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17/05/2024

Um modo de ver o mundo na obra “Batman, Madonna e Mulher Maravilha”, de Romanita Disconzi
Foto: Acervo PBSA/UFRGS – Reprodução

Em uma entrevista concedida à Galeria Tate em 2015, em razão de uma grande exposição coletiva de Arte Pop, a artista gaúcha Romanita Disconzi afirma não se considerar uma artista pop. Segundo ela, seu trabalho apenas bebe da mesma fonte que a Arte Pop – isto é, a cultura de massa, os ensaios fotográficos dos famosos, a publicidade de consumo.

Na grande pintura Batman, Madonna e Mulher Maravilha, de 1993, os elementos da cultura pop estão muito bem colocados: o sorriso característico de Madonna aparece ao lado do rosto da Mulher Maravilha e do logotipo do Batman, saídos diretamente dos quadrinhos, juntamente a uma grande flor de hibisco. As imagens, contudo, parecem compostas por uma série de pequenos quadradinhos de cor sólida, que vão se misturando um ao outro; é difícil dizer onde termina a flor e começa o símbolo do Batman, por exemplo.

A comunicação sempre foi um dos grandes interesses de Romanita. Nascida na cidade de Santiago, RS, em 1940, sua presença no mundo artístico gaúcho é muito marcante: professora na graduação e na pós-graduação no Instituto de Artes da UFRGS por várias décadas, Romanita também foi diretora do MARGS e participou do grupo de artistas conhecido como Nervo Óptico na década de 1970.

Em 1969, motivou a criação da categoria “objeto” no Salão da Cidade de Porto Alegre, já que seu muito original Totem de Interpretação não cabia nas categorias tradicionais de escultura. O Totem é, na realidade, um grande jogo: uma série de blocos com símbolos diversos pintados – setas, corações, armas, punhos, sinais de “pare”. O significado que o Totem de Interpretação traz depende apenas da disposição dos blocos, nunca ficando perfeitamente claro.

Totem é, talvez, uma primeira manifestação do interesse de Romanita pelas idas e vindas da comunicação humana e suas arbitrariedades. Esse interesse continuaria ao longo do tempo em suas serigrafias, por exemplo, em que ela continuamente ampliou o vocabulário de símbolos que querem dizer muita coisa mas acabam não dizendo coisa nenhuma. É justamente essa brincadeira que a interessa.

Em 1991, porém, Romanita ingressa no doutoramento na USP sob orientação do professor e artista Julio Plaza e elabora o projeto que daria origem a Batman, Madonna e Mulher Maravilha e que a faria colocar os pingos nos is de seus interesses. A chamada “Pintura Pós-TV” é uma interpretação de Romanita de uma antiga questão na história da arte: como as pessoas de fato enxergam o mundo? 

Claude Monet foi um dos pioneiros nesse âmbito. Ele pintou ao ar livre a mesma cena em diversos horários do dia, estudando como as cores mudavam conforme a luz, e como isso era capaz de transformar o jeito com que vemos a realidade. Georges Seurat, depois, reduziu a percepção humana a infinitos pontinhos de cor. Romanita revisita os pontinhos de Seurat, exceto que, para ela, os pontinhos têm nome: os quadradinhos são os pixels das telas de TV, que se mesclam e fazem interferência um com o outro.

Ao melhor estilo da Arte Pop, a artista vê as imagens de televisão e de computador como a maneira de enxergar o mundo mais essencial e característica de seu tempo – a base da comunicação humana. O repertório de imagens é, inclusive, muito contemporâneo à pintura de 1993: em 1992, Madonna usava aquele mesmo dente dourado na promoção de seu álbum Erotica, então recém-lançado; Batman: o Retorno, com Michael Keaton e Michelle Pfeiffer, também havia sido lançado em 1992. Mais do que influências antigas, os super-heróis e popstars de Romanita são os santos a quem se reza nos altares da televisão.

Batman, Madonna e Mulher Maravilha é, assim sendo, mais do que uma pintura “fútil” – palavra muito usada contra a Arte Pop. Ela é a síntese feita por Romanita Disconzi do espírito de uma época, que opera com ícones diferentes dos da Arte Pop clássica de Andy Warhol, mas ícones mesmo assim, e que se vê tão saturada de telas e propagandas. Mais do que a luz do sol de Monet, essa arte se tornou o modo padrão de ver o mundo – e de fazer arte. [1], [2]

[1] Texto de Luís Eduardo Hofmeister

[2] Publicação original: https://www.ufrgs.br/jornal/pinacoteca-um-modo-de-ver-o-mundo-na-obra-batman-madonna-e-mulher-maravilha-de-romanita-disconzi/

Como citar esta notícia: UFRGS. Um modo de ver o mundo na obra “Batman, Madonna e Mulher Maravilha”, de Romanita Disconzi. Texto de Luís Eduardo Hofmeister. Saense. https://saense.com.br/2024/05/um-modo-de-ver-o-mundo-na-obra-batman-madonna-e-mulher-maravilha-de-romanita-disconzi/. Publicado em 17 de maio (2024).

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