Claudio Macedo
27/07/2023
A creche originalmente foi concebida como um local em que mães podiam deixar as crianças pequenas para poderem ir trabalhar.
Atualmente, creche, também chamada de berçário, maternal e outras denominações, é entendida como um espaço de socialização, de apropriação de conceitos pedagógicos e capaz de promover o desenvolvimento cognitivo das crianças.
Esse entendimento foi responsável por colocar a matrícula em creche como uma das metas do Plano Nacional de Educação (PNE) para o decênio 2014 a 2024. A meta estabelecida no PNE é que até 2024 pelo menos 50% das crianças brasileiras de 0 a 3 anos estejam frequentando creches.
Segundo o último relatório do PNE, em 2019 apenas 37% das crianças brasileiras de 0 a 3 anos estavam matriculadas em creches e, somente os estados de Santa Catarina (52,4%) e São Paulo (50,7%) tinham alcançado a meta prevista para 2024.
O crescimento médio das matrículas em creches, no Brasil, entre 2015 e 2019, foi de 21,7%. A meta do PNE de 50% até 2024 mostra-se factível de ser alcançada. Só precisamos de um pouco mais de esforço dos gestores municipais, principais responsáveis pela implantação e manutenção de creches.
Alguns estados estão com percentuais de matrícula em creche abaixo de 20%: Rondônia (15,9%), Amazonas (14,1%), Amapá (13,1%) e Roraima (11,8%). Esses precisam de muito mais esforço.
Sergipe está abaixo da média brasileira, mas as matrículas vêm crescendo de forma consistente: entre 2015 e 2019 evoluíram de 25,9% para 31,8%, significando um crescimento de 22,8% no período.
Analisando os percentuais de crianças de 0 a 3 anos matriculadas em creches em 2015, 2017 e os percentuais de alunos de 7 anos de idade em níveis aceitáveis de alfabetização, respectivamente em 2019, 2021, observa-se uma conexão que se destaca: estados com maior percentual de matrícula em creches em um dado ano tendem a ter, 4 anos após, maior percentual de alunos em níveis aceitáveis de alfabetização.
Essa conexão pode ser expressa em termos de um parâmetro estatístico chamado de coeficiente de correlação (ρ) [2]. Quando uma grandeza cresce e outra também cresce, dizemos que elas são grandezas com ρ positivo. Se uma grandeza cresce e a outra decresce, dizemos que elas têm ρ negativo. Finalmente, se uma grandeza cresce enquanto a outra não mostra tendência de crescimento, nem de decrescimento, dizemos que o coeficiente de correlação entre elas é nulo.
O ρ positivo varia de um valor maior do que 0 até 1, e o ρ negativo varia de um valor menor do que 0 até -1. O coeficiente positivo ρ = 1 é o caso máximo: sempre que uma das grandezas cresce a outra também cresce, sem exceção. Valor de ρ entre 0 e 1 significa que alguns valores de uma das grandezas não crescem enquanto os correspondentes da outra crescem. Interpretação semelhante pode ser feita para o ρ negativo.
Na tabela abaixo podemos observar os dados de matrícula em creche em 2015 e de alfabetização em 2019 nos estados brasileiros. A maioria dos estados que apresentam percentuais de matrícula acima da média brasileira também mostram taxas de alfabetização acima da média, com exceção de Rio Grande do Norte (RN) e Mato Grosso do Sul (MS), destacados em amarelo, que apresentam, em creche, percentuais maiores que a média do Brasil, mas possuem taxas de alfabetização inferiores à média. A interpretação para isso é que nesses estados o processo de alfabetização está mais deficiente que a da média dos estados brasileiros. Por outro lado, também existem dois casos, Distrito Federal (DF) e Goiás (GO), destacados em verde, com matrículas em creche abaixo da média brasileira, mas com taxas de alfabetização acima da média. Claramente DF e GO têm processos de alfabetização acima da média dos estados brasileiros. A tabela, mesmo levando-se em conta as exceções dos quatro estados citados, mostram que existe uma correlação positiva entre matrícula em creche e taxa de alfabetização. O coeficiente de correção calculado é ρ = 0,65. Esse resultado indica haver uma correlação positiva muito relevante.
Na tabela a seguir, com os dados de matrícula em creche em 2017 e de alfabetização em 2021 nos estados brasileiros, é possível observar dois fatos relevantes: primeiro, o trágico efeito da pandemia nos índices de alfabetização: a média brasileira de crianças de 7 anos de idade em níveis aceitáveis de alfabetização em 2021 caiu para 39% (foi 55% em 2019); segundo, a correção entre os percentuais de crianças matriculadas em creches em 2017 e as taxas de alfabetização em 2021, continuou muito relevante, ρ = 0,60, mesmo com o efeito nefasto da pandemia na alfabetização das crianças. Nessa tabela os destaques em cores têm a mesma interpretação da tabela acima.
Diante dessas evidências de haver importante correlação entre taxas de matrícula em creches e índices de sucesso em alfabetização das crianças, podemos concluir que todo o empenho do gestor municipal para aumentar significativamente as matrículas em creche será plenamente recompensado pela constatação do dever cumprido, certo de que crianças devidamente alfabetizadas terão acesso a um futuro muito mais promissor. [4]
[1] Fonte dos dados de creche: Inep/MEC. Relatório do 4º ciclo de monitoramento das metas do Plano Nacional de Educação (2022)
[2] Coeficiente de correlação calculado através da Função Pearson do Microsoft Excel
[3] Fonte dos dados de alfabetização: Inep/MEC. Saeb 2019 e 2021 (estudantes nos níveis 5 a 8 da escala de proficiência em Língua Portuguesa)
[4] Artigo relacionado: Claudio Macedo. A alfabetização interrompida. Saense. https://saense.com.br/2023/03/a-alfabetizacao-interrompida/. Publicado em 30 de março (2023)
Como citar este artigo: Claudio Macedo. A relevante relação entre matrícula em creche e o sucesso na alfabetização. Saense. https://saense.com.br/2023/07/a-relevante-relacao-entre-matricula-em-creche-e-o-sucesso-na-alfabetizacao/. Publicado em 27 de julho (2023).