Jornal da USP
07/03/2025

Antes de um ser humano sequer desenvolver a fala, ele já é capaz de se comunicar por meio de sons, expressões e gestos. Os bebês, que estão dando seus primeiros passos nas interações sociais, utilizam o corpo para interagir e se engajar com o mundo ao redor, sendo que o toque está entre as ações mais comuns desse contexto. É nesse sentido que artigo publicado na revista científica Animal Cognition procurou documentar toques de bebês humanos e bebês chimpanzés nos rostos de outros indivíduos. O estudo observou diferentes grupos a fim de verificar a importância do toque social no desenvolvimento de filhotes de primatas.
O toque social pode ser definido como todo comportamento de contato físico entre pelo menos dois seres, que envolve algum tipo de engajamento. “Abraços, segurar na mão, carinho, são todos toques sociais, que nem sempre são positivos”, comenta Beatriz Felicio, uma das autoras do artigo. Os toques estão sujeitos a subjetividade, já que a interpretação e o significado dados a eles podem variar a depender da situação.
Doutoranda na área de Psicologia Experimental no Instituto de Psicologia (IP) da USP, Beatriz Felicio teve como foco de seu mestrado a importância dos toques faciais em populações de macacos-pregos. Foi a partir da pouca quantidade de estudos sobre o tema que a pesquisadora decidiu não apenas se aprofundar no assunto como também estender a investigação para humanos e chimpanzés. A ideia da pesquisa, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa (Fapesp) e orientada pela professora Patrícia Izar, era verificar se o toque social já se fazia importante para infantes de possíveis ancestrais comuns entre o macaco-prego e os hominídeos.
Ecologias sociais
Para a observação dos comportamentos dos bebês humanos e chimpanzés, Kim A. Bard, pesquisadora da Universidade de Michigan e coautora do artigo, tinha acesso a registros de diferentes ambientes de desenvolvimento, também chamados de ecologias sociais.
Direcionando as análises para bebês com aproximadamente um ano de idade, o grupo de chimpanzés foi formado por animais de um zoológico no Reino Unido, um santuário no Japão e do Gombe National Park – uma reserva com chimpanzés de vida livre localizada na Tanzânia. Já para o grupo de humanos, foram selecionados registros de comunidades da Inglaterra, de Camarões e da República Centro-Africana.
Beatriz ressalta a importância dessa riqueza ecológica e cultural para a realização do estudo, alegando que pesquisas em psicologia feitas apenas com pessoas dos mesmos países e costumes podem adquirir vieses fortes. “Quando se usa apenas um grupo amostral humano, fica muito difícil de dizer que isso com certeza acontece com toda a humanidade. Não se pode falar isso. Então realmente era uma grande oportunidade de fazer uma pesquisa interessante.”
A partir de 36 horas totais de observação, foram registrados 269 eventos de toque, sendo 222 toques faciais e 47 toques na cabeça. Apesar da verificação de diferenças entre os grupos, alguns resultados comuns chamaram a atenção das pesquisadoras. Entre eles, Beatriz cita como um dos mais importantes a conclusão de que o toque na face nessas espécies é afiliativo, sempre associado a contextos positivos ou neutros, como brincadeiras e compartilhamento de comida.
“Eventos de atenção conjunta significa você ter dois indivíduos mantendo a atenção deles em uma terceira coisa, podendo ser uma atividade, um objeto. (…) Testamos se o toque na face acontecia quando havia um engajamento desse tipo e é basicamente sempre.”Beatriz Felicio
Esses toques, também descritos como eventos pró-sociais, vieram associados a uma preferência dos bebês por interações com fêmeas adultas, geralmente as mães. A pesquisadora chama a atenção para esse resultado, pois o mesmo não foi observado em estudos anteriores com macacos-pregos.
Pequeninos e sociais
“É muito comum pensarmos em infantes como seres que só recebem: você que interage com o bebê, não é tanto ele que vai atrás da sua interação. Nós não enxergamos eles como moduladores das redes sociais”, afirma Beatriz. Para ela, os resultados observados na pesquisa mostram como, na realidade, esses indivíduos são capazes de iniciar interações e compartilhar eventos com outros desde muito novos, já se engajando em suas primeiras relações sociais por meio do toque.
A abrangência do estudo, tanto para humanos quanto para chimpanzés, contribui para a investigação de um comportamento ainda pouco explorado e importante para o desenvolvimento da vida social de primatas. “Também tem um impacto na psicologia comparada, que é quando tentamos comparar os seres humanos com outras espécies e ver em que quadro nós estamos”, conclui Beatriz.
O artigo Great ape infants’ face touching and its role in social engagement pode ser lido aqui.
Mais informações: beatrizffs@yahoo.com, com Beatriz Felicio. [1], [2]
[1] Texto de Fernanda Zibordi
[2] Publicação original: https://jornal.usp.br/ciencias/toques-faciais-tem-papel-no-desenvolvimento-social-de-bebes-humanos-e-chimpanzes/
Como citar este texto: Jornal da USP. Toques faciais têm papel no desenvolvimento social de bebês humanos e chimpanzés. Texto de Fernanda Zibordi. Saense. https://saense.com.br/2025/04/toques-faciais-tem-papel-no-desenvolvimento-social-de-bebes-humanos-e-chimpanzes/. Publicado em 07 de abril (2025).