Jornal da USP
02/07/2025

“Super escuridão”: formiga-feiticeira tem cor rara que absorve quase toda luz visível
As formigas feiticeiras recebem esse nome pelo fato das fêmeas não possuírem asas, o que lhes confere a aparência de formigas – Imagem: Cedida pelo pesquisador

Cores de animais têm suas origens na evolução e podem servir como mecanismos de sobrevivência das espécies, seja para atrair parceiros, afastar predadores ou até se camuflar no ambiente. Um artigo publicado na revista científica Beilstein Journal of Nanotechnology descreveu, pela primeira vez, a presença de cores ultraescuras em vespas conhecidas como formigas-feiticeiras. Foi observado que essas cores raras são formadas por microestruturas que minimizam a luz refletida e maximizam a luz absorvida pelo corpo das vespas, criando uma “superescuridão”. O estudo utilizou procedimentos microscópicos para investigar as vantagens adaptativas trazidas pelas cores ultraescuras.

As formigas feiticeiras, apesar do nome, são um grupo de vespas pertencentes à família Mutillidae. No Brasil, elas normalmente vivem em regiões abertas do Cerrado e da Caatinga. Foi nesses ambientes que Vinicius Marques Lopez, doutor em Entomologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, coletou os pequenos animais para estudo. Desde o mestrado, o biólogo vem trabalhando com a coloração e a evolução das formigas feiticeiras, mas foi no doutorado que ele pôde estudar as estruturas microscópicas responsáveis por gerar cores pouco encontradas na natureza. O trabalho venceu o Prêmio Tese Destaque USP 2025 na categoria Ciências Biológicas.

Ao usarem um espectrômetro – instrumento que mede propriedades de espectros de luz  – para estudar aspectos físicos das cores da vespa Traumatomutilla bifurca, os pesquisadores se depararam com uma situação curiosa. “Quando inserimos as formigas feiticeiras no aparelho percebemos que a cor do espectro estava abaixo do material preto de controle do equipamento, ou seja, o material refletia mais luz que a própria formiga”, diz Vinicius Lopez. Ele comenta que, a partir do momento que o espectrômetro indicou a presença das cores ultraescuras, outros experimentos foram feitos para entender como o fenômeno ocorria.

Cutículas raptoras de luz

No exoesqueleto da vespa T. bifurca foram encontradas cutículas muito especializadas formadas por arranjos de microestruturas localizadas na superfície do corpo do inseto. Diversas análises microscópicas foram feitas para compreender fatores como o tamanho, a ordenação e a morfologia dessas estruturas responsáveis por criar a cor excepcionalmente preta. Verificou-se que a luz que atinge as cutículas vai, progressivamente, sendo direcionada para dentro desses arranjos, ordenados como “finas páginas de um livro”, de forma que pouquíssima luz escape e seja refletida.

“Parece que, junto a essas estruturas ordenadas, há também bastante pigmento de melanina. Esse tegumento aumenta o tempo que a luz interage com a estrutura como um todo. Por ela interagir por mais tempo com essa estrutura que tem melanina, a luz acaba sendo mais absorvida” – Vinicius Marques Lopez

Apesar da complexa propriedade encontrada dentro da anatomia das formigas feiticeiras, Vinicius Lopez destaca que as aparições de cores ultraescuras na natureza são fenômenos evolutivamente convergentes, ou seja, não possuem uma ancestralidade comum. O mesmo fenômeno pode ser observado em algumas aves, répteis e outros artrópodes, mas não significa que ele se desenvolva da mesma maneira em todos os casos.

Cores antipredatórias

Para entender quais seriam os benefícios adaptativos da coloração ultraescura, os pesquisadores buscaram trabalhar em diferentes frentes de análise. Experimentos térmicos, comparando a temperatura do inseto em relação ao ambiente não mostraram diferenças perceptíveis entre as áreas brancas e as de cutículas ultraescuras das vespas, “evidenciando que a cor tem um papel secundário na biologia térmica desse animal”, segundo o pesquisador.

Outra investigação também foi desenvolvida na tese de Vinicius Lopez que originou o artigo. Nela, realizaram-se modelagens visuais para compreender como predadores interpretam a rara coloração nos ambientes em que a espécie ocorre. Por meio de dados fisiológicos, fotografias dos insetos em seus hábitats e do uso de um alvo de calibração de cores (ColorChecker), foi possível simular como um predador enxergaria uma formiga feiticeira. 

Os resultados sugerem que predadores como aves e lagartos, capazes de causar dano letal às vespas, “são justamente aqueles que as detectam mais facilmente e, ao mesmo tempo, as evitam”. Isso ocorre por adaptações defensivas desses insetos como o ferrão, a cutícula dura e a impalatabilidade, o que configuraria as cores ultraescuras como uma característica antipredatória e estratégica para a sobrevivência da espécie.

Partindo desse primeiro registro de cores ultraescuras em Hymenoptera – ordem das vespas, abelhas e formigas –, abrem-se potenciais investimentos em estudos para conhecer quais outros grupos possuem essas colorações e o que levou a esse tipo de adaptação evolutiva. “São trabalhos importantes até para sugerir aplicações futuras na indústria, principalmente na área da biomimética”, afirma Vinicius Lopez.

O artigo Ultrablack color in velvet ant cuticle pode ser lido aqui.

Mais informações: ovinicius.lopez@gmail.com, com Vinicius Marques Lopez [1], [2]

[1] Texto de Fernanda Zibordi

[2] Publicação original: https://jornal.usp.br/ciencias/super-escuridao-formiga-feiticeira-tem-cor-rara-que-absorve-quase-toda-luz-visivel/

Como citar este texto: Jornal da USP. “Super escuridão”: formiga-feiticeira tem cor rara que absorve quase toda luz visível. Texto de Fernanda Zibordi. Saense. https://saense.com.br/2025/07/super-escuridao-formiga-feiticeira-tem-cor-rara-que-absorve-quase-toda-luz-visivel/. Publicado em 02 de julho (2025).

Notícias do Jornal da USP Home