundidade de 50 metros assentada em tripés de 20 metros ancorados no fundo do mar. A turbina tem três pás de 10 metros de comprimento que giram com as marés para produzirem mais de 300 kW de eletricidade.
Já o princípio da energia térmica do oceano é explorar a diferença de temperatura entre as águas mais quentes da superfície, expostas à radiação solar, e as águas mais frias de grandes profundidades, de 800 a 1000 metros. Nessas condições a diferença de temperatura pode alcançar 20°C e a utilização de um sistema denominado Ocean Thermal Energy Conversion (OTEC) cuja energia permite o processo de dessalinização das águas e a refrigeração para armazenamento de pescado. Por fim, a energia dos gradientes de salinidade decorre de diferentes concentrações de sal na água, como quando um rio deságua em um oceano, por exemplo. Usa-se a “osmose retardada por pressão”, com água doce fluindo através de uma membrana para aumentar a pressão em um tanque de água salgada; e a “eletrodiálise reversa”, com íons de sal passando por tanques alternados de água salgada e água doce.
Apesar de todas essas possibilidades, a Agência Internacional de Energia, no estudo Ocean Power publicado em 2021, indica que o aproveitamento da energia dos mares alcançou em 2019 apenas 1,2 TWh (1,2 bilhões de kWh), o que equivale a menos de 0,1% do total de energia elétrica produzida no mundo. Estima-se que a energia dos mares cresça 33% ao ano no período 2020-2030 para que sua participação no cenário das emissões dos Gases do Efeito Estufa até 2050 seja mais significativa, alcançando 4 TWh em 2025 e 15 TWh em 2030. Para tanto, são necessárias políticas públicas que promovam ciência, tecnologia e inovação para o mundo alcançar maiores reduções de custos visando o aproveitamento em maior escala, momento que o Brasil não está sabendo aproveitar.
O Especial Oceano é uma iniciativa do Jornal da USP e da Rádio USP em conjunto com a Cátedra UNESCO para Sustentabilidade do Oceano (Instituto Oceanográfico e Instituto de Estudos Avançados) para promoção da Década do Oceano (2021-2030). Para saber mais sobre o Oceano e a Década do Oceano, visite http://catedraoceano.iea.usp.br.
[1] Foto: Tho-Ge / Pixabay.
Como citar este texto: Jornal da USP. A energia que vem dos mares. Texto de Célio Bermann. Saense. https://saense.com.br/2022/05/a-energia-que-vem-dos-mares/. Publicado em 16 de maio (2022).