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18/08/2025

Precisamos mesmo de tanta proteína?
Foto: Flávio Dutra/JU

Nos últimos meses, tem ocorrido um boom de conteúdos nas redes sociais sobre o consumo de proteínas, principalmente naqueles perfis e canais relacionados com a temática da alimentação e nutrição. As narrativas dos vídeos e as legendas das publicações são parecidas entre si e abordam, principalmente, a necessidade de aumentar o aporte proteico da dieta e dos preparos culinários. Ficam, no entanto, os questionamentos: será que todas as pessoas realmente precisam elevar a quantidade de proteínas na sua alimentação?; e será que, só porque se alega que determinado produto ou preparação culinária tenha alto teor em proteínas, esse alimento é saudável?

As recomendações de consumo de nutrientes, de maneira geral, variam principalmente conforme os estágios de vida, as condições de saúde das pessoas e a prática de exercícios físicos pelos indivíduos. Os nutricionistas são os profissionais responsáveis por “traduzir” essas recomendações de nutrientes em alternativas alimentares por meio do cálculo dos planos alimentares individualizados, uma vez que as recomendações nutricionais podem variar de pessoa para pessoa. Quando se trata de alimentação, entretanto, muitas pessoas – inclusive sem muito conhecimento técnico sobre o assunto – lançam mão de orientações tiradas de uma cartola mágica ou advindas de um plano alimentar calculado para si – e que, ainda, se tenta generalizar para os outros.

Essa discussão sobre a quantidade de consumo de proteínas tem levado nomes influentes da área da alimentação e nutrição a se manifestarem publicamente, desencadeando, inclusive, outras polêmicas por conta disso. Fica difícil, nesse sentido, julgar quem está certo ou errado, uma vez que os argumentos podem ser diversos e os públicos-alvo dessas manifestações também. O que se destaca, entretanto, é o fato de a palavra “proteína”, um macronutriente importante, de fato, para a nossa nutrição, ter ganhado tanto enfoque em detrimento aos alimentos em si e do contexto dessa alimentação.

Essa preocupação com os nutrientes é reflexo do nutricionismo – termo cunhado por Gyorgy Scrinis, cientista australiano, que une nutrição e reducionismo – em uma crítica ao que estamos vivenciando há anos em torno de nossa alimentação: destaque excessivo a determinados nutrientes, reduzindo o ato de alimentar-se a um meramente nutrir-se, desconsiderando contextos, alimentos e a cultura de cada lugar. 

Segundo Scrinis, cada época tem um nutriente-alvo. Algumas décadas atrás, era a gordura saturada. Quem não lembra da saga contra a manteiga e outras gorduras de origem animal? Parece que, atualmente, o foco são as proteínas. Se você não concorda, dê uma olhada nos rótulos dos produtos e nas receitas “saudáveis” da internet e verifique as menções utilizadas. Mas nem sempre esses produtos vão ser os mais saudáveis de fato.

Quando estamos falando de produtos industrializados, precisamos ter ainda mais atenção, visto que, muitas vezes, a indústria pode estar querendo empurrar um produto não tão saudável, como um ultraprocessado, por exemplo, com a máscara de saudável e ainda “fonte de proteína”. Além disso, tais produtos não devem substituir os alimentos convencionais, como o arroz, feijão, ovos, frutas e verduras. Ocasionalmente, podem ser utilizadas de forma estratégica, quando você sentir que não terá um dia proveitoso no que se refere à alimentação.

Outra reflexão a ser feita é se realmente estamos com nossa alimentação deficitária em proteínas. Certamente, a recomendação desse macronutriente varia conforme diversos fatores, como já mencionamos aqui. De forma geral e com base em estudos com dados populacionais, os brasileiros, entretanto, têm uma boa ingestão de alimentos como carnes bovina, suína e de aves, além de feijões e ovos, o que garante um bom aporte proteico na alimentação.

Recentemente, pesquisadores vinculados à USP e à Fundação Oswaldo Cruz publicaram um comentário científico justamente contrapondo-se ao mito do déficit de proteínas com base em resultados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018, em que mesmo na faixa de renda das pessoas mais pobres, apenas 3% das pessoas teriam um consumo insuficiente de proteínas.

A POF também indicou que a maioria dos brasileiros supera as recomendações de consumo de alimentos fontes de proteína e que, por outro lado, a alimentação do cidadão brasileiro carece do consumo de frutas, verduras e legumes, itens alimentares igualmente importantes para a manutenção da nossa saúde.

Por fim, vale destacar que aumentar o consumo de alimentos fontes de proteína de forma inadequada ou sem orientação profissional pode trazer efeitos indesejados para a sua vida, como maior risco de desordens no fígado, rins e pâncreas. Ademais, o equilíbrio sempre deverá ser o foco, pois os outros macronutrientes (carboidratos e lipídios) e micronutrientes (vitaminas e minerais) também são necessários para um bom funcionamento do corpo. Pensar a alimentação com base nos alimentos, e não apenas no seu conteúdo nutricional, pode ser libertador e melhorar a sua relação com a alimentação, o que consequentemente pode trazer mais qualidade de vida e resultados mais eficazes do que apenas comer “mais proteína”. [1], [2]

[1] Texto de Fabiana Tanabe

[2] Publicação original: https://www.ufrgs.br/jornal/precisamos-mesmo-de-tanta-proteina/

Como citar esta notícia: UFRGS. Precisamos mesmo de tanta proteína? Texto de Fabiana Tanabe. Saense. https://saense.com.br/2025/08/precisamos-mesmo-de-tanta-proteina/. Publicado em 18 de agosto (2025).

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