IPT
16/01/2023
Em operação desde o último mês de agosto, o embarque biométrico facial foi implantado inicialmente nos terminais dos aeroportos de Congonhas, em São Paulo, e Santos Dumont, no Rio de Janeiro. A tecnologia permite que passageiros de voos domésticos, partindo dos dois aeroportos, viajem sem a necessidade de apresentar o cartão de embarque e documentos pessoais.
E como se dá a identificação do passageiro? Segundo Adriano Galindo Leal, pesquisador responsável pela Seção de Inteligência Artificial e Analytics do IPT, a biometria facial consiste na identificação de uma pessoa a partir do registro das distâncias entre 80 pontos nodais do rosto. Entre estas medidas, estão o comprimento e a largura do nariz, a distância entre as pupilas dos olhos e a espessura dos lábios.
Como primeiro passo do processo, a pessoa deve ir ou acessar um órgão responsável pela coleta da biometria facial. Lá, por meio de uma câmera e software apropriados, estas medidas são capturadas em situação de iluminação e ângulo apropriados, sendo então codificadas e armazenadas em uma base de dados ou mesmo em um documento de identificação que a pessoa pode carregar.
“Posteriormente, no momento da utilização, uma vez que cada pessoa tem características únicas, este sistema permite que a identificação ocorra de maneira rápida e prática, o que se dá por meio de similaridade entre a imagem capturada pela câmera e a que foi armazenada no momento do cadastro da biometria”, explica Leal.
Em condições de iluminação e ângulo apropriados, de posse de um cadastro biométrico atualizado, trata-se de um método rápido com alta precisão e não invasivo, diz o pesquisador. Embora de velocidade levemente inferior ao da identificação digital, esta pequena desvantagem é compensada pelo fato de funcionar com pessoas que têm digitais finas, o que dificulta enormemente a sua leitura.
FERRAMENTAS DE BIOMETRIA – Além da biometria facial, existem pelo menos outros seis métodos de biometria: a já mencionada digital, a vascular, a íris (que é a parte colorida do olho), a voz, a retina (popularmente chamada de ‘fundo de olho’) e pela cadência da digitação.
“Em todos estes métodos, o que se procura é extrair características em número e em qualidade suficientes para identificação única de uma pessoa, que é feita por meio da similaridade entre o que é capturado no momento da autenticação e o que está armazenado”, afirma o pesquisador do IPT.
A biometria por impressão digital é o método mais antigo e de menor custo de implementação. É extremamente confiável, segundo Leal, e, em razão da baixíssima mutabilidade dos dados ao longo do tempo, a única possibilidade de apresentar problemas é quando as digitais se tornam mais finas, seja por conta da idade ou pelo uso de luvas cirúrgicas.
A biometria de retina é uma das mais seguras que existem: isso acontece porque a disposição dos vasos sanguíneos que irrigam a retina é única e não muda por décadas. Os meios necessários para coleta e leitura dos dados não são simples, o que dificulta a falsificação das informações: para a coleta, o usuário deve olhar para um dispositivo e uma luz infravermelha de baixa intensidade fará a leitura da retina. Embora seja muito seguro, é muito invasivo e incômodo.
A biometria usando a íris, que é a parte colorida do olho que controla a entrada de luz, é extremamente confiável porque a membrana permanece a mesma ao longo da vida. Diferentemente da biometria de retina, é bem menos invasiva e oferece muita confiabilidade, além de ser difícil de contornar – entretanto, a implementação do método é bastante cara.
A biometria por reconhecimento de voz consiste na extração de parâmetros para a criação de uma ‘assinatura’ sonora única. Tem baixo custo de implementação, mas a confiabilidade dos dados é baixa, já que qualquer ruído pode comprometer a coleta e a análise de voz. Alterações causadas por problemas de saúde ou mesmo envelhecimento também ‘derrubam’ os índices de acerto.
A biometria pelo reconhecimento da digitação é um método pouco invasivo, pois baseia-se na análise do ritmo e da cadência do usuário ao digitar. Cada pessoa tem um estilo próprio, seja pela quantidade de dedos ao digitar ou a velocidade ao digitar ou ainda a força que aplica sobre as teclas. É uma ferramenta de baixo custo, sua captação de dados não é simples e pode ser pouco confiável, já que o usuário pode mudar o estilo de digitação de forma inconsciente ou intencional.
Finalmente, a biometria vascular utiliza um sensor, que pode ser uma câmera CCD com filtro de luz visível, que irá capturar apenas o espectro infravermelho da mão de uma pessoa, diferenciando o que é tecido muscular do que são veias e capilares.
A partir do desenho formado e dos pontos específicos que serão utilizados para identificação da pessoa, esta tecnologia pode ser usada em ambientes de alta circulação de pessoas e também em locais em que é necessário manter um nível alto de higiene (salas de cirurgia e indústrias farmacêuticas, por exemplo). Este método é considerado o mais difícil de fraudar e apresenta uma rapidez de reconhecimento similar à biometria digital e superior à facial.
ATENÇÃO AOS OBJETIVOS – Cada ferramenta de biometria deve ser selecionada de acordo com o uso ao qual se destina, explica o pesquisador do IPT: “Primeiramente, é necessário investir em equipamentos que tenham boas especificações técnicas e sejam compatíveis com o uso ao qual se propõem. Se o objetivo é a identificação de uma pessoa a menos de um metro da câmera, temos uma especificação; se é objetivo é a identificação de uma pessoa ou diversas pessoas em uma multidão, será necessário elevar o padrão técnico”.
Seja digital ou outra opção, Leal chama a atenção ainda para a necessidade de treinar os funcionários que irão interagir com esta tecnologia: “Pessoas se esquecem que a Inteligência Artificial apresenta uma alta taxa de sucesso, mas não é infalível. Estes funcionários devem estar preparados técnica e psicologicamente para o momento em que a IA irá falhar, seja oferecendo outros métodos de biometria ou mesmo a liberação manual.”
Embora tenha havido um grande progresso no desenvolvimento de tecnologias de biometria facial, completa o pesquisador, ainda existem falsos positivos e falsos negativos, e não se deve tratar impropriamente as pessoas quando estas situações ocorrerem.
AVALIAÇÃO E PROTEÇÃO DE DADOS – O pesquisador do IPT acredita que a utilização da tecnologia de biometria fácil pode melhorar a segurança e tornar mais ágeis os processos de embarque nos aeroportos, mas ressalta que primeiramente – e mais importante – é a utilização correta do cadastro biométrico atualizado, com salvaguarda dos dados biométricos conforme preconizado pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Além disso, ele afirma ser necessário a publicação dos algoritmos utilizados em uma plataforma, como o GitHub, para que estes algoritmos sejam submetidos a uma avaliação e evolução constante que pode ser feita gratuitamente pela comunidade científica. E não se deve esquecer ainda que os agentes de IA que lidam com questões públicas devem ser passíveis de avaliação e escrutínio público especializado.
“Creio que deverá ser criado um órgão governamental encarregado de analisar de forma justa e imparcial a performance de qualquer agente de IA que lide com questões de segurança, acesso e saúde”, afirma ele, acrescentando ainda que parte dos problemas de discriminação digital, sejam os presentes ou os futuros, podem ser reduzidos com a existência de uma equipe com diversidade tanto no desenvolvimento quanto nos testes e na homologação.
BIOMETRIA = SOLUÇÃO DEFINITIVA? Apesar de todos os benefícios, existem ainda muitas dúvidas sobre o uso da tecnologia de biometria como a solução definitiva para questões de segurança. Segundo o pesquisador do IPT, todos os métodos de biometria são passíveis de fraudes e golpes em variados graus.
“Existem tecnologias de biometria que são muito fáceis de serem fraudadas; outras exigem uma habilidade técnica superior e algumas eu classifico como intermediárias, como a biometria facial”, afirma ele. “As mais difíceis de serem fraudados são a biometria vascular, a de íris e a de retina, mas não podemos nos esquecer de que elas também podem sofrer problemas de identificação da mesma pessoa com o passar das décadas.”
Para o monitoramento de espaços públicos, provavelmente a biometria facial ainda terá um grande uso, muito embora esta ferramenta, quando usada para identificar suspeitos de crimes, é alvo de debates em diversos países. A discussão, lembra Leal, se concentra na linha tênue que existe entre a segurança pública e a restrição da privacidade e da liberdade dos cidadãos.
Outro aspecto ressaltado pelo pesquisador é que, dada a elevada quantidade de rostos nestas bases de dados, existe a possibilidade de o sistema identificar rostos similares como sendo iguais, o que pode levar a grandes injustiças sociais. Além disso, mudanças nos rostos devido ao passar dos anos, acidentes, cirurgias plásticas e até mesmo a cada vez mais popular harmonização facial podem vir a bloquear o acesso de uma pessoa a diversos locais ou mesmo a sua conta bancária.
[1] Foto: Wikimedia Commons, CC BY-SA 3.0.
Como citar este texto: IPT. Identidade por biometria. Saense. https://saense.com.br/2023/01/identidade-por-biometria/. Publicado em 16 de janeiro (2023).