UFPR
11/12/2023

Biorrefinarias integradas permitem que usinas de cana-de-açúcar usem ao máximo o bagaço e criem produtos derivados
Estudo leva para a produção de etanol de cana-de-açúcar o conceito de cadeia de subprodutos que é típico da indústria de refino de petróleo. Foto: Corinna Schenk/Pixabay

O bagaço de cana-de-açúcar é um dos principais rejeitos das usinas do setor sucroenergético, ramo que produz álcool, etanol e açúcar. Sendo o Brasil o maior produtor de cana do mundo, é de interesse do país que essa agroindústria possa se desfazer do bagaço sem criar mais problemas ambientais — tais como a poluição e as cinzas que resultam da queima para produção de energia para a própria usina, um reúso comum do bagaço.

É nessa linha que uma pesquisa da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que foi vencedora do Prêmio Capes de Tese 2023 na categoria “biotecnologia”, desenvolveu uma estratégia para aumentar a produtividade das usinas de etanol ao pré-tratar o bagaço com um novo solvente verde — o imidazol —, fazendo crescer, assim, a possibilidade de extrair o máximo de produto do bagaço.

A proposta da tese envolve o aprimoramento das usinas por meio da integração com biorrefinarias, que são instalações que possibilitam transformar uma biomassa, que é uma matéria-prima orgânica vegetal ou animal, caso do bagaço de cana, em outros produtos, geralmente um biocombustível.

No caso, o foco do pesquisador Kim Kley Valladares Diestra, do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia (PPGEBB) da UFPR, foram nas possibilidades das biorrefinarias lignocelulósicas, que são as voltadas a transformar a biomassa que contém as substâncias dos rejeitos das usinas de cana — resíduos ricos em celulose, hemicelulose e lignina (tipos de polímeros naturais).

A preocupação da pesquisa, que foi orientada por Luciana Vandenberghe e co-orientada por Carlos Soccol, foi incrementar a produção de novos materiais e de energia que sejam capazes de reduzir a dependência de combustíveis fósseis e, ao mesmo tempo, transformar um resíduo industrial em produtos úteis. Ambas são questões estratégicas para as indústrias interessadas em reduzir seu impacto no meio ambiente.

A biorrefinaria lignocelulósica integrada descrita na pesquisa é uma usina de produção de biomoléculas de primeira geração, como o etanol a partir de cana de açúcar, em que os resíduos — em sua maioria biomassas lignocelulósicas — seriam reaproveitados para a produção de novas moléculas de segunda geração, criando desse modo uma usina integrada de produção de biomoléculas de primeira e segunda geração.

Com a meta de aproveitamento máximo do bagaço da cana-de-açúcar, as biorrefinarias lignocelulósicas integradas apresentam processos ecologicamente sustentáveis, além de proporcionarem uma maior diversidade de bioprodutos — diferentes biomoléculas de alto valor agregado —, como enzimas e prebióticos.

Em outras palavras, as novas moléculas teriam possibilidades de usos diversos nessa e em outras indústrias, o que aumentaria a rentabilidade do setor e reduziria a quantidade de lixo industrial. O conceito de implementação de biorrefinarias apresentado na tese foi inspirado nas refinarias de petróleo, cujo modelo industrial aproveita a co-geração de produtos e subprodutos com valor agregado.

“O reaproveitamento de subprodutos está atrelado ao conceito de biorrefinaria e bioeconomia circular em processos sustentáveis, em que resíduos tornam-se novos produtos para diferentes aplicações industriais na área farmacêutica, de alimentos, agricultura e pecuária, em bioenergia e tratamento de efluentes”, explica a professora Luciana Vandenberghe à revista Ciência UFPR.

Imidazol é catalisador versátil de processos químicos

Os resultados da tese mostraram o grande potencial do imidazol como nova estratégia de pré-tratamento do bagaço de cana para gerar produtos de valor agregado. O trabalho alcançou a produção de três biomoléculas de médio e alto valor agregado: etanol de primeira e segunda geração; xilooligossacarídeos considerados prebióticos com alto potencial e complexos enzimáticos ricos em xilanases.

Valladares Diestra explica que as enzimas coproduzidas podem ser utilizadas no setor energético e alimentar, enquanto os prebióticos de natureza xilooligossacarídeo têm grande potencial na indústria alimentar e na farmacêutica.

“Nossa pesquisa mostra alguns dos caminhos que podem ser adotados para um desenvolvimento mais sustentável. Procuramos a revalorização de resíduos produzidos em grande volume no Brasil, que normalmente são queimados gerando mais gases de efeito estufa, e que podem ser utilizados com o objetivo de obter produtos de maior valor agregado e gerados com processos mais sustentáveis”, destaca.

A tese resultou no depósito da patente “Pré-tratamento de bagaço de cana com a utilização, reciclagem e reuso de imidazol para a obtenção de açúcares fermentáveis”, que está em processo de reconhecimento pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi). Os pesquisadores mantêm parceria com a Superintendência de Parcerias e Inovação (SpIn) da UFPR para que a inovação chegue ao uso industrial.

“O reconhecimento da Capes nos anima a seguir pesquisando o desenvolvimento completo da nossa tecnologia. No pós-doutorado, uma das minhas linhas de trabalho continua sendo a otimização do processo desenvolvido no doutorado”, diz o pesquisador.

Desafio dos solventes verdes é serem vantajosos em escala industrial

Entre os solventes que têm sido pesquisados para melhorar a hidrólise (dissolução em água) da biomassa lignocelulósica, um processo necessário para que as substâncias da biomassa sejam aproveitadas, destacam-se os solventes “verdes”.

Alguns desses solventes mostram potencial em laboratório, mas ainda enfrentam o alto custo de produção, o que inviabiliza a aplicação em escala industrial .

O solvente utilizado na pesquisa, o imidazol, vem sendo empregado em processos de pré-tratamento de materiais lignocelulósicos devido ao seu baixo custo. Outra vantagem é que pode ser reciclado e reutilizado, o que o faz ser considerado um solvente “verde”.

O imidazol é um catalisador de anel aromático que, na sua composição, apresenta dois átomos de nitrogênio. Um desses átomos se assemelha estruturalmente à piridina, que é um solvente solúvel em água usado por diversas indústrias, da farmacêutica à de plásticos. Dessa forma, o imidazol consegue substituir solventes extremamente alcalinos.

A natureza alcalina do imidazol, combinada com grande capacidade de deslignificação (capacidade de dissolver a lignina) e baixo preço de mercado, faz dele um catalisador ideal para o pré-tratamento de bagaço de cana, explica o pesquisador.

A partir da biomassa lignocelulósica que é rejeito das usinas de etanol, o imidazol chega a obter e a recuperar dois tipos de frações de polímeros: uma rica em celulose e outra rica em hemicelulose (xilana).

Esses polissacarídeos podem ser utilizados tanto na produção de biocombustíveis de segunda geração quanto na de alimentos funcionais prebióticos, que são tipos de carboidratos que atuam na flora intestinal. [1], [2]

[1] Texto de Aline Fernandes França.

[2] Publicação original: https://ciencia.ufpr.br/portal/biorrefinarias-integradas-permitem-que-usinas-de-cana-de-acucar-usem-ao-maximo-o-bagaco-e-criem-produtos-derivados/.

Como citar este texto: UFPR. Biorrefinarias integradas permitem que usinas de cana-de-açúcar usem ao máximo o bagaço e criem produtos derivados. Texto de Aline Fernandes França. Saense. https://saense.com.br/2023/12/biorrefinarias-integradas-permitem-que-usinas-de-cana-de-acucar-usem-ao-maximo-o-bagaco-e-criem-produtos-derivados/. Publicado em 11 de dezembro (2023).

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