UFRGS
27/03/2023
Desde 2020 o mundo todo vem enfrentando um inimigo em comum: a covid-19, que já afetou mais de 760 milhões de pessoas e matou mais de 6,8 milhões em todo o mundo, segundo dados recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS). Publicado na Revista Virus Research, um artigo descreveu as alterações genéticas causadas pela infecção para entender melhor o perfil da doença, especificamente nos casos mais graves. Assim, o estudo pôde comparar essas alterações com um banco de moléculas e encontrou 52 novas opções terapêuticas que podem ajudar a combater a covid-19.
Intitulado “A comparative study of COVID-19 transcriptional signatures between clinical samples and preclinical cell models in the search for disease master regulators and drug repositioning candidates”, o trabalho foi realizado pelo pesquisador Henrique Chapola, do Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas – Bioquímica da UFRGS.
Ainda precisamos falar sobre Covid-19
Mesmo com o sucesso das vacinas desenvolvidas em tempo recorde, novas variantes do vírus continuam aparecendo, indicando que o coronavírus permanecerá no mundo pelo menos até um futuro próximo. Uma estratégia promissora para encontrar novos candidatos terapêuticos para a doença é investigar os mecanismos envolvidos no avanço da covid-19. Inicialmente, a pesquisa, que começou na dissertação de Henrique, iria estudar os mecanismos de regulação da expressão gênica da cofilina – proteína frequentemente investigada no grupo de pesquisa. Com a chegada da pandemia, porém, Henrique e o orientador, Fábio Klamt, decidiram analisar a assinatura genética da covid-19, ou seja, o perfil do vírus.
“Comecei a pensar que seria muito legal a gente auxiliar no enfrentamento da doença, então surgiu essa ideia”, conta o professor Fábio, que foi o 37.° caso de internação hospitalar do Rio Grande do Sul por conta da covid-19, ainda em março de 2020. “A gente tem uma lógica no laboratório de fazer muito parecido com o que o Henrique fez nesse projeto inicial [com a outra proteína], que é pegar dados públicos. Então pensamos em como direcionar os esforços para outro lado, e o Henrique topou. Ele, na verdade, fez o mestrado em tempo recorde”, orgulha-se Fábio.
No estudo, foram utilizados conjuntos de dados de expressão gênica, disponibilizados em repositórios públicos e derivados de autópsias pulmonares de pacientes que desenvolveram a forma grave da doença – o pulmão é um dos principais alvos do SARS-CoV-2. O objetivo foi encontrar os reguladores mestres, chamados de assinatura da doença, que mudam o padrão de expressão de genes como efeito da covid-19.
A partir da obtenção desses dados, foi realizada uma metanálise (método de integração de resultados de estudos independentes) para entender o efeito da infecção do vírus, ou seja, como as células daquelas amostras pulmonares estavam respondendo à infecção.
Novos caminhos para tratar a doença
Durante os primeiros meses da pandemia de covid-19 no Brasil, a hidroxicloroquina foi um dos medicamentos que mais ficou em evidência, mesmo com diversos indícios científicos da ineficácia da substância. Henrique explica que, no caso da hidroxicloroquina, nos primeiros estudos que geraram todas as questões relacionadas ao fármaco, os modelos experimentais utilizados nos testes não foram os mais adequados, pois foram utilizadas células Vero, além de procedimentos questionáveis.
Muito usada na área de virologia, a célula Vero não é a célula-alvo da doença, ou seja, ela foi utilizada para estudar o mecanismo de infecção e ainda para fazer uma seleção de medicamentos que iriam impedir a infecção ou a multiplicação do vírus. “Na nossa pesquisa, trabalhamos com a provocação de que há modelos e modelos. A gente deve sempre ter um pé atrás quando queremos já extrapolar algo que seja feito em célula para algo que seja para seres humanos”, relata Henrique. “É preciso escolher com maior cautela o modelo celular pré-clínico para que o dado obtido seja relevante. Não é que a hidroxicloroquina não funcione, ela funciona na [célula] Vero, mas a Vero não é alvo da infecção [pelo SARS-CoV-2]”, completa Fábio.
Por isso, conhecer a fisiopatologia (isto é, os mecanismos) da doença é muito importante para selecionar novas opções terapêuticas. Assim, depois de ter a descrição do vírus, Henrique comparou a assinatura genética com um banco de dados para identificar medicamentos que poderiam ser eficazes no combate ao vírus em casos graves da covid-19. Como resultado, foram encontrados 52 medicamentos já existentes que poderiam ser usados para reverter a assinatura da doença, sendo assim candidatos para mais estudos sobre novos tratamentos clínicos. Diversos fármacos integram a lista, como reguladores de humor, antifúngicos e corticoides.
“Imagina, a gente está falando de bioinformática. São bancos de dados, e o Henrique fez isso tudo às cegas: ele colocava as informações e colhia o resultado. E para nós é muito interessante que (talvez) a classe de drogas mais representativa seja a dos corticoides, que foi o primeiro remédio que a clínica mostrou que tinha certa eficácia. Então a gente soltou foguete”, celebra o professor.
O trabalho também comparou as assinaturas genéticas da covid-19 na forma grave da doença (pacientes internados com síndrome respiratória aguda grave) e nos casos leves (com dados obtidos a partir de amostras de swab nasofaríngeo colhidas via PCR em pacientes que testaram positivo, mas não necessitaram internação). A comparação mostrou semelhanças significativas entre eles, ainda que também revelasse algumas limitações na sobreposição entre dados clínicos (casos graves) e pré-clínicos (casos mais leves) da doença, destacando ainda mais a necessidade de uma seleção criteriosa do melhor modelo experimental para cada estágio da doença.
Henrique conta que todo o trabalho valeu a pena. Orgulhoso do resultado, ele aponta que esse é um pequeno mas importante passo na luta contra o vírus. “A gente tenta contribuir de alguma forma, não achamos uma cura derradeira, e isso faz parte do processo, mas tem 52 curas em potencial, e muitas delas já demonstrando o potencial de tratamento”, ressalta. Ele também reforça a importância de se seguir estudando a covid-19. “Mesmo que a gente tenha vacinação bem adiantada e os números de mortes caindo bastante, a gente não pode achar que não vai mais existir covid grave. Infelizmente, o vírus vai circular por um bom tempo”, completa. [2], [3]
[1] Foto: Flávio Dutra/ Arquivo JU 03 jun. 2020 – Durante um dos períodos mais críticos da pandemia, técnico atua processando testes para identificação de contaminação pelo SARS-CoV-2 junto à força tarefa que trabalhou no Instituto de Ciências Básicas da Saúde, da UFRGS.
[2] Texto de Geovana Benites.
[3] Publicação original: ufrgs.br/ciencia/pesquisa-descreve-as-alteracoes-geneticas-da-covid-19-e-identifica-medicamentos-eficientes-no-combate-ao-virus/.
Como citar esta notícia: UFRGS. Pesquisa descreve as alterações genéticas causadas pela covid-19 e identifica medicamentos que podem ajudar no combate ao vírus. Texto de Geovana Benites. Saense. https://saense.com.br/2023/03/pesquisa-descreve-as-alteracoes-geneticas-causadas-pela-covid-19-e-identifica-medicamentos-que-podem-ajudar-no-combate-ao-virus/. Publicado em 27 de março (2023).