Jornal da USP
13/08/2025

Na saliva do carrapato, um novo caminho a seguir contra a febre maculosa
Febre maculosa é causada pela bactéria Rickettsia rickettsii, transmitida principalmente por carrapatos do gênero Amblyomma; pesquisadores identificaram na saliva do carrapato moléculas bioativas com efeito na resposta imune – Foto: Juliana Maria Freitas / Wikmédia Commons

Pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP lideraram um estudo inédito que identificou propriedades anti-inflamatórias e que estimulam a imunidade em uma proteína da saliva do carrapato Amblyomma sculptum, vetor da febre maculosa brasileira. Nomeada Amblyostatin-1, a substância pode abrir novos caminhos para o enfrentamento da doença, marcada por altas taxas de mortalidade, ajudando a entender como o carrapato modula o sistema imune do hospedeiro e facilita a infecção pela bactéria. A molécula também apresenta potencial para o desenvolvimento de medicamentos contra processos inflamatórios.

A pesquisa é resultado de uma colaboração internacional entre grupos do ICB, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), da Czech Academy of Sciences (República Checa) e do National Institutes of Health (NIH) dos Estados Unidos. A pesquisa é reportada em artigo publicado no periódico científico Frontiers in Immunology, que tem como primeiro autor o biólogo Wilson Santos Molari, mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Imunologia do ICB, sob orientação do professor Anderson de Sá Nunes.

“A saliva do carrapato é um coquetel de moléculas bioativas”, explica Sá Nunes. Identificar uma delas com forte ação moduladora da imunidade, como a Amblyostatin-1, é um avanço significativo para entender como o vetor interage com o organismo do hospedeiro e transmite a febre maculosa”, explica Sá Nunes.

No Brasil, a febre maculosa é causada pela Rickettsia rickettsii, uma bactéria intracelular transmitida principalmente por carrapatos do gênero Amblyomma, como o Amblyomma sculptum. A doença é considerada grave, letal e de notificação compulsória: entre 2013 e 2023, foram registrados 2.059 casos e 703 mortes, o que representa uma taxa de mortalidade de cerca de 34%, segundo dados da Agência Brasil. Por se manifestar inicialmente com sintomas semelhantes aos da dengue e de outras doenças comuns, a febre maculosa costuma ser diagnosticada tardiamente, o que compromete a eficácia do tratamento. O diagnóstico precoce é decisivo para aumentar as chances de sobrevivência dos pacientes.

Resposta imune

“Quando o carrapato infectado se alimenta, ele injeta na pele do hospedeiro tanto a bactéria quanto moléculas da saliva capazes de suprimir a resposta imune. Isso permite que a infecção avance de forma silenciosa”, explica Sá Nunes. “Estudar essas moléculas, como a Amblyostatin-1, nos ajuda a compreender os mecanismos que favorecem a transmissão da febre maculosa e pode, no futuro, orientar estratégias para bloquear essa infecção.”

A Amblyostatin-1 pertence à família das cistatinas, proteínas que inibem enzimas catepsinas, que desempenham papéis importantes no sistema imune e em processos inflamatórios. No estudo, a molécula demonstrou seletividade na inibição de catepsinas específicas, como a catepsina S e a catepsina L, associadas a processos de ativação de células do sistema imunológico. A catepsina S, por exemplo, é essencial para ativar células dendríticas (que acionam a resposta imune), enquanto a catepsina L atua na resposta inflamatória dos neutrófilos (células de defesa contra infecções por bactérias e vírus). Ao inibir essas enzimas, a Amblyostatin-1 demonstrou ser capaz de reduzir significativamente a ativação das células dendríticas e a inflamação na pele em modelos animais.

“Sabíamos que essas moléculas poderiam modular o sistema imune, mas um estudo anterior, que teve a participação do nosso grupo de pesquisa, mostrou que a Amblyostatin-1 se destacou por ser a cistatina expressa em maiores níveis durante a alimentação do carrapato, o que sugeria um papel relevante na interação com o hospedeiro”, explica Sá Nunes. Além disso, a Amblyostatin-1 apresentou baixíssima imunogenicidade, ou seja, não induziu a produção de anticorpos nos animais. Esse é um fator importante para o desenvolvimento de medicamentos de uso prolongado, já que o corpo tende a neutralizar substâncias reconhecidas como estranhas.

“Essa característica faz da Amblyostatin-1 um antígeno silencioso, ou seja, uma molécula que o organismo não reconhece como uma ameaça. Isso permite seu uso contínuo sem perda de eficácia, algo desejável em tratamentos de longo prazo para doenças inflamatórias”, complementa Sá Nunes.

Além do grupo liderado pelo professor no Departamento de Imunologia, participaram do estudo a professora Andréa Cristina Fogaça, do Departamento de Parasitologia do ICB, a professora Aparecida Sadae Tanaka (Universidade Federal de São Paulo), Michalis Kotsyfakis (Czech Academy of Sciences) e Lucas Tirloni (NIH), dentre outros pesquisadores.

O finaciamento foi da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). [1]

[1] Publicação original: https://jornal.usp.br/ciencias/na-saliva-do-carrapato-um-novo-caminho-a-seguir-contra-a-febre-maculosa/

Como citar este texto: Jornal da USP. Na saliva do carrapato, um novo caminho a seguir contra a febre maculosa. Saense. https://saense.com.br/2025/08/na-saliva-do-carrapato-um-novo-caminho-a-seguir-contra-a-febre-maculosa/. Publicado em 13 de agosto (2025).

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