Jornal da USP
21/03/2023

População nordestina de baixa renda é a mais afetada por dor de cabeça
Foto: Reprodução/Freepik

A cefaleia, popularmente conhecida como dor de cabeça, é a quinta maior causa de incapacidade no Brasil, afetando o rendimento e a qualidade de vida de quem a experiencia em longo prazo e em maiores intensidades. Para um melhor entendimento de como esse mal atinge os brasileiros, pesquisadores do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica (CPCE) do Hospital Universitário (HU) da USP estudaram os perfis socioeconômicos daqueles que sofrem com incapacidade por cefaleia  – e acabaram revelando marcas da desigualdade geográfica e social.

Os resultados, publicados em artigo na revista Headache: The Journal of Head and Face Pain, mostram que a cefaleia interfere mais no dia a dia de pessoas da região Norte e Nordeste, pardas, com baixo índice de escolaridade e menor renda. “A pessoa preta perdeu mais dias de trabalho ou estudo do que a pessoa branca. Uma pessoa da região Norte perdeu mais dias do que a da região Sudeste. E a pessoa em uma faixa de escolaridade menor também perdeu mais dias do que com a faixa de escolaridade maior. Isso mostra que existe uma desigualdade socioeconômica geográfica no Brasil que impacta a incapacidade por cefaleia”, explica ao Jornal da USP o pesquisadorArão Belitardo de Oliveira, pós-doutorando do CPCE sob supervisão de Alessandra Goulart e de Isabela Bensenõr.

Entre os motivos para esse perfil tão marcante, Oliveira destaca a falta de um protocolo nacional para o serviço de saúde receber o paciente que relata dor de cabeça, além da defasagem de hospitais e clínicas especializadas. “No Sudeste, você tem muito mais pessoas com plano de saúde e acesso a centros especializados. A especialidade que trata a cefaleia é a neurologia. Como há menos ambulatórios especializados no Norte e no Nordeste, lá a incapacidade por cefaleia teve maior impacto, com a maior prevalência de pessoas com o problema”, diz. A incapacidade é definida pela impossibilidade de desempenhar ações cotidianas e deve ser analisada de acordo com sua prevalência e a duração da dor.

O pesquisador também alerta para a subnotificação e o tratamento inadequado de casos de cefaleia. “Muitas pessoas têm cefaleia crônica mas não sabem. Consequentemente ela é subtratada porque se a pessoa não sabe, vai tratando com qualquer remédio achado na farmácia ou que a amiga tem na bolsa. Isso faz com que além de ser subtratada, ela seja mal tratada”, explica. De acordo com a Sociedade Brasileira de Cefaleia (SBCe), estima-se que 15% da população no País sofra com migrânea (a famosa enxaqueca) e 13% com a cefaleia tensional, relacionada à tensão, ansiedade e estresse.

Além do custo para a qualidade de vida da população, os impactos negativos da incapacidade podem ser sentidos na economia. Estima-se que R$ 67 bilhões são perdidos anualmente de maneira indireta, seja por conta de faltas no expediente ou por produtividade reduzida do trabalhador. Os custos diretos ainda precisam ser levantados. Os dados foram obtidos de outro estudo do pesquisador, em que se investigou as indiretas consequências econômicas da cefaleia. Oliveira destaca a total ausência de orçamento para possíveis programas de conscientização e acolhida desses pacientes. “É isso que é importante frisar: estamos falando de uma doença que gera um impacto econômico, além do pessoal. Ambos são subestimados e negligenciados atualmente. Você não vai ter tratamento e você não vai ter um diagnóstico porque a cefaleia não está no radar das prioridades de saúde do País”, diz o pesquisador.

A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019, feita pelo Ministério da Saúde, foi utilizada como base. “Nós extraímos e separamos as variáveis de interesse que eram os dados socioeconômicos e as principais causas de incapacidade. As causas estavam dentro de uma pergunta sobre faltas no trabalho, escola, lazer e nas atividades diárias por algum motivo de doença”, explica o pesquisador. Na ocorrência das faltas, o entrevistado tinha uma lista de 14 grandes grupos de doenças para escolher o motivo que melhor se encaixava em seu caso, um deles a cefaleia ou enxaqueca. Contudo, Oliveira alerta para as limitações e falta de informações sobre os impactos diários causados pela incapacidade por cefaleia. Apesar da PNS ser uma amostra significativa da população, com quase 200 mil entrevistados, ela se baseia em relato pessoal, e não diagnóstico profissional, o que pode levar a distorções em seus resultados.

A ausência de uma especificação sobre qual tipo de dor de cabeça presente também prejudica a quantificação desses dados. “O que é enxaqueca e o que é uma dor tensional? O que é cefaleia em salvas, que é bem raro, mas mais impactante até do que a enxaqueca? Não existe essa distinção na pesquisa. Por ser a mais prevalente no Brasil, consideramos que ela tenha uma maior participação nesses resultados”, diz Oliveira.

Um artigo descrevendo o estudo, Socioeconomic and geographic inequalities in headache disability in Brazil: The 2019 National Health Survey, foi publicado na revista científica Headache: The Journal of Head and Face Pain.

Mais informações: e-mail araoliva@gmail.com, com Arão Oliveira [1], [2]

[1] Texto de Camilla Almeida.

[2] Publicação original: https://jornal.usp.br/ciencias/populacao-nordestina-de-baixa-renda-e-a-mais-afetada-por-dor-de-cabeca/.

Como citar este texto: Jornal da USP. População nordestina de baixa renda é a mais afetada por dor de cabeça.  Texto de Camilla Almeida. Saense. https://saense.com.br/2023/03/populacao-nordestina-de-baixa-renda-e-a-mais-afetada-por-dor-de-cabeca/. Publicado em 21 de março (2023).

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