Jornal da USP
07/08/2025

Conhecida por seus benefícios à saúde, a pitaya vermelha tem despertado o interesse da comunidade científica pelo seu potencial terapêutico. Rica em compostos antioxidantes, como a betacianina e a rutina, que possuem propriedades anti-inflamatórias, a fruta vem sendo estudada por seu possível uso coadjuvante no tratamento de doenças inflamatórias do intestino. Uma pesquisa da USP identificou que a polpa da pitaya vermelha fermentada com probióticos é capaz de ativar o gene ATG16L1, responsável pela regulação da autofagia – processo biológico de “limpeza” celular que remove componentes danificados e ajuda a prevenir inflamações, especialmente no intestino.
A pesquisa foi realizada na Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP em parceria com o Food Research Center (FoRC) e utilizou as cepas probióticas Lacticaseibacillus paracasei F-19 e Bifidobacterium animalis BB-12. O resultado foi um aumento de duas vezes na expressão do gene ATG16L1 em células de câncer do cólon cultivadas em laboratório.
De acordo com a autora do estudo, Juliana Yumi Suzuki, essa ativação da autofagia é essencial não só para manter a saúde celular, mas também para ajudar na prevenção de doenças inflamatórias intestinais, como a retrocolite ulcerativa e a doença de Crohn. “Além disso, o processo retarda o envelhecimento celular”, afirma.
Mecanismo alternativo de ativação do gene independe da vitamina D
Um dos achados mais importantes da pesquisa foi a constatação de que a ativação do gene ATG16L1, responsável pela autofagia, ocorreu sem necessidade da participação do receptor de vitamina D, o VDR, que é uma proteína geralmente envolvida nesse tipo de regulação. Juliana explica que, até então, acreditava-se que o VDR fosse essencial para a ativação desse gene, mas os experimentos revelaram um novo mecanismo de ação dos alimentos fermentados.
Segundo o estudo, embora seja mais conhecido por sua atuação na saúde dos ossos, o receptor da vitamina D (VDR) também desempenha papéis importantes no organismo, como regular o sistema imunológico, controlar a multiplicação das células, manter a integridade da barreira do intestino e ajudar a equilibrar a microbiota intestinal. Juliana diz que “o receptor VDR, presente em quase todas as células do organismo — especialmente no intestino delgado e no cólon —, atua como um receptor nuclear e funciona como um ‘interruptor genético’ que regula a expressão de genes quando ativado por alguns tipos de moléculas”. “Por estar amplamente distribuído no organismo, o VDR desempenha diversas funções biológicas, muitas ainda não totalmente compreendidas. Entre seus papéis conhecidos, está a regulação de genes ligados à autofagia, o processo de limpeza celular que remove componentes danificados e ajuda a controlar inflamações”, diz.
“Essa descoberta é relevante, pois abre possibilidades para o uso de alimentos fermentados na regulação da saúde celular por caminhos até então não descritos”, destaca a pesquisadora, que defendeu tese na FCF sob orientação da professora Susana Marta Isay Saad. Os resultados foram publicados na revista científica Food Bioscience.
A escolha de células de câncer colorretal humano nos experimentos foi estratégica, relata a professora Susana, orientadora do estudo. Ela diz que a linhagem HCT-116, embora derivada de tumor de cólon, é amplamente utilizada em pesquisas sobre saúde intestinal, inclusive em estudos que não têm relação direta com o câncer. “As células HCT-116 são um modelo importante porque expressam naturalmente o receptor de vitamina D (VDR), que é o foco principal da investigação”, afirma. Por serem originadas do cólon humano, essas células permitem avaliar como o intestino responde a processos inflamatórios e ajudam a compreender as vias de sinalização envolvidas nesses mecanismos.
Propriedades anti-inflamatórias
De acordo a pesquisa, a pitaya vermelha se destaca por ser rica em betacianinas — pigmentos naturais que dão à fruta sua coloração rosa-avermelhada intensa — e em rutina, um tipo de flavonoide. Estudos anteriores já haviam mostrado que o extrato da fruta reduz lesões no cólon e diminui marcadores inflamatórios em modelos experimentais. Além disso, os probióticos usados no estudo são conhecidos por melhorar a composição da microbiota intestinal e fortalecer o sistema imunológico.
Outro trabalho demonstrou que algumas cepas probióticas também estimulam a expressão do VDR. No entanto, no caso da pitaya fermentada com F-19 e BB12 a ativação do VDR não ocorreu. Uma das hipóteses, segundo Juliana, é que a rutina presente na fruta não foi convertida em quercetina, composto que normalmente ativa o VDR.
“Outra possibilidade é que a própria fermentação tenha gerado substâncias capazes de inibir ou bloquear esse receptor”, diz, completando que “ainda não se compreende totalmente como esses microrganismos modulam a sinalização do VDR e contribuem para a redução de processos inflamatórios, tema que segue em estudo”.
Entre os resultados, Juliana diz que a descoberta científica mais relevante foi a constatação de que a polpa de pitaya fermentada tanto com os probióticos F-19 quanto BB-12 aumentou a ativação do gene ATG16L1, independentemente do receptor de vitamina D (VDR).
“O resultado revela um mecanismo alternativo e inédito de controle da autofagia, o que abre novas possibilidades para o uso de alimentos fermentados na promoção da saúde celular”, relata a pesquisadora.
Aroma floral de rosas
Além dos efeitos da polpa fermentada, a pesquisadora também analisou os compostos químicos da fruta antes e depois da fermentação. Em comparação com a polpa in natura, as versões fermentadas apresentaram níveis mais elevados de betacianina — pigmento com propriedades antioxidantes — e maior estabilidade desse composto por até 28 dias de armazenamento, o que contribui para a conservação e valor nutricional do produto. Adicionalmente, a fermentação com a cepa F-19 também gerou alterações bioquímicas na formulação, formando o 2-feniletanol, um composto orgânico com propriedades antifúngicas, antimicrobianas e aroma floral suave, semelhante ao de rosas. Segundo a pesquisadora, esse composto pode ser empregado amplamente em indústrias cosméticas, farmacêuticas e alimentícias.
Ainda sobre a aplicabilidade da pesquisa, a professora Susana destaca que os resultados são promissores e podem, no futuro, impulsionar o desenvolvimento de alimentos ou produtos funcionais com alto valor nutritivo, capazes de oferecer os mesmos benefícios observados nos testes laboratoriais. Segundo ela, o estudo também considerou o uso de probióticos em diferentes matrizes alimentares, incluindo opções de origem vegetal. Com isso, ampliam-se as possibilidades de consumo para públicos como veganos, flexitarianos (alimentação predominantemente vegetariana) e pessoas com alergia à proteína do leite.
O artigo Gene expression analysis and metabolomics of red pitaya fermented with probiotic strains: Implications for vitamin D receptor and inflammatory pathways foi publicado na Food Bioscience em junho de 2025.
Mais informações: suzuki.jyumi@gmail.com, com Juliana Yumi Suzuki, e susaad@usp.br, com Susana Saad [1], [2]
[1] Texto de Ivanir Ferreira
[2] Publicação original: https://jornal.usp.br/ciencias/pitaya-fermentada-com-probioticos-ativa-gene-que-previne-inflamacoes-no-intestino/
Como citar este texto: Jornal da USP. Pitaya fermentada com probióticos ativa gene que previne inflamações no intestino. Texto de Ivanir Ferreira. Saense. https://saense.com.br/2025/08/pitaya-fermentada-com-probioticos-ativa-gene-que-previne-inflamacoes-no-intestino/. Publicado em 07 de agosto (2025).