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20/09/2024

Sombra e sol para climatizar a cidade
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Um mosaico verde heterogêneo é uma solução eficaz para manter a habitabilidade das cidades diante da diversidade de eventos extremos intensificados pela emergência climática. A vegetação urbana adequadamente planejada pode nos ajudar a aproveitar o melhor do sol e evitar o pior.

A emergência climática é um fato irreversível. Além da redução da emissão de gases estufa para evitar catástrofes ainda maiores, também é essencial iniciarem-se ações para mitigar os efeitos dos eventos extremos, que vêm aumentando de frequência e intensidade.

Cada tipo de evento extremo exige uma abordagem própria de mitigação. Ou seja, o mosaico verde urbano, para ser eficaz, precisa ser heterogêneo. Depressões verdes são capazes de acumular e infiltrar água de enxurradas locais. Encostas verdes são capazes de conter erosão e deslizamentos. Manter verdes as áreas sujeitas à inundação e outras áreas de risco é uma forma de não desperdiçar vidas, recursos e investimentos.

Colocar a cidade na sombra da vegetação ajuda a minimizar os efeitos das ondas de calor, um dos eventos extremos que mais causa mortes globalmente. Notícias recentes ressaltam a vulnerabilidade do Brasil, país com território continental e clima tropical, às temperaturas extremamente altas.

Nas ondas de calor, o sistema de energia elétrica pode colapsar tanto pelo aumento da demanda por refrigeração quanto pelo estresse da temperatura de operação. Se isso acontecer, as consequências serão ainda mais dramáticas.

As ondas de calor são mais extremas nas cidades, porque as superfícies construídas aquecem de modo forte e rápido e transferem o calor para o ar. Ondas de calor estão associadas a sistemas de alta pressão que tendem a manter o ar aquecido aprisionado sob um domo, amplificando o efeito. Superfícies reflexivas que não aqueçam quando expostas ao sol ou que estejam abrigadas do sol reduzem fortemente esses fenômenos.

Todos sabemos do valor de uma sombra num dia quente. A vegetação é uma superfície que não aquece, porque se mantém refrigerada, evaporando água. A vegetação arbórea sombreia as superfícies abaixo do dossel. Tetos verdes, paredes verdes, ruas arborizadas reduzem o aquecimento da cidade, reduzem a necessidade de refrigeração elétrica, reduzem o risco de blackout, reduzem custos, reduzem perdas humanas e econômicas.

No sul do Brasil, no inverno, podemos desejar mais sol e menos sombra. Plantas de folhas caducas ou de ciclo anual podem ser uma boa opção.

Adaptar as cidades aos eventos extremos implica custos que são inevitáveis. Os benefícios compensam. Não fazer nada também implica custos, talvez maiores, em vidas e infraestrutura. Ampliar a extensão e a diversidade do mosaico verde urbano é uma opção de baixo custo para lidar com as ondas de calor e outros eventos extremos. Alternativamente, podemos optar por soluções tecnológicas, como vidros, tintas e outros materiais reflexivos, revestimentos e aberturas com melhor isolamento térmico, refrigeração elétrica e muitas outras ideias. Coberturas com painéis solares são reflexivas e convertem a luz solar em energia elétrica em vez de calor.

Não são soluções excludentes, mas complementares. Essas soluções tendem a ser caras e, numa sociedade desigual, excludentes. Tendem também a resolver melhor a temperatura dos ambientes interiores do que das áreas externas. A opção pela vegetação também promove outros benefícios, como atrair espécies desejadas, produzir alimentos ou outros recursos, embelezar a cidade, sequestrar carbono, estimular novas atitudes e valores e manter a vida pública, coletiva que acontece nas calçadas, nas praças e outras áreas verdes, essencial para a saúde mental, para a democracia e para os laços humanos.

A opção pelas áreas verdes tem seus condicionantes. Vegetação demanda manutenção – podas, varrição, irrigação, replantios. Com boas escolhas e bom planejamento, esses custos podem ser reduzidos.

Além disso, uma característica das soluções baseadas na natureza é que seus efeitos são difusos. Dito de outra forma, o mosaico verde precisa ser extenso para ser efetivo. Por exemplo, cerca de 60% de superfície permeável ou de acúmulo pode ser necessário para efetivamente reduzir picos de enxurradas. Pelo menos 30% de cobertura verde, estrategicamente posicionada, pode ser necessária para reduzir a temperatura urbana entre 1 a 4 graus.

As cidades precisam abrir espaço para o verde. Apenas as áreas verdes públicas não são suficientes, ainda que este seja um foco prioritário.

Podemos argumentar e estimular a função social, pública, das áreas privadas. O mosaico precisa ser disseminado, também. Quando mais densificado é um bairro, mais vulnerável ele é e maior é o seu papel na criação de ilhas de calor, exigindo mais investimento local e criatividade na cobertura vegetal.

O mosaico verde precisa ser diverso também, porque diversos são os tipos de eventos extremos aos quais precisamos nos adaptar e de benefícios que desejamos enfatizar em cada lugar. Não existe uma ideia (cidades esponja viralizou recentemente) capaz de dar conta das complexas realidades da cidade e do clima.

Dar espaço ao verde nas cidades é uma opção sustentável. Em tempos de crise climática, essa é uma discussão urgente. [1], [2]

[1] Texto de Demetrio Luis Guadagnin

[2] Publicação original: https://www.ufrgs.br/jornal/sombra-e-sol-para-climatizar-a-cidade/

Como citar esta notícia: UFRGS. Sombra e sol para climatizar a cidade. Texto de Demetrio Luis Guadagnin. Saense. https://saense.com.br/2024/09/sombra-e-sol-para-climatizar-a-cidade/. Publicado em 20 de setembro (2024).

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