Jornal UFG
26/05/2023

Estudo investiga modos de se vestir das mulheres Inỹ Karajá
MỸRANI (Museu Goiano Professor Zoroastro Artiaga (MUZA), Goiânia/GO). Foto: Hawalari Coxini e Rafaella Coxini (2022)

A pesquisa de doutorado Os modos de vestir das mulheres Inỹ Karajá na contemporaneidade: origem, tradição e invenção, da pesquisadora Indyanelle Marçal, iniciada em 2019, tem a intenção de refletir sobre os “sentidos” [significados, ideias] atrelados às formas de vestimenta das mulheres indígenas Karajá, considerando tanto os vestires tradicionais quanto os vestires não indígenas. O estudo resgata a origem e o contexto histórico-cultural da relação entre os povos nativos com a ocupação urbana ocidental.

A doutoranda do Programa de Pós-graduação em Arte e Cultura Visual (PPGACV/UFG) possui experiência em estudos sobre vestimenta, incluindo a participação no INDUMENTA: dress and textiles studies in Brazil, grupo da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás (FAV/UFG). Ela afirma que a pesquisa é “transformadora” e “um desafio” por envolver questões metodológicas interculturais.

Povo à beira d’água

O povo Karajá é formado por habitantes seculares das margens do rio Araguaia. O nome Inỹ significa “nós” em sua própria língua, o inỹrybè. Já, o termo “Karajá” tem origem na língua Tupi e se aproxima do significado de “macaco grande”. Foi uma grafia oficializada por meio dos relatos etnográficos de Fritz Krause em 1908, não sendo a nomenclatura original.

Segundo o Instituto Socioambiental — organização sem fins lucrativos que busca defender os bens e os direitos relativos ao meio ambiente e aos povos originários —, houve pelo menos duas frentes nas quais os Karajá tiveram contato com o restante da civilização, ambas expedições de bandeirantes. A partir daí, a relação do grupo junto à sociedade nacional se manteve.

Atualmente, conforme dados disponibilizados pelo projeto de Indyanelle e coletados pelo Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI), em 2020, a população estava distribuída em 27 aldeias que se estendiam pelos estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso e Pará. No total, são, hoje, 3768 pessoas (SIASI/SESAI, 2014).

Suspiro em terra arrasada 

A autora do trabalho ressalta pelo menos três fatores que a impulsionam na realização da tese. O primeiro deles foi a ausência da temática indígena na matriz curricular da estudante durante a sua própria formação no curso de Design de Moda, aspecto que se repete em várias instâncias do ensino superior. O segundo motivo é a quantidade incipiente de estudos no campo da indumentária indígena. E, em terceiro lugar, a importância de se pesquisar temas voltados para grupos marginalizados historicamente.

De acordo com ela, a maneira pela qual alguém se veste é uma forma de comunicação, isto é, uma linguagem vinculada ao corpo na qual estão contidos elementos da cultura, da sociedade, da história e até mesmo de condições climáticas. Vestir-se produz significados.

Para a pesquisadora, o estudo tem sido “uma autorreflexão sobre [suas] próprias concepções muitas vezes naturalizadas como mulher”, ainda mais “diante de uma estrutura acadêmica a qual ainda possui como base o pensamento ocidental moderno”.

A orientadora da pesquisa, professora Rita Morais de Andrade, salienta: “foi necessário conduzir as etapas da coleta de dados com bastante atenção e cuidado às necessidades das mulheres participantes. Indyanelle foi muito zelosa dos aspectos éticos da investigação e isto teve um impacto positivo”.

Nós que se entrelaçam em Inỹ 

A colaboração entre indígenas e não-indígenas é um ponto de destaque no trabalho, conforme aponta Rita Andrade. Tanto que, um dos desdobramentos da pesquisa foi a exposição digital Ixitkydkỹ: um olhar sobre os vestires tradicionais das mulheres Inỹ Karajá. Uma rede extensa de profissionais esteve em volta da iniciativa: da curadoria de objetos — selecionados a partir do acervo do Museu Goiano Professor Zoroastro Artiaga, em Goiânia —, à identidade visual, direção, fotografia, tradução e produção de texto, sem contar as filmagens.

Ao carregar o nome de Ixitkydkỹ [vestir na língua materna dos Inỹ], o site da exposição aproxima o público, principalmente não-indígenas da etnia Karajá. Ao longo da página, são encontrados fotografias e vídeos de penteados, adereços, ornamentos, entre outros acessórios, tudo acompanhado por suas devidas descrições físicas, contextos de uso, faixa etária, gênero, matérias-primas aplicadas na confecção e dimensões. As fotos são de autoria de Hawalari Coxini, Rafaella S.Coxini Karajá e Juanahu Inỹ.

A exposição é dinâmica e acessível, contando com relatos gravados os quais poderão ser ouvidos pelo público com deficiência visual e até mesmo jogos interativos — organizados por Bárbara Freire (coordenadora da exposição) e Vitória Avelar. Um elemento de destaque é que o texto de apresentação do site pode ser lido no idioma do povo originário, com a tradução de Sinvaldo Oliveira (Wahuka).

Outro desdobramento, e, para além das atividades técnicas, e que foi possível com o apoio de organizações e outras entidades, como o Instituto Precisa Ser e a grife de moda FARM, foi o curso Vestires Plurais das mulheres Inỹ Karajá, ofertado na modalidade de Ensino à Distância (EaD), e realizado em agosto de 2022.

LEGENDAS

1. KUÈ: objeto feito com penas de arara nas cores preta, amarela e vermelha, dispostas em forma de roseta de plumas, presas a uma tira de madeira a partir da cera de abelha. Apresenta no centro um dente de mamífero capivara. objeto usado em par nas orelhas (uma unidade de kuè em cada orelha), similar a brincos.

2. MỸRANI: objeto usado por homens e mulheres feito com linha de algodão e miçangas em formato retangular, com grafismos que podem aparecer nas cores amarela, vermelha, preta, branca ou azul; similar a um colar. Na parte inferior do adorno há sementes da árvore de aguaí (Thevetia peruviana) de cujo interior pendem rosetas de penas de arara. Possui cordel de algodão para amarrar o objeto no pescoço. O seu tamanho varia conforme a idade do indivíduo. O colar da imagem forma padrões do grafismo denominado Koékoé, produzido na Ilha do Bananal/TO, pela artesã Iracema Karajá e doado ao Museu Goiano Professor Zoroatro Artiaga em 2004.

3. Haru bdè: ritual chamado Haru bdè, relativo a primeira menstruação da moça. Nome da moça: Wekuka M. Inỹ.

4. TUÙ: Um dos adornos tradicionais mais representativos dessas mulheres, utilizado no quadril, a partir de uma amarração, similar a tanga. Ele é feito de entrecasca de árvore com grafismos de cor preta. O da imagem apresenta padrões do grafismo denominado Narihi rurti. A palavra tuù, pode ter variações de acentuação de acordo com as aldeias, alguns chamam de tùù e outros de tuu.

5. WLAIRI E DEKOBUTÈ: objeto em formato circular na cor vermelha, confeccionado com fios de algodão e tingido com urucum. Feito com uma agulha de metal a partir de uma técnica similar ao crochê, formando uma faixa estreita, onde está localizado dois miolos de pingentes em forma de franjas do mesmo material nas duas extremidades. Ele é usado em par na perna abaixo dos joelhos (uma unidade de dekobutè em cada perna). Usado em conjunto com um par de wlairi. O wlairi é feito com fios de algodão na cor vermelha, confeccionado segundo a técnica de passamanaria, presas a cordel para amarração na parte superior e solto na parte inferior, tingido com urucum. Apresenta um conjunto de franjas de pingentes, formada por fios do mesmo material e usado abaixo do dekobutè.

6.DEXI e DEXIWERAU: objeto usado em par nos punhos (uma unidade de dexi em cada punho), similar a braceletes. Ele é estruturado em formato cilíndrico, feito de fios de algodão na cor vermelha, tingido com urucum. Em sua confecção utiliza-se uma agulha de metal a partir de uma técnica similar ao crochê. Apresenta um cordão em cada uma das extremidades. Ele pode ser usado juntamente com outros 3 adornos, no caso desa imagem ele está sendo usado com o dexiwerau, que é um objeto feito com fios de algodão na sua cor natural, presas a cordel para amarração na parte superior e solto na parte inferior com um conjunto de pingentes, formados a partir de fios do mesmo material que sustentam miçangas na cor branca, sementes da árvore aguaí (Thevetia peruviana) e penas de arara nas cores amarela, vermelha, azul e verde. [1], [2]

[1] Texto de Pedro Augusto (Estagiário de jornalismo FAV)

[2] Publicação original: https://jornal.ufg.br/n/169737-estudo-investiga-modos-de-se-vestir-das-mulheres-in-karaja.

Como citar este texto: Jornal UFG. Estudo investiga modos de se vestir das mulheres Inỹ Karajá.  Texto de Pedro Augusto. Saense. https://saense.com.br/2023/05/estudo-investiga-modos-de-se-vestir-das-mulheres-iny-karaja/. Publicado em 26 de maio (2023).

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