Embrapa
10/08/2023

Os desafios da bioeconomia na Amazônia
Foram desenvolvidos mais de 200 tecnologias relacionadas a 50 cadeias produtivas que viabilizam a agricultura sem desmatamento. Foto: Ronaldo Rosa

Pela primeira vez governos e sociedade civil dos oito países amazônicos estão engajados em um processo integrado e convergente de diálogo sobre quais políticas de Estado são necessárias para tornar a bioeconomia baseada na biodiversidade o principal vetor do desenvolvimento inclusivo e sustentável da região.

No Brasil, dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e da Embrapa constataram que as políticas promovidas ao longo dos últimos 70 anos resultaram na conversão de cerca de 20% e na degradação de outra parte considerável (38%) do bioma devido ao uso do fogo. O resultado foi a geração de benefícios econômicos para poucos, enquanto se manteve o paradoxo amazônico de imensa riqueza ambiental com grande parte das populações rurais e urbanas vivendo em condições de pobreza e dependentes de programas governamentais de complementação de renda. O Amapá é um caso emblemático com 73% de áreas especialmente protegidas e 57% da população inscrita no CadÚnico do governo federal.

As discussões atuais convergem para o fortalecimento da cooperação com a construção de uma agenda de ações e políticas voltadas para inclusão produtiva que proporcione aumento da renda e qualidade de vida aos mais de 28 milhões de habitantes da bacia Amazônica, em consonância com a conservação e uso sustentável dos recursos naturais e da biodiversidade desta região. A realização da Cúpula da Amazônia é de vital importância porque nos últimos anos houve rápido avanço do desmatamento. Ao mesmo tempo, verifica-se a aceleração das mudanças climáticas globais com impactos já percebidos no meio ambiente e na vida das comunidades rurais e urbanas, com riscos de alterações irreversíveis no bioma Amazônia.

É neste contexto que se insere a Embrapa, que vem atuando nos últimos 50 anos de forma cooperativa com os governos estaduais e municipais e com os diferentes segmentos produtivos nos setores agropecuário, florestal e agroindustrial. A Embrapa possui nove centros de pesquisa na Amazônia Legal com um total de 1.098 empregados, sendo 289 pesquisadores, dos quais 86% com doutorado. Estes centros de pesquisa também contam com 97 laboratórios especializados em análise nas áreas agrícola, pecuária, florestal e de clima. O orçamento investido pela Embrapa na Amazônia Legal, em 2022, foi de R$ 477 milhões, com um retorno social de R$ 895 milhões anuais e geração de mais de 4 mil empregos pela adoção de suas tecnologias em 9,47 milhões de hectares em propriedades com atividades agropecuárias, em atividades de uso sustentável dos recursos florestais, em reservas extrativistas e terras indígenas.

Com foco na segurança alimentar e geração de renda para cerca de 700 mil produtores familiares existentes na Amazônia Legal, foram desenvolvidas mais de 200 tecnologias relacionadas a 50 cadeias produtivas que viabilizam a transição da agricultura de derruba e queima para a agricultura sem desmatamento. Essas tecnologias incluem desde sistemas agroflorestais com espécies nativas (açaí, cacau, cupuaçu, pupunha, castanha-do-brasil e outros) e sistemas de produção com café e fruteiras (abacaxi, açaí, banana e maracujá) e já contribuem para a inserção produtiva de dezenas de milhares de produtores familiares na Amazônia.

Um exemplo de adoção de tecnologias que valorizam a floresta em pé é o manejo de açaizais nativos, tecnologia adotada em mais de 84 mil hectares. Uma família extrativista com manejo de 15 hectares de açaizais nativos consegue gerar renda bruta anual superior a 37 mil reais com a remuneração da mão de obra familiar e comercialização dos frutos de açaí. A área potencial de expansão desta tecnologia é de um milhão de hectares e 200 mil propriedades rurais.

Também foram geradas tecnologias para recuperação de áreas degradadas e intensificação sustentável dos mais de 55 milhões de hectares de pastagens existentes e que respondem por mais de 80% da área desmatada no bioma Amazônia. Essas tecnologias transformam a monocultura com espécies de gramíneas exóticas em pastagens biodiversas associadas com leguminosas nativas do Brasil, as quais em associação com bactérias nativas nos solos se tornam biofábricas naturais para a fixação biológica de nitrogênio abundante na atmosfera, eliminando a necessidade de uso de fertilizantes importados e de alto custo. Isso permite manter pastagens produtivas ao longo de década com taxas de lotação de até 3,5 cabeças por hectare (três vezes a média brasileira), encurtando o ciclo de produção e reduzindo em até 36% as emissões de gases de efeito estufa.

Neste contexto, reverter o atraso tecnológico e aumentar os índices de produtividade da agricultura familiar e de outros públicos em situação de vulnerabilidade com as tecnologias já disponíveis é uma forma de reduzir a pressão sobre o desmatamento e as desigualdades sociais no curto prazo garantindo espaços de reprodução social e inclusão socioprodutiva. Por outro lado, existe um universo a ser explorado, como revela estudo recentemente publicado por pesquisadores da Embrapa, onde se estima que 54% das áreas de terra firme do bioma ainda não foram pesquisadas. Logo é imperativo a valorização e o fortalecimento do ecossistema de educação, ciência, tecnologia e inovação já estabelecido na Amazônia que conta com 18 universidades, 9 Institutos Federais e 5 Instituições de Pesquisa e mais de 300 campi espalhados em 166 municípios.

Os caminhos para o florescimento de uma bioeconomia inclusiva na Amazônia passam necessariamente por investimentos públicos robustos em ciência, formação de capital humano e infraestrutura.  Ao mesmo tempo, essa é a estratégia capaz de mobilizar os atores privados em um processo de engajamento em torno de políticas de Estado visando, por um lado, o manejo florestal de uso múltiplo, a restauração produtiva e o pagamento por serviços ambientais para a valorização econômica de áreas especialmente protegidas compatíveis com o uso sustentável (reserva legal, unidades de conservação, terras indígenas), e, de outro, a intensificação sustentável e inclusiva embasada na descarbonização e certificação sanitária e ambiental das cadeias produtivas agropecuárias nos cerca de 20% da Amazônia já desmatada.

Finalmente, o futuro da Amazônia exige atenção a dimensão social com a valorização do trabalho, dos conhecimentos, dos territórios e da cultura dos povos da floresta. [1], [2]

[1] Texto de Silvia Massruhá (Presidente da Embrapa), Ana MCEuler (Diretora de Negócios da Embrapa), Clenio Pillon (Diretor de Pesquisa e Inovação da Embrapa) e Judson Valentim (Presidente do Portfólio Amazônia da Embrapa)
Diretoria Executiva da Embrapa

[2] Publicação original: https://www.embrapa.br/en/busca-de-noticias/-/noticia/82642540/os-desafios-da-bioeconomia-na-amazonia?link=agencia

Como citar este texto: Embrapa. Os desafios da bioeconomia na Amazônia.  Texto de Silvia Massruhá e outros autores. Saense . https://saense.com.br/2023/08/os-desafios-da-bioeconomia-na-amazonia/. Publicado em 10 de agosto (2023).

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