Jornal da USP
07/07/2022
Organismos marinhos que habitam as gélidas águas dos oceanos do Continente Antártico são frequentemente estudados por se adaptarem ao ambiente hostil da região e também por resistirem aos níveis altíssimos de raios ultravioleta (UV) que incidem na atmosfera. De uma expedição que ocorreu em 2015 para a Antártida, pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP coletaram e isolaram, em laboratório, compostos naturais (metabólitos secundários) produzidos por um minúsculo fungo chamado Arthrinium sp., proveniente da alga Phaeurus antarcticus. Os resultados mostraram que as substâncias bioativas, além de potencial uso como protetor solar, tinham baixa toxicidade para a pele humana, propriedades antioxidantes e menor potencial de agressão ao meio ambiente.
Segundo a pesquisa, a busca por novos compostos com capacidade fotoprotetora e de origem natural é importante porque substâncias como a oxibenzona, bastante utilizada em formulações fotoprotetoras, além de ser um potente contaminante ambiental foi relacionada a casos de dermatite de contato.
O câncer de pele é outra questão preocupante. É o tipo mais frequente na população brasileira e corresponde a cerca de 30% de todos os tumores malignos registrados no País, sendo a maioria em decorrência da elevada exposição aos raios ultravioleta, segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca).
“O sol, além de causar câncer, envelhecimento precoce e queimaduras, leva à produção de moléculas chamadas de EROs [espécies reativas de oxigênio] que são altamente oxidantes e fazem mal à saúde”, explica, ao Jornal da USP, a pesquisadora Ana Carolina Jordão. Ela é autora da dissertação de mestrado Prospecção química e estudo do potencial fotoprotetor e imunomodulador do fungo endofitico Arthrinium sp. isolado da alga Phaeurus antarcticus, realizada sob orientação da professora Hosana Maria Debonsi, do Laboratório de Química Orgânica do Ambiente Marinho da FCFRP.
Metabólitos marinhos
Segundo a pesquisadora, o ambiente marinho é um celeiro de vidas vegetais e animais, fonte riquíssima de compostos bioquímicos que, depois de isolados, apresentam aplicabilidade em diversas áreas. Possuem ações antimicrobianas, anti-inflamatórias, analgésicas, antioxidantes e antitumorais.
O gênero Arthrinium sp., estudado por Ana Carolina, vive de forma simbiótica nos tecidos da alga Phaeurus antarcticus, que cresce e se desenvolve nas águas rasas da região. Fungos desse gênero são produtores de muitos compostos naturais (metabólitos secundários) importantes, porém, ainda poucos estudados.
Ana Carolina explica que os metabólitos secundários são substâncias bioativas que os fungos e as algas agregaram ao seu organismo como mecanismos de proteção para sobreviverem às condições extremas do continente (pressão elevada, alta salinidade, baixos níveis de nutrientes e condição de alta ou baixa temperatura e alta ou baixa luz natural). Essas substâncias ainda estão associadas a relações de defesa contra o predador, à competição por espaço e alimento e à comunicação entre espécies para fins de acasalamento, caça, entre outras funções.
A pesquisa
Para o mestrado, Ana Carolina avaliou o potencial químico e biológico de dois fungos, o Epicoccum dendrobii e o Arthrinium sp., ambos isolados da alga antártica Phaeurus antarcticus, porém, somente o fungo Arthrinium sp. foi selecionado para o prosseguimento do trabalho. A pesquisadora explica que já havia uma hipótese de que ele pudesse apresentar defesa natural contra o sol, uma vez que o Continente Antártico tem uma incidência elevada de raios ultravioleta, principalmente onde se forma o buraco da camada de ozônio. Assim, na expedição realizada à Antártida, em 2015, foram coletados as algas e os fungos para a pesquisa. Em laboratório, eles foram isolados e cultivados por 14 dias em placas de Petri (recipiente de laboratório) para crescimento dos microrganismos. Em seguida, foi utilizado solvente orgânico e testes para extração e identificação dos compostos secundários de interesse da pesquisa.
Das substâncias finais extraídas do fungo Arthrinium, a que melhor absorveu a radiação ultravioleta (teve um nível médio de proteção) foi o agonodepsídeo B, que também apresentou propriedades antioxidantes e baixa toxicidade. Ana Carolina lembra que, embora o objetivo de seu estudo fosse apenas realizar as análises in vitro, ela teve a oportunidade, ao final do trabalho, de confirmar os mesmos efeitos de fotoproteção, de antioxidade e de não toxicidade em pele reconstituída (pele artificial criada a partir de retalhos de cirurgia). Os resultados dos experimentos em pele reconstituída sairão em breve em artigo científico, relata a pesquisadora.
Sobre o fato do agonodepsídeo B extraído do fungo não ter exercido potente atividade fotoprotetora, a pesquisadora diz que, se a substância for adicionada a outras formulações fotoprotetoras já existentes no mercado, o nível de proteção dessa substância aumentaria, garante.
Atualmente, Ana Carolina segue suas investigações no doutorado, porém, com novas perspectivas estudando propriedades antifúngicas de uma outra alga, a Kallymenia antarctica.
Mais informações: e-mail acjordao@usp.br, com Ana Carolina Jordão. [1]
[1] Texto de Ivanir Ferreira.
Como citar este texto: Jornal da USP. Fungo de alga encontrada na Antártida contém substâncias com potencial para proteção solar. Texto de Ivanir Ferreira. Saense. https://saense.com.br/2022/07/fungo-de-alga-encontrada-na-antartida-contem-substancias-com-potencial-para-protecao-solar/. Publicado em 07 de julho (2022).