UnB
07/06/2022

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Argemiro Procópio

Mudanças climáticas também resultam do custo ambiental da monocultura sojeira, da pecuária, do latifúndio canavieiro, do abuso do consumo da água, da desflorestação e da desertificação dos cerrados.

A diminuição dos recursos hídricos em várias bacias hidrográficas sinalizam perigos. A devastação do pantanal, do cerrado, da mata atlântica, dos lavrados setentrionais e da Amazônia em oito países da América do Sul se deve tanto a produção mineral quanto a pecuária e atividades do latifúndio monocultor.

A modernidade agrícola e o desenvolvimentismo de segunda mão estão cheios de idiossincrasias. A desindustrialização da pauta exportadora nacional anda de mãos dadas com a “commoditização” da economia nacional.

A bovinopirataria permitiu a países sem tradição pecuária se transformar nos maiores exportadores de calçados. O contrabando do couro deslocou a produção de sapatos e roupas fabricadas com tecido epitelial do Brasil para a China e Vietnam. O cálculo biliar bovino saído ilegalmente do Brasil abastece indústrias farmacêuticas de alta tecnologia na Europa e Ásia.

O contrabando do ouro, de metais raros e pedras preciosas essenciais às indústrias mais avançadas, deixa em seu rastro uma impagável destruição.

A desindustrialização trouxe de volta artigos supérfluos que delinearam o novo consumismo. A produção de máquinas e de automóveis abriu estradas. O “rodoviarismo” se acompanhou de intensiva desflorestação. Aliou-se a lógica da acumulação alimentada pelo capital amoral, sustentada pela mineração e queimadas que viabilizaram a produção de grãos e pastagens.

A sustentabilidade do apartheid social no derradeiro país do mundo a abolir a escravatura negra está casada com a degradação social. Ela foi arquitetada tanto por governos de direita quanto por ditos governos de esquerda. Resistente a mudanças estruturais a política ambiental brasileira nos últimos cinquenta anos se faz de camaleão. Se pigmenta de verde, amarelo ou vermelho sem mudar o corpo.

Aqui as políticas ambientais não se acompanham de programas de transferência de renda para resgatar as dívidas do sistema capitalista para com a população pobre. A existência de um pacote de leis injustas a favor da concentração da renda na elite do serviço público desmoraliza os Três Poderes.
A injusta repartição da renda agrava a crise climática. A contaminação das terras e das águas resulta da acumulação das riquezas dos donos do poder e da pobreza dos excluídos.

As mudanças epidérmicas e o continuísmo político tornam insolventes as dívidas socioambientais. Quantos hectares de florestas se queimam e quanta água se gasta na produção de 60kg de soja? Quanto se necessita para que o imposto sobre esse grão garanta o salário e mordomias, entre outros de juízes e parlamentares.

É bom perguntar quem arcará com a conta da água virtual. Os cuidados para mitigar danos oriundos da diminuição dos índices da evaporação fluvial ainda não constam nas agendas ambientais. A névoa úmida dos rios, com partículas trazidas e levadas a milênios por ventos, parece o elixir da vida e do que nela se respira.

Forças eólicas transportadoras de grãos de areia também carregam umidade. Correntes úmidas e quentes ora seguem para a parte setentrional continental, ora para o universo meridional patagônico, corredor natural para a Antártica. Ou seja, o descaso para com as questões ambientais é causa da desertificação.

*Do autor:
Amazônia: Ecologia e degradação social, 1992, Ed. Alfa e Ômega, São Paulo;
Os excluídos da arca de Noé, 2ª edição, 2005, Ed. Hucitec, São Paulo;
Diplomacia e desigualdade, 2ª edição, 2011, Ed. Juruá, Curitiba. [2]

[1] Imagem: sumx / Pixabay

[2] Argemiro Procópio Filho é professor da Universidade de Brasília e doutor em Sociologia pela Universidade Livre de Berlim, Alemanha.

Como citar este texto:  UnB. A crise ambiental e injustiças sociais. Texto de Argemiro Procópio. Saense. https://saense.com.br/2022/06/a-crise-ambiental-e-injusticas-sociais/. Publicado em 07 de junho (2022).

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