UFRGS
22/08/2022
Pesquisadores do Programa de Pós-graduação em Microbiologia Agrícola e do Ambiente da UFRGS avaliaram os impactos da RDC 20/2011, uma normativa da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), na resistência antimicrobiana de bactérias Enterococci encontradas em alimentos. Na pesquisa, o grupo refez testes que haviam sido realizados em alimentos crus prontos para consumo em um estudo de 2007 – antes da norma – para avaliar a redução da resistência dessas bactérias aos antibióticos e ter uma base comparativa para dados futuros. Um dos resultados encontrados é de que a multirresistência antimicrobiana – quando uma bactéria é resistente a vários medicamentos – reduziu 24% entre 2007 e 2017, o que demonstra a efetividade da legislação. O artigo foi publicado na edição mais recente dos Anais da Academia Brasileira de Ciências.
Foram analisadas 30 amostras de alimentos, divididas em dois grupos: hortaliças (mandioca, beterraba, batata, batata doce, salsa, cenoura e repolho) e de origem animal (carne crua de frango, queijo colonial e requeijão) – todos adquiridos em diferentes supermercados de Porto Alegre em 2017. Os alimentos foram analisados crus para que não houvesse procedimento de descontaminação.
Nas análises, os pesquisadores obtiveram e identificaram as cepas de 310 Enterococci isoladas de vegetais e alimentos de origem animal. Após, essas cepas foram testadas para suscetibilidade antimicrobiana – ou seja, para verificar quais eram resistentes ou suscetíveis a antibióticos – e aquelas que apresentavam resistência passaram por uma avaliação genética.
A bactéria Enterococcus faecalis foi dominante na categoria de origem animal (encontrada em 82,4% das amostras), enquanto as hortaliças apresentaram mais E. casseliflavus (50,99% das amostras). A recorrência de E. faecalis em carne crua de frango se explica pela alta vulnerabilidade desses alimentos à contaminação de fezes de animais abatidos.
As cepas analisadas no estudo mais recente apresentaram maior sensibilidade aos antibióticos ampicilina, gentamicina, cloranfenicol e vancomicina quando comparados aos isolados coletados em 2007. As porcentagens de bactérias Enterococci no presente estudo que foram resistentes à ampicilina, gentamicina, cloranfenicol e vancomicina também foram menores do que na pesquisa anterior. Ao longo desses dez anos, a multirresistência diminuiu 24%, o que demonstra que houve maior controle da resistência antimicrobiana.
Como entender essa bactéria?
As bactérias Enterococci são usadas como “organismos sentinela”, a fim de identificar a resistência antimicrobiana ao longo da cadeia alimentar. Mesmo que algumas espécies sejam utilizadas como probióticos em alimentos, eles estão entre os microrganismos multirresistentes mais importantes e podem causar uma alta quota de contágio em pacientes hospitalizados ou imunocomprometidos.
A redução de Enterococci resistentes a antimicrobianos em amostras de alimentos desde 2007 revela que a RDC 20/11 teve um impacto positivo na redução da disseminação da resistência antimicrobiana no meio ambiente. Esses dados sugerem que há espaço para melhorias na segurança alimentar, ampliando os conhecimentos e as práticas nessa área.
A pesquisa destaca que intervenções que visam à racionalização do uso de antibióticos são de suma importância para impedir a disseminação de bactérias resistentes a antimicrobianos, tanto para a saúde humana quanto para a produção de alimentos. Uma das coautoras do estudo, a doutora em Microbiologia Agrícola e do Ambiente Letícia Costa é favorável à restrição desses medicamentos sem prescrição médica, alegando que o uso indiscriminado de alguns remédios pode destruir a microbiota saudável encontrada no intestino.
Ela destaca também o conjunto de estratégias criadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que combatem o aumento da resistência microbiana. Aqui no Brasil, a RDC 20/2011, por exemplo, passou a exigir retenção de receita médica para a compra de antibióticos, o que diminuiu o uso indiscriminado desses medicamentos.
Orientadora da pesquisa, a professora do Instituto de Ciências Básicas da Saúde Ana Paula Frazzon alega que tais medidas servem para garantir a manutenção desses antibióticos ao longo dos anos. “Em 2050, se continuarmos a fazer esse uso indiscriminado, não teremos antibióticos para o tratamento de infecções, como uma dor de garganta, por exemplo, porque todas as bactérias já vão estar resistentes aos antibióticos”, ressalta.
Participação do consumidor
A professora acrescenta que a população deve ser educada sobre segurança alimentar e práticas mais seguras que evitem a proliferação da bactéria estudada. Segundo ela, a pandemia ajudou nessa noção de limpeza de alimentos e maior preocupação quanto ao processo que a comida percorreu até chegar à mesa do consumidor.
Uma prática que ajuda na diminuição de riscos é o cozimento dos alimentos – uma vez fervido o alimento, os riscos de microrganismos nocivos são ínfimos. Outro aspecto importante e menos conhecido é lavar frutas e vegetais em uma mistura de água com hipoclorito de sódio. Letícia ensina que, para cada litro de água, deve-se usar duas colheres de sopa de hipoclorito. A recomendação é deixar os alimentos de molho em uma bacia por cerca de 20 a 30 minutos e, após, enxaguá-los completamente.
Para estudos futuros, Ana Paula diz que é crucial se analisarem novos testes, a fim de descobrir o impacto da pandemia no tema abordado. Ela explica que, mesmo que a covid-19 seja causada por um vírus, e não por uma bactéria, a percepção a respeito do tratamento e da contaminação dos alimentos aumentou significativamente. Além disso, no ano passado a RDC 20/2011 foi revogada e substituída pela RDC 471/2021, fazendo com que as pesquisadoras percebam a necessidade de analisar a mudança causada por essa medida. [2]
[1] Foto: Rochele Zandavalli .
[2] Texto de Gabhriel Giordani.
Como citar esta notícia: UFRGS. Pesquisa demonstra redução na taxa de resistência antimicrobiana de bactérias encontradas em alimentos. Texto de Gabhriel Giordani. Saense. https://saense.com.br/2022/08/pesquisa-demonstra-reducao-na-taxa-de-resistencia-antimicrobiana-de-bacterias-encontradas-em-alimentos/. Publicado em 22 de agosto (2022).